28
de setembro de 2013 | N° 17567
NILSON
SOUZA
O sol dos
guarda-chuvas
Tenho
uma dor infinita dos guarda-chuvas abandonados pelas calçadas da cidade. Toda
vez que nossa urbe incorpora Macondo, onde choveu durante quatro anos, onze
meses e dois dias, os restos mortais dessa família-morcego ficam espalhados
pelas ruas e praças, especialmente pelas paradas de ônibus – a roda dos
enjeitados da espécie envaretada.
Guarda-chuvas
são seres quase animados, alguns até se abrem por conta própria. Funcionam como
extensão do corpo, do braço humano. Servem de proteção, abrigo e companhia. Não
merecem o tratamento ingrato que muitas pessoas lhes dão. Basta uma varetinha
torta, uma ponta de pano solta e lá vai a bengala vestida para o brejo. Sem dó
nem piedade.
Sinceramente,
acho que os abandonadores deveriam ser punidos. Talvez possam ser enquadrados
na legislação que está sendo gestada para reprimir quem joga lixo na rua, com
os devidos agravantes para um objeto tão carente de afeto. Ou mesmo no Código
Penal, que tem um artigo específico para abandono de incapaz. Um guarda-chuva
destrambelhado é incapaz de se erguer sozinho, de abrir as suas asas e sair do
lugar em que foi jogado. Mesmo em dias de vento, o máximo que eles conseguem é
dar três ou quatro passos, antes de desabarem inertes sob o peso da haste em
forma de jota.
Culpa
dos fabricantes, argumentarão os infratores, alegando que a qualidade é tão
ruim, que os produtos se tornam descartáveis. Culpa dos chineses, dirão alguns
mais xenófobos, lembrando que quinquilharias oriundas da Ásia costumam se
desmanchar antes de serem usadas. Nada disso, porém, isenta o sujeito da
responsabilidade no abandono.
Em
compensação, ainda tem neste mundo quem se preocupe com os guarda-chuvas
extraviados. Além de remanescentes oficinas de conserto, cada vez mais raras,
de vez em quando aparece alguém mais criativo para dar sobrevida às sombrinhas
sequeladas.
Outro
dia, descobri que uma vizinha minha recolhe guarda-chuvas abandonados para
transformá-los em bolsas. Retira o pano pacientemente, recorta de acordo com os
seus moldes, costura e dá um formato elegante ao novo objeto, que voltará a
acompanhar algum dono pelas ruas. Achei a ideia tão boa, que até andei
recolhendo algumas peças extraviadas para presenteá-la.
Só
pelo prazer de imaginar que aqueles objetos descartados depois de enfrentarem
bravamente chuvas e tempestades para proteger seus donos voltarão a viver a
glória de um dia de sol, pois até na enfeitiçada Macondo ele voltou a brilhar.
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