24
de setembro de 2013 | N° 17563
DAVID
COIMBRA
A carga da brigada ligeira
Se
você for à Velha Álbion e visitar aquelas venerandas escolas do século 19,
aqueles pilares espirituais do Império Britânico, se você fizer isso, vai
deparar com os primórdios de quase todos os jogos disputados com bola que
existem no mundo, do tênis ao futebol. Os britânicos imperialistas não tinham
muito o que fazer – os indianos, os negros e os asiáticos trabalhavam por eles.
Então, para ocupar o tempo livre, eles pegavam uma bola e inventavam jogos.
Os
alunos das schools inglesas organizavam renhidos campeonatos de futebol no século
19. Os campos e estádios daquela época ainda estão lá, bem como as lendas de
antigos heróis. Os ingleses foram os primeiros a desenhar esquemas táticos. Posicionavam
seus times com a agressividade da Brigada Ligeira numa carga contra os russos. Isto
é: com cinco atacantes. Infelizmente, às vezes o resultado de tamanha volúpia
ofensiva acabava como acabou a carga da Brigada Ligeira na Guerra da Crimeia. Isto
é: em devastação. Por isso, os primeiros técnicos começaram a dar importância à
defesa.
Na
Inglaterra, muitos dos técnicos eram professores. No Brasil, eram jogadores. No
Grêmio dos tempos de Lara, Luiz Carvalho e Foguinho, o técnico era o zagueiro
Sardinha. Mas esses primeiros técnicos brasileiros não queimavam neurônios com
formação tática. Mandavam o time atacar, e pronto. Com a profissionalização do
futebol brasileiro, em 1933, a função do técnico passou a ser mais valorizada,
e os técnicos compreenderam que precisavam estudar mais.
O
estrategista original do futebol gaúcho foi Otto Pedro Bumbel, que comandou o
Grêmio no fim dos anos 40. Bumbel teve de enfrentar um dos maiores, senão o
maior time do Inter de todos os tempos, o Rolo Compressor. Nesse time poderoso,
os destaques eram os dois pontas, Tesourinha e Carlitos. Tesourinha era tão bom
que tornou-se titular da Seleção Brasileira num tempo em que gaúchos não
tornavam-se titulares da Seleção Brasileira. O ataque que ele integrava ficou
famoso: Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair Rosa Pinto e Ademir
Queixada. Cinco, portanto. Uma Brigada Ligeira.
Bumbel
parou Tesourinha e, jogando o Gre-Nal decisivo com um a menos, venceu o
Campeonato de 49 e desmontou o Rolo Compressor. Como fez isso? Organizando a
defesa. O time do Grêmio jogou fechadinho numa época em que time algum jogava
fechadinho.
Depois
dele, Foguinho armou um supertime nos anos 50 e 60. Seu ponto de sustentação
era um zagueiro que ele chamava de “elefante”: Aírton Ferreira da Silva, para
muitos o maior zagueiro da história do Rio Grande do Sul.
Não
vi o Aírton jogar, mas não duvido que tenha sido o maior de todos. Para mim, no
entanto, o maior que vi em campo foi Elias Figueroa. Em torno dele, o Inter
construiu seu timaço dos anos 70.
Aquela
verdadeira seleção começava com Figueroa, sim, ele jogava atrás de todos,
olhando sobranceiro para o campo, como uma águia. Mas à frente dele havia um sólido
sistema de proteção: um quarto-zagueiro que saía para o combate, como Pontes,
Hermínio ou Marinho, dois laterais marcadores, como Cláudio e Vacaria, e não
um, nem dois, mas TRÊS volantes: Caçapava, Falcão e Carpegiani.
Nessa
época, os times jogavam com meias clássicos, como Zico e Rivellino; com pontas
abertos, como Edu, Joãozinho, Vaguinho, Nei, Zequinha e Ortiz; com um único
centromédio, como Clodoaldo. E, no Inter, até o ponta-direita Valdomiro marcava.
Havia
consciência da importância do sistema defensivo.
Foi
o que Renato conseguiu no Grêmio de hoje. Com o tripé Souza-Ramiro-Riveros no
meio-campo, mais três zagueiros rebatedores atrás, mais dois laterais
combativos nos lados e, o que é raríssimo, dois atacantes que ajudam a
recuperar a bola, com essa esse time consciente do quanto é fundamental a
tarefa defensiva, Renato montou um Grêmio difícil de ser batido.
Poderia
ser muito melhor, se os dois atacantes fossem mais técnicos, se fossem
goleadores. Não são, e assim Renato vive um dilema – são eles, Kleber e Barcos,
suas maiores lideranças. São eles que, com seu exemplo no campo e sua força no
vestiário, afiançam o técnico. Como tirá-los do time?
Curioso
isso. O drama de Renato e de todos os técnicos do futebol mundial não mudou
desde as priscas eras do esporte, em meados do século 19: a vontade é mandar o
time ousada e irresponsavelmente para o ataque, como fizeram os britânicos na
carga da Brigada Ligeira. Mas, oh, dor, do outro lado está a artilharia russa. Como
já alertou um dia o sábio Mané Garrincha, ninguém nunca combina nada direito
com os russos.
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