16
de setembro de 2013 | N° 17555
L.F.
VERISSIMO
Imagine só
Eu
estava em Nova York quando mataram o John Lennon, em 1980. Estava em Nova York
quando a cidade fechou para enfrentar a fúria de um furacão que, mesmo chamado “Hugo”,
prometia ser o mais destrutivo de todos os tempos.
Nos
recolhemos ao nosso quarto de hotel com um bom sortimento de água mineral,
preparados para o pior. “Hugo” chegou com vento e chuva fortes e, que se saiba,
não derrubou uma árvore ou carregou uma velhinha, mas durante um dia inteiro
manteve a cidade acuada.
E
estávamos hospedados no mesmo hotel quando destruíram as torres do World Trade
Center. Antes que você tire a lição óbvia desta sequência – nunca ir comigo a
Nova York –, devo esclarecer que estive muitas outras vezes na cidade sem que
nada de anormal acontecesse, pelo menos que saísse nos jornais.
De
qualquer maneira, se as coincidências não valeram para mais nada, valeram para
me dar assunto. Já escrevi muitas vezes sobre o fato de estar em Nova York
quando mataram o Lennon e depois, quando derrubaram as torres. E lá vou eu de
novo.
Uma
das músicas cantadas num concerto em benefício das famílias das vítimas dos
atentados em Nova York foi Imagine, do John Lennon, justamente a música em que
ele pede à sua geração que imagine um mundo sem países e sem religião, ou nada
pelo que lutar e morrer irracionalmente.
Cantar
Imagine foi uma maneira de evocar outra tragédia da cidade e o assassinato de
um nova-iorquino por adoção que certamente estaria ali se estivesse vivo. Mas não
foi exatamente uma escolha adequada. Se o fanatismo religioso era parcialmente
responsável pela loucura suicida dos que atacaram o World Trade Center, foi ao
patriotismo rasgado, abençoado por Deus, que uma nação ultrajada apelou na sua
resposta.
Não
sei como o público reagiu à música. O tamanho do ultraje não deixava muito
lugar para o racionalismo hipotético de Lennon. A maioria dos jovens presentes
na cerimônia, realizada pouco tempo depois dos atentados, estava disposta a
lutar, matar e morrer imediatamente para vingá-los.
Nos 21
anos entre o ataque a Lennon e o ataque às torres, um mundo destribalizado, ou
transformado numa única tribo solidária e sensata, ficou inimaginável. E
Imagine transformou-se, com o tempo, de um hino a uma utopia possível em um réquiem
pela ingenuidade.
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