12
de setembro de 2013 | N° 17551
PEDRO
GONZAGA
Nós, os
tradutores
Estamos
nas legendas do cinema, quando alguém, com duas semanas de curso de inglês, já
pode, leviano, nos espinafrar. Estamos nos livros e revistas, sem que nossa
batalha possa ser avaliada senão em seus despojos. Nossa causa é solitária,
nosso trabalho, silencioso.
Ou
deveria ser. Na época em que me dediquei apenas à tradução, por vezes celebrava
sozinho algum raro acerto. Para esses poucos e compreensíveis excessos, o
pedido de uma providência a meu respeito na reunião de condomínio.
Basta
sermos identificados como tradutores, um gracioso não demora a esgrimir aquele
famigerado “traduttore, traditore”. Arre, nossa paciência, como a de todo
mundo, não é infinita. Estamos sempre no meio de uma relação, e não se pode ser
fiel a dois senhores, ou senhoras, não é verdade?
E
então os prazos. Deem-nos mais uma semana, mais 15 dias, mais um mês.
Mandaremos o que falta na quinta (porque dizer quinta é dizer a próxima terça).
Os tradutores sabem que quarta-feira é o dia fatal. Amigos e familiares, não
insistam, não leremos e-mails, não atenderemos ao telefone. Resistiremos até
que alguém da editora mande bater à nossa porta. E não abriremos.
Nem
sempre criativos, limitados pela transposição dos idiomas (às vezes, horas
atrás de um termo), lembro de entregar uma tradução do Chandler, mestre do
policial noir, para o Ivan Pinheiro Machado, um dos grandes editores
brasileiros. O título do original era Playback, que resolvi manter, resignado.
Dias depois, a ligação:
–
Assim não dá, meu rapaz, ele diz. Como é que tu me apresenta este título?
–
Mas, Ivan, contraponho, playback é playback, não dá para traduzir.
–
Veremos – e ele desliga. Na tarde seguinte, volta e me chamar:
–
Escute, achei. No fim do livro, uma femme fatale diz “comigo é para sempre ou
nunca mais”.
Para
Sempre ou Nunca Mais, com o subtítulo Playback, está até hoje nas livrarias. E
segue me parecendo um belo achado. Em um dos mais famosos episódios da Bíblia,
os homens, então monoglotas, põem-se a erguer a mais alta das torres. Seu
objetivo sempre me pareceu tolo. O castigo, não.
Entre
os escombros, ali estão nossos ancestrais. Em um mundo de línguas imperfeitas,
quando encontramos uma babélica correspondência entre duas palavras, vemos
brilhar outra vez a integridade da língua primeira. Nossa glória, toda nossa
redentora missão.
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