sábado, 7 de setembro de 2013

 

08 de setembro de 2013 | N° 17547
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

O que faz o verdadeiro rock’n’roll
Rock de verdade, rock’n’roll mesmo, é aquele que faz o cara sentir vontade de fazer biquinho quando dança. Não sou um dançarino. Não, senhor. Meus amigos dizem que danço sempre do mesmo jeito. Quer dizer: não posso ser acusado de dançar conforme a música.

Mas, se rola um rock de verdade, bem, aí, confesso: sinto uma maldita vontade de fazer biquinho. Esforço-me para me conter e quase sempre consigo, sobretudo se não são os Stones que estão tocando na radioeletrola, só que, quando olho para os lados, o que vejo? Todos de biquinho, e alguns até de olhos fechados. Se o rock faz o cara dançar fazendo biquinho e de olhos fechados, bem, esse é o verdadeiro rock’n’roll.

Ouié.

Quando Nietzsche chorou

A música tem de produzir efeitos na alma humana e, da alma humana, esses efeitos têm de se espargir pelo corpo. Dois dos maiores filósofos da História, Nietzsche e Schopenhauer, amavam a música acima de todas as demais formas de arte e a consideravam o mais nobre veículo de expressão do homem. Não por acaso, ambos eram alemães – os povos germânicos apreciam a música clássica como nenhum outro.

Nietzsche chorava quando ouvia algo de Richard Wagner. Sua devoção ao compositor era um sentimento próximo do amor romântico. Depois, tal qual ocorre com os maiores amores românticos, decepcionou-se com ele e acabaram rompendo amargamente. Um dia, Nietzsche chegou a dizer com desprezo, a respeito da entourage que cercava Wagner:

– Aquilo é um ninho de antissemitas.

Schopenhauer, que era o ídolo de Nietzsche e de Wagner, dizia que o homem estava sobre o chão e debaixo do sol apenas para sofrer. O único momento em que se deixava enlevar, de fato, era quando ouvia a Grande Música. Vivia repetindo uma histórica que aconteceu quando ainda era pequeno e residia no norte gelado da Alemanha. Os Schopenhauer eram comerciantes e moravam nas proximidades de um grande armazém. À noite, esse armazém era guardado por cães ferozes, tão ferozes que ninguém se arriscava a entrar lá, com medo de ser dilacerado a dentadas.

Bem.

Certa madrugada, um jovem músico da cidade bebeu demais e, de tropicão em tropicão, terminou DENTRO do armazém proibido. Só foi lembrar-se dos cães ao ouvir os primeiros latidos. Tentou escapar, mas era tarde demais. Viu-se de costas para um muro altíssimo, cercado pelas feras que rosnavam e mostravam os dentes de navalha. Era o fim, e seria um terrível fim.

Mas o músico não tinha apenas imprudência; tinha presença de espírito. Sacou de seu violino e, no momento em que os cães iam avançar sobre ele, pôs-se a tocar. E tocou e tocou e tocou divinamente, docemente, e os cães embeveceram-se e deitaram no chão de pedra e ganiram baixinho e se pacificaram ante à melodia divina produzida pelo homem.

A boa música amansa as feras.

Amansava até o velho rabugento Schopenhauer e atenuava seu pessimismo.

Piradinha

Será que Nietzsche e Schopenhauer fariam biquinho, se tivessem conhecido o rock? Decerto que sim. Eram sensíveis à música. À música, não ao ruído: Schopenhauer dizia que a estupidez de um homem se mede pela capacidade de suportar barulho: quanto maior a capacidade de suportar barulho, mais estúpido o homem é.

Mas o bom rock’n’roll não é barulho, não mesmo. Alguns dos sucessos brasileiros de hoje, são. Outro dia, vi meu filho de seis anos de idade dançando e cantando:

– Piri-pipiri-pipiri-piri-piradinha, ela tá maluca, ela tá doidinha...

Olhei para aquilo e pensei: perdão, Nietz. Perdão, velho Schopenhauer


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