sábado, 14 de setembro de 2013


15 de setembro de 2013 | N° 17554
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

HOJE O SEU DIA SERÁ BOM

Era uma lavagem de carros. Não gosto da palavra “lavagem”. Lembra ração para porcos. Se bem que “lavação” não é muito melhor, e ninguém usa. Então, lavagem.

Era uma lavagem de carros. Uma como tantas outras que há pela cidade. Mas na entrada havia uma placa de saudação:

E, quatro ou cinco metros adiante, pendurada em uma pilastra que sustentava o teto de um dos boxes, outra:

Achei muito simpático. Poucos estabelecimentos comerciais se anunciam tão amistosos. Deixei o carro, combinei o preço e a hora de pegá-lo e, antes de sair, deparei com mais um cartaz:

Fui embora sentindo-me confiante por ter escolhido aquela... está bem, lavagem. Meu carro certamente seria bem tratado. Certamente.

Não sou um fanático pela higiene automotiva. Não, senhor. Pelo menos não no que concerne ao lado de fora do carro. Não me importo se algum gaiato escrever no vidro traseiro, com a ponta do indicador: “Lave-me”. Não, não me importo. O certo é que jamais lavei nem jamais lavarei um carro com minhas próprias mãos. Vejo aqueles caras dedicando as tardes de sábado a lavar e a encerar seus cupês. Isso não é para mim. Pago, mas não lavo. Ou deixo sujo mesmo, paciência. O problema é que fazia tempo que não encontrava uma lavagem confiável na cidade. Até entrar nessa das placas amigáveis.

Nessa confiei.

Nessa, senti que o carro estava em mãos hábeis e honestas. De fato, horas depois, ao voltar para pegá-lo, encontrei-o tinindo. Parecia saído do recôndito da concessionária. Paguei, tomei a chave e fui para o carro, enquanto o homem que me atendeu foi buscar o troco. Antes de abrir a porta, vi mais dois cartazes. O primeiro profetizava, cheio de otimismo:

E o segundo, filosófico:

Enchi o peito de ar. Que homem positivo deve ser o dono desta lavagem, pensei. Então, ele veio lá de dentro com um sorriso no rosto e meu troco na mão. Eu já estava sentado atrás do volante. Ele me passou o dinheiro pela janela aberta e, sempre sorrindo, comentou:

– Um carro bem limpinho assim é uma beleza, não é?

Sorri de volta: – É mesmo. Como é. Muito obrigado!

– De nada – ele respondeu, animado. – Às ordens!

Rodei devagar em direção ao portão de saída. Segui cantarolando alguma melodia pela rua, pensando que a vida é boa. Sim, a vida é boa.

O que ler

Arthur Schopenhauer é considerado o filósofo do pessimismo. Francamente, trata-se de uma injustiça com o velho Arthur. Na verdade, Schopenhauer se abeberou do budismo para construir seu sistema de pensamento. O budismo original diz que a fonte do sofrimento é o desejo.

E é. O homem sofre porque deseja algo que não possui. Quando finalmente consegue o que quer, quando enfim realiza seu desejo, ele sacia aquela sede específica. Quer dizer: ele não sente mais AQUELE desejo. Sente um novo. O desejo é substituído imediatamente por outro desejo.

Sendo assim, o homem está destinado a sofrer, porque sempre desejará e sempre ficará insatisfeito. Só deixará de sofrer quando cessar de desejar. Livre da roda de desejos, o homem alcançará a paz. O Nirvana.

Isso é muito verdadeiro. Schopenhauer dizia que a felicidade é a ausência de dor. Mas lembrava que, quando o homem deixa de sentir dor, também esquece da dor que um dia sentiu. Ou seja: o alívio da dor que cessa é momentâneo, e a felicidade que produz é fugaz.

Parece muito pessimista, mas lembre-se que Schopenhauer também dizia que o bom humor é a única qualidade divina do homem, o que pode significar que toda essa angústia existencial pode ser enfrentada com alegria. E pode.

Estou contando tudo isso para recomendar um livro do velho Arthur. Não um livro difícil como o seu clássico, O Mundo como Vontade e Representação. Não. Vou recomendar Parerga e Paralipomena, livro com nome estranho, mas com conteúdo que pode ser considerado leve, tratando-se de um filósofo como Schopenhauer. Os analistas dizem que é um livro de aforismos. Não é bem isso. Não são sueltos.

É uma argumentação lógica e bem encadeada. E o melhor: com Parerga e Paralipomena, Schopenhauer se tornou um astro na Alemanha. Foi seu grande sucesso. E, no fim da vida, ele se sentiu realizado e, ironicamente, feliz.


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