MIGUEL
SROUGI
Médicos brasileiros: sofrimento
interminável
Ao
contrário dos médicos, que assumiram posição inconsistente por romantismo,
nossos governantes tiveram uma reação disparatada
A
medicina oferece a seus profissionais um privilégio sem paralelo: aliviar o
sofrimento e resgatar seres para a vida. Infelizmente, esses momentos não se
perenizam, ora por atitudes indevidas dos próprios médicos, ora por omissão de
governantes inescrupulosos.
Isso
é o que acontece neste momento da nação. Feridos na sua autoestima, os médicos
posicionaram-se incorretamente contra a vinda de profissionais estrangeiros, na
contramão de um movimento planetário. Em todos os países, faltam médicos,
sobretudo para atuar em saúde básica. Calcula-se que, nos EUA, exista um
deficit de 15.230 médicos; na região de Yorkshire, na Inglaterra, os serviços
de emergência não contam com médicos à noite. Foi preciso recorrer ao Exército.
Pecaram
também os médicos, postando-se contra a participação de enfermeiras, psicólogos
ou fisioterapeutas na assistência direta a pacientes. Posição lógica quando se
lida com doenças mais complexas, mas irracional em saúde básica. Ademais,
seriam criadas oportunidades de trabalho para os brasileiros.
Ao
contrário dos médicos, que assumiram posições inconsistentes por ingenuidade ou
romantismo, presenciamos uma reação disparatada dos nossos governantes aos
clamores das ruas. Para dissimular a indecência na saúde, propuseram um
conjunto de medidas falaciosas; a principal delas, importar médicos cubanos
para atender nos grotões. Ideia com grande apelo aos mais distraídos, mas de
difícil implantação por afrontar as leis, a soberania e os valores brasileiros.
Determinadas
a contornar as resistências, nossas autoridades adotaram um estratagema
perverso. Desencadearam uma campanha de demonização dos médicos brasileiros.
Gesto
perigoso, por incitar o confronto entre cidadãos brasileiros num país que é desigual
porque tem governantes incompetentes ou desonestos. Gesto injusto, porque
insulta uma legião de médicos brasileiros que têm dedicado suas vidas aos mais
pobres. Médicos que têm, em média, três empregos e que ganham um salário
inicial de R$ 1.200, como ocorre em Goiás. Vinculados a uma profissão na qual 48%
dos seus membros trabalham, semanalmente, de 20 a 50 horas a mais do que a
população comum.
Médicos
que também são vítimas da inépcia dos nossos governantes. Que, por descumprirem
suas obrigações, arruinaram e produziram, nos últimos cinco anos, o fechamento
de 286 hospitais ligados ao SUS. Pior ainda, governo cujo Ministério da Saúde
deixou de utilizar, por inoperância, R$ 9 bilhões dos recursos a ele destinados
em 2012. Valor com o qual teriam sido construídas e equipadas cerca de 18 mil
unidades básicas de saúde, garantindo uma assistência qualificada a milhões de
desvalidos e reduzindo o número de corpos que despencam nas filas intermináveis
dos hospitais públicos.
Diante
do caos, seria ainda possível corrigir a tragédia que nos assola? Acho que sim,
até atrevo-me a fazer algumas sugestões.
1) Alocar,
de forma sincera, recursos substanciais na área da saúde.
2) Entregar
a direção do Ministério da Saúde e do SUS a gestores competentes e sinceros, e
não a políticos oportunistas.
3) Entregar
a gestão dos hospitais públicos a organizações sociais sem fins lucrativos.
4) Aperfeiçoar
e aumentar a abrangência das equipes de Saúde da Família.
5) Atualizar
coerentemente as tabelas de ressarcimento do SUS.
6) Criar
um plano de cargos e salários condignos para os médicos atuarem em saúde básica,
associado a oportunidades de trabalho e estudo para suas famílias.
7) Legalizar
e contratar equipes multiprofissionais para prestarem atendimento em saúde básica,
auxiliando ou substituindo os médicos aonde eles inexistem.
8) Alijar
os corruptos que se locupletam na saúde.
9) Promover
um aumento imediato de 20% a 30% de vagas nas escolas médicas, com
financiamento governamental.
10) Inserir
os médicos brasileiros nesse processo de reconstrução da saúde nacional.
Os
cidadãos desassistidos serão melhor amparados, o governo cumprirá com mais
dignidade o seu papel social e os médicos terão amenizados seus momentos de
sofrimento interminável.
MIGUEL
SROUGI, 66, pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard, é professor
titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do conselho do
Instituto Criança é Vida
Nenhum comentário:
Postar um comentário