15
de setembro de 2013 | N° 17554
O CÓDIGO
DAVID | DAVID COIMBRA
HOJE O SEU DIA SERÁ BOM
Era
uma lavagem de carros. Não gosto da palavra “lavagem”. Lembra ração para porcos.
Se bem que “lavação” não é muito melhor, e ninguém usa. Então, lavagem.
Era
uma lavagem de carros. Uma como tantas outras que há pela cidade. Mas na
entrada havia uma placa de saudação:
E,
quatro ou cinco metros adiante, pendurada em uma pilastra que sustentava o teto
de um dos boxes, outra:
Achei
muito simpático. Poucos estabelecimentos comerciais se anunciam tão amistosos. Deixei
o carro, combinei o preço e a hora de pegá-lo e, antes de sair, deparei com
mais um cartaz:
Fui
embora sentindo-me confiante por ter escolhido aquela... está bem, lavagem. Meu
carro certamente seria bem tratado. Certamente.
Não
sou um fanático pela higiene automotiva. Não, senhor. Pelo menos não no que
concerne ao lado de fora do carro. Não me importo se algum gaiato escrever no
vidro traseiro, com a ponta do indicador: “Lave-me”. Não, não me importo. O
certo é que jamais lavei nem jamais lavarei um carro com minhas próprias mãos. Vejo
aqueles caras dedicando as tardes de sábado a lavar e a encerar seus cupês. Isso
não é para mim. Pago, mas não lavo. Ou deixo sujo mesmo, paciência. O problema é
que fazia tempo que não encontrava uma lavagem confiável na cidade. Até entrar
nessa das placas amigáveis.
Nessa
confiei.
Nessa,
senti que o carro estava em mãos hábeis e honestas. De fato, horas depois, ao
voltar para pegá-lo, encontrei-o tinindo. Parecia saído do recôndito da
concessionária. Paguei, tomei a chave e fui para o carro, enquanto o homem que
me atendeu foi buscar o troco. Antes de abrir a porta, vi mais dois cartazes. O
primeiro profetizava, cheio de otimismo:
E o
segundo, filosófico:
Enchi
o peito de ar. Que homem positivo deve ser o dono desta lavagem, pensei. Então,
ele veio lá de dentro com um sorriso no rosto e meu troco na mão. Eu já estava
sentado atrás do volante. Ele me passou o dinheiro pela janela aberta e, sempre
sorrindo, comentou:
– Um
carro bem limpinho assim é uma beleza, não é?
Sorri
de volta: – É mesmo. Como é. Muito obrigado!
– De
nada – ele respondeu, animado. – Às ordens!
Rodei
devagar em direção ao portão de saída. Segui cantarolando alguma melodia pela
rua, pensando que a vida é boa. Sim, a vida é boa.
O
que ler
Arthur
Schopenhauer é considerado o filósofo do pessimismo. Francamente, trata-se de
uma injustiça com o velho Arthur. Na verdade, Schopenhauer se abeberou do
budismo para construir seu sistema de pensamento. O budismo original diz que a
fonte do sofrimento é o desejo.
E é.
O homem sofre porque deseja algo que não possui. Quando finalmente consegue o
que quer, quando enfim realiza seu desejo, ele sacia aquela sede específica. Quer
dizer: ele não sente mais AQUELE desejo. Sente um novo. O desejo é substituído
imediatamente por outro desejo.
Sendo
assim, o homem está destinado a sofrer, porque sempre desejará e sempre ficará insatisfeito.
Só deixará de sofrer quando cessar de desejar. Livre da roda de desejos, o
homem alcançará a paz. O Nirvana.
Isso
é muito verdadeiro. Schopenhauer dizia que a felicidade é a ausência de dor. Mas
lembrava que, quando o homem deixa de sentir dor, também esquece da dor que um
dia sentiu. Ou seja: o alívio da dor que cessa é momentâneo, e a felicidade que
produz é fugaz.
Parece
muito pessimista, mas lembre-se que Schopenhauer também dizia que o bom humor é
a única qualidade divina do homem, o que pode significar que toda essa angústia
existencial pode ser enfrentada com alegria. E pode.
Estou
contando tudo isso para recomendar um livro do velho Arthur. Não um livro difícil
como o seu clássico, O Mundo como Vontade e Representação. Não. Vou recomendar
Parerga e Paralipomena, livro com nome estranho, mas com conteúdo que pode ser
considerado leve, tratando-se de um filósofo como Schopenhauer. Os analistas
dizem que é um livro de aforismos. Não é bem isso. Não são sueltos.
É uma
argumentação lógica e bem encadeada. E o melhor: com Parerga e Paralipomena,
Schopenhauer se tornou um astro na Alemanha. Foi seu grande sucesso. E, no fim
da vida, ele se sentiu realizado e, ironicamente, feliz.
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