10
de setembro de 2013 | N° 17549
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Minha filha e
eu
Minha
filha saiu de casa para morar com o namorado.
Estávamos
estremecidos. A gente não se falava tanto quanto antes, não nos perguntávamos
tanto quanto antes. Os
telefonemas e os encontros foram ficando econômicos, com pausas apressadas e
interrupções súbitas.
Dois
cachorros magros escondendo as vozes como ossos no quintal. Ela
tem 19 anos, já é adulta e não aceita coisa alguma que seja imposta e que fuja
daquilo que planejava.
Eu
sou pai, e minha chatice é eterna, não escapo da preocupação com o futuro e com
a universidade que pretende cursar. Incomodo
mesmo, recupero o assunto do vestibular sempre que abre uma brecha. Ela se
irrita com a pressão.
Decidi
ser duro, inflexível, ganhá-la no cansaço. Acredito que, com paciência, a
ditadura poderia render frutos. Só
que a vida não pede para que a gente tire os óculos para nos bater.
Com
o divórcio, eu adoeci e a filha armou uma trégua e veio me cuidar. Dar sopa,
chá e oferecer seu olhar caído para levantar o meu.
Desde
que viu seu pai enfraquecido, ela mudou. Ou eu mudei. Na verdade, ambos
mudaram. Não existe mudança no amor que não seja recíproca.
Mariana
assumiu o posto de conselheira e sentei na cadeira de aconselhado. Invertemos
os papéis. Ela me ajudando a entender e organizar o passado e eu, absolutamente
surpreso e estarrecido com sua maturidade.
Meses
de intensa troca, convívio miúdo e a certeza de que não perdemos em nada de
nossa intimidade.
Mas
faltava algo, faltava atravessar uma fronteira entre as palavras amenas e
educadas. Ainda era gentileza. Ainda havia formalidade entre nós. Faltava
algo que somente tive em sua infância: que demonstrasse uma fé, uma confiança,
uma esperança em mim mais do que em qualquer homem.
Quando
regressávamos de viagem de São Paulo, testemunhei o milagre. Lado
a lado, no meio do voo, ela adormeceu em meus ombros.
Fazia
muito tempo que eu não vigiava seu sono. Fazia muito tempo que não se entregava
ao cheiro de meu casaco. Fazia muito tempo que não controlava sua respiração.
Naquele
instante, com a mão trocada, acarinhei seus cabelos e cantei baixinho sua
música de ninar: “Lá vem a morena subindo a ladeira, com o pote de mel, um pote
de luz, bem perto do céu...”.
Ela
regressou ao meu colo, ao colo de pai, que é muito mais importante do que
voltar para casa.
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