08 de setembro
de 2013 | N° 17547
O CÓDIGO DAVID | DAVID
COIMBRA
O que faz o verdadeiro
rock’n’roll
Rock de verdade, rock’n’roll mesmo, é
aquele que faz o cara sentir vontade de fazer biquinho quando dança.
Não sou um dançarino. Não, senhor. Meus amigos dizem que danço
sempre do mesmo jeito. Quer dizer: não posso ser acusado de dançar
conforme a música.
Mas, se rola um rock de
verdade, bem, aí, confesso: sinto uma maldita vontade de fazer
biquinho. Esforço-me para me conter e quase sempre consigo,
sobretudo se não são os Stones que estão tocando na radioeletrola,
só que, quando olho para os lados, o que vejo? Todos de biquinho, e
alguns até de olhos fechados. Se o rock faz o cara dançar fazendo
biquinho e de olhos fechados, bem, esse é o verdadeiro rock’n’roll.
Ouié.
Quando
Nietzsche chorou
A música tem de
produzir efeitos na alma humana e, da alma humana, esses efeitos têm
de se espargir pelo corpo. Dois dos maiores filósofos da História,
Nietzsche e Schopenhauer, amavam a música acima de todas as demais
formas de arte e a consideravam o mais nobre veículo de expressão
do homem. Não por acaso, ambos eram alemães – os povos germânicos
apreciam a música clássica como nenhum outro.
Nietzsche chorava
quando ouvia algo de Richard Wagner. Sua devoção ao compositor era
um sentimento próximo do amor romântico. Depois, tal qual ocorre
com os maiores amores românticos, decepcionou-se com ele e acabaram
rompendo amargamente. Um dia, Nietzsche chegou a dizer com desprezo,
a respeito da entourage que cercava Wagner:
– Aquilo é um ninho
de antissemitas.
Schopenhauer, que era o
ídolo de Nietzsche e de Wagner, dizia que o homem estava sobre o
chão e debaixo do sol apenas para sofrer. O único momento em que se
deixava enlevar, de fato, era quando ouvia a Grande Música. Vivia
repetindo uma histórica que aconteceu quando ainda era pequeno e
residia no norte gelado da Alemanha. Os Schopenhauer eram
comerciantes e moravam nas proximidades de um grande armazém. À
noite, esse armazém era guardado por cães ferozes, tão ferozes que
ninguém se arriscava a entrar lá, com medo de ser dilacerado a
dentadas.
Bem.
Certa madrugada, um
jovem músico da cidade bebeu demais e, de tropicão em tropicão,
terminou DENTRO do armazém proibido. Só foi lembrar-se dos cães ao
ouvir os primeiros latidos. Tentou escapar, mas era tarde demais.
Viu-se de costas para um muro altíssimo, cercado pelas feras que
rosnavam e mostravam os dentes de navalha. Era o fim, e seria um
terrível fim.
Mas o músico não
tinha apenas imprudência; tinha presença de espírito. Sacou de seu
violino e, no momento em que os cães iam avançar sobre ele, pôs-se
a tocar. E tocou e tocou e tocou divinamente, docemente, e os cães
embeveceram-se e deitaram no chão de pedra e ganiram baixinho e se
pacificaram ante à melodia divina produzida pelo homem.
A boa música amansa as
feras.
Amansava até o velho
rabugento Schopenhauer e atenuava seu pessimismo.
Piradinha
Será que Nietzsche e
Schopenhauer fariam biquinho, se tivessem conhecido o rock? Decerto
que sim. Eram sensíveis à música. À música, não ao ruído:
Schopenhauer dizia que a estupidez de um homem se mede pela
capacidade de suportar barulho: quanto maior a capacidade de suportar
barulho, mais estúpido o homem é.
Mas o bom rock’n’roll
não é barulho, não mesmo. Alguns dos sucessos brasileiros de hoje,
são. Outro dia, vi meu filho de seis anos de idade dançando e
cantando:
–
Piri-pipiri-pipiri-piri-piradinha, ela tá maluca, ela tá
doidinha...
Olhei para aquilo e
pensei: perdão, Nietz. Perdão, velho Schopenhauer
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