segunda-feira, 30 de setembro de 2013


30 de setembro de 2013 | N° 17569
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Encontro marcado

Sem que percebas, cada dia teu é um passo rumo a incerto fim. Foi assim na noite em que adormeceste exausto, na nfância, depois de te investires cem vezes da coragem do soldado, da ousadia do ladrão, sob a mirada de inveja da Lua, que transitava no céu da cidade que perdeste.

Foi assim na manhã em que, na adolescência, recém calados os acordes da festa, desafiaste as vagas daquele trecho irado de mar e uma secreta corrente testou tuas forças e quase te aprisionou em ocultos vórtices, onde moram corais e celacantos.

E foi assim na culpada tarde de tua primeira juventude em que desfaleceste, saciado, no corpo nu de tua proibida amada e ela murmurou teu nome numa canção de adeus.

Aqui devo fazer ponto e vírgula.

Esse texto aí em cima é o início de uma das 99 crônicas que compõem meu novo livro, O Silêncio do Mundo. É a senha de um encontro que marco com meus leitores para amanhã, às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Moinhos.

Tive muito prazer em construí-lo. Reli, algo nostálgico, mais de 600 trabalhos publicados nestas páginas de Zero Hora entre 2002 e o ano que vai fluindo para escolher os selecionados. Foi uma viagem agradável com a única bússola das frases e parágrafos que me falavam mais direto ao coração.

Escrever crônicas é viver em voz alta, já dizia Rubem Braga. Ao reunir essas, dispersas por 11 anos, percebi que foi o que me aconteceu. Notei também que nunca me desnudei tanto. Falo, em O Silêncio do Mundo, de pessoas muito caras e muito próximas; de cenas, momentos, faces, vozes, lembranças que se encadeiam no tom de uma biografia interior; de vivências que no geral não se partilham. Teria sido mais fácil pôr de lado incidentes e passagens mais reveladoras do homem que sou, do que é minha caminhada pelo mundo. Preferi mantê-los, ou faltariam peças do jogo de armar do autorretrato.

Paro por aqui. Estas linhas me parecem de repente sérias. A vida não é séria.

A vida também se compõe de umas doses de lirismo, de uns traços de humor, de vinho e canto.


Não cometi o pecado de esquecer essa parte da receita.

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