terça-feira, 10 de setembro de 2013


10 de setembro de 2013 | N° 17549
PAULO SANT’ANA

Um ombro amigo

Ontem à tarde, fui convidar o meu amigo Cyro Silveira Martins Filho, gerente da Rádio Gaúcha, para tomar o excelente café da tarde que se serve agora no refeitório da RBS.

Saímos os dois no rumo do café, envoltos em recordações e cismas de porvir. Fomos caminhando:

Por onde fores, amigo,

por onde fores,

Irei também trilhando

as mesmas ruas.

Tu, para amenizar as dores tuas,

Eu, para amenizar

as minhas dores.

Interessante essa amizade que me liga ao Cyro. Ela tem ao mesmo tempo casualidade e nexo.  Ele tem uma memória magistral sobre a história brasileira e gaúcha. E eu vou me deliciando com os registros históricos que ele arrola.

Eu cultivo a amizade com o Cyro como se cultiva num jardim defronte à casa uma tulipa negra.

Que coisa triste, Cyro,

o campo tão sem flores

E eu tão sem crença e

as árvores tão nuas

E tu chorando e o horror

de nossas duas

Mágoas chorando e

se fazendo horrores.

Somos grandes amigos, eu e o Cyro. Mas eu estava pensando que apesar disso ele nunca foi à minha casa e eu nunca fui à casa dele.

Encontramo-nos no trabalho e isso já basta para nós.

Quando estou ensimesmado, convido-o para tomar uma Coca-Cola Zero no bar da Rádio.

E ali vamos desfiando ora casos históricos, ora reflexões sobre a existência humana, algumas marcadas de profunda tristeza embora nos deixem alegres e repletos de gozo hedônico e espiritual as nossas discussões filosóficas.

É muito bom ter um amigo para preencher essas horas mortas da tarde, um amigo que nos inspire ao riso, à camaradagem, às lágrimas e às reflexões.

A gente tem mãe, tem pai, tem irmãos, que não escolhemos e que nos são muito caros. Mas reparo bem que com o amigo é diferente: fui eu que o escolhi, topei com ele numa esquina da vida e selecionei-o para amigo.

E fui cultivando-o pelos dias, fui reconhecendo-o, fui sentindo falta dele. Já escrevi neste espaço que as melhores pessoas que conhecemos são aquelas de quem por vezes sentimos falta.

A falta é um vazio enorme, se for de um amigo é fácil preenchê-la, mas se for da minha mãe, que morreu quando eu tinha dois anos, essa falta é impreenchível.

E enquanto me faz falta a mãe que não guardou os meus sapatos com aquele carinho reverencial com que as mães guardam nas gavetas as roupas de seus filhos, vou substituindo minha mãe por amigos esparsos.

Meu Deus, o que estou dizendo? Como se se pudesse substituir uma mãe por um amigo.


Mas, vez por outra, o Cyro substitui muito bem a falta de minha mãe.

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