segunda-feira, 9 de setembro de 2013


09 de setembro de 2013 | N° 17548
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Uma foto de Paris

Isso foi quando nenhum dos meus leitores havia nascido, num tempo em que cenas ora bizarras, ora mágicas sucediam em Paris. Eu estava certa noite no Le Danton, na mesa da minha solidão, quando percebi que em outra, maior, umas 10 americanas, poderosas, altas do chão, anunciavam em uníssono que não iam pagar a conta e, não contentes, insultavam todos os franceses presentes e ausentes.

Sentindo que a barra pesava, chamei o garçom, mas ele começava a se entregar de momento a uma tarefa urgente: com le patron, mais seus colegas e os cozinheiros, armava uma barreira compacta junto à saída para impedir a fuga das bárbaras. Teve no entanto consideração suficiente por mim para aceitar os 20 francos do cálice de Chablis e me levar a uma porta lateral de emergência. Suspirei aliviado por me livrar do rolo (a essa altura, já se ouvia o ruído de garrafas e pratos quebrando lá dentro) e aí topei ali fora com um pessoal bem vestido em meio ao Boulevard Saint-Germain. À frente, uma lindíssima garota loira me chamava com acenos.

Obedeci incontinenti a seus apelos, e ela me tomou a mão, gesto que me fez esquecer de imediato a confusão das sobrinhas de Tio Sam. Caminhamos, o grupo todo, pelas quadras próximas, enquanto essa Marie-Christine, a garota loira, me dizia que eu nada temesse, pois o Espírito Santo ia baixar sobre nós. Baixou mesmo, numa cerimônia tocante e inesquecível, na cripta cheia de gente da igreja de Saint-Sulpice, onde um coro de vozes, ao que parece evadidas do Paraíso, me inundou de uma paz impressentida.

Esperei que aquilo nunca terminasse, pois Marie-Christine continuava a segurar minha mão e a me repetir: nada temas. Eu só temia que ela fosse uma visão e que aquele instante não passasse de um sonho, tão grande era a calma que tomava conta de cada pequena célula de meu coração. E assim inebriado imergi em seus olhos e me inundei de graça e saímos todos depois para a noite imensa de Paris, mas então eu e minha amiga fomos nos separando dos demais e levei Marie-Christine à estação de metrô Gobelins e voltei para o meu mínimo hotel do Quartier.

Sendo eu porém um cavalheiro de Cachoeira, de nome e solar conhecidos, é claro que não faltei ao dever de sair com ela nos dias e noites seguintes, e tudo que me permito dizer a respeito é que vivemos horas de suavíssimo, terno encantamento.

Por que conto estas coisas? Porque hoje encontrei, remexendo idos papéis, uma foto de nós dois, ela incrivelmente bela no entardecer de outono da Place de la Concorde, em nossas faces estampada toda aquela felicidade que dizem ser o doce pássaro da juventude.


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