terça-feira, 10 de setembro de 2013


10 de setembro de 2013 | N° 17549
 LUÍS AUGUSTO FISCHER

Metal com humor

Não tem nada que ver com o mês, antiga semana, farroupilha; quase nem tem a ver com o Rio Grande do Sul; mas é uma leitura excelente para a entrada da primavera. É um romance e se chama Digam a Satã que o Recado Foi Entendido; o ator é o porto-alegrense Daniel Pellizzari, nascido em Manaus e ora residindo em São Paulo; a editora é a Cia. das Letras; para completar a referência, o livro faz parte da série Amores Expressos, que colocou para escritores brasileiros o desafio de ambientar enredos em paisagens fora do Brasil – ao Pellizzari coube o especial destino de Dublin, capital da Irlanda, cidade de ironistas supremos, nas letras, e de seres elementais, diz a lenda.

Desde sua estreia em ficção, Daniel Pellizzari mostrou virtudes que não são de jogar fora: amplo domínio da linguagem, que se revela não numa fluência de tipo jornalístico, mas em impressionante capacidade de imitar, por escrito, sotaques marcados regional ou socialmente; imaginação peculiar, capaz de criar enredos inusitados, muitas vezes partindo de cenas banalmente cotidianas, mas alcançando figurações fantásticas; por fim, uma visão corrosiva da vida, no polo oposto ao bom-mocismo ou ao tom anódino que faz a ficção trivial ser o que é.

Aí apareceu este romance. Nem precisa conhecer Dublin e seus mistérios para acompanhar o fundo (falso) da história narrada: parceiros meio casuais se juntam para explorar uma empresa turística de araque, que leva visitantes incautos a conhecer lugares supostamente misteriosos da cidade, de um lado, e de outro uma seita satânica progride em uma senda cada vez mais insana, envolvendo até sacrifício de virgem, tudo isso também meio fake.

Qual a graça? Para além do catálogo de bizarrices, que há e encanta em si mesmo, e da sensacional imitação, em português, de sotaques multiculturais os mais variados, tem aquela visão sarcástica, derrisória, como um fundo, um baixo contínuo da narrativa.


A imagem que me ocorreu nem sei se presta, mas é o que alcanço dizer: o livro todo me soa como um concerto de banda heavy-metal anos 1980, mas com o humor do Wander Wildner, ou melhor, da Bidê ou Balde. Algo assim estranho e interessante.

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