14
de setembro de 2013 | N° 17553
NILSON
SOUZA
Mentirosos
Uma
dessas pesquisas curiosas realizadas no Reino Unido revelou que 60% das pessoas
mentem sobre a leitura de livros que nunca leram. A obra mais citada pelos
mentirosos na terra de Mr. Bean é 1984, do também britânico George Orwell,
aquele do Grande Irmão. Pelo menos 26% dos 2 mil entrevistados admitiram que
citam o livro como se o tivessem lido, respaldados, certamente, pelas
adaptações do romance para o cinema e para a televisão.
A chamada
mentirinha social, de quem quer passar por mais inteligente do que talvez seja,
tem outras variações, entre as quais o hábito de corrigir erros de gramática
cometidos por terceiros, utilizar citações famosas durante a conversa ou passar
a ideia de fluência em idiomas estrangeiros. Difícil achar quem nunca incorreu
num desses artifícios para impressionar.
Mas
o percentual de mentirosos revelado pelos ingleses também é irreal. Deveria ser
100%. Na verdade, somos todos mentirosos. É o que prova um desconcertante livro
que acabei de ler (de verdade!), escrito pela norte-americana Nancy Huston, que
recomendo para quem não se importa em ser desmascarado. Chama-se A Espécie
Fabuladora e trata exatamente da nossa vocação natural para inventar. Mentimos,
explica a autora sem qualquer complacência com os nossos melhores sentimentos,
para dar sentido à vida.
A
uma vida que sabemos, ao contrário dos outros animais, ter começo e fim. Nosso
cérebro inconformado com a finitude inventa histórias, inventa a nossa própria
história, a história da nossa origem, as histórias da nossa família, os mitos
da identidade, da nacionalidade e até da religião. É a dona Nancy que está
dizendo isso, não me crucifiquem. Confesso, porém, que fiquei bastante
impressionado com a tese.
É
justamente para compensar a nossa fragilidade como seres humanos que a
imaginação opera, cria mundos e fundos, inventa até a imortalidade da espécie
pelo subterfúgio da alma. Como, diferentemente dos outros bichos, dominamos a
palavra, a linguagem e a comunicação, ficou fácil para a gente fabular,
fantasiar e inventar.
Nosso
nome é uma ficção – que tornamos real ao adotá-lo. Poderia ser outro, não? Tem
tanta gente que muda de nome. Nosso sobrenome, data e local de nascimento,
origem familiar, língua, crenças – tudo ficção. Poderíamos, por obra do
imponderável, ter nascido em qualquer lugar diferente do planeta e nossa
história seria outra.
O
mais impressionante desse verdadeiro ensaio antropológico da escritora
norte-americana é que ela o elaborou para responder a pergunta de uma
presidiária durante um seminário de literatura. A mulher perguntou: “Para que
inventar histórias quando a realidade já é tão extraordinária?”.
Nós
não inventamos histórias, inventamos a realidade.
Na
condição de jornalista, profissão estigmatizada por lidar exatamente com fatos
e versões, folgo em saber que somos todos mentirosos de nascença. Ah, também li
1984.
Nenhum comentário:
Postar um comentário