SAMUEL PESSÔA
O Fed mudou de ideia
O erro do BC dos EUA é que nada de
muito diferente ocorreu de maio até hoje para mudar de planos
Na última quarta-feira o banco central
americano, Federal Reserve ou simplesmente Fed, decidiu que não irá
iniciar agora em setembro o processo de redução do volume de
títulos de dívida longo prazo que mensalmente adquire.
Na reunião de setembro de 2012, o
comitê de política monetária do Fed, conhecido por Fomc, decidira
que iria adquirir por mês US$ 40 bilhões de títulos lastreados em
hipotecas e US$ 45 bilhões de títulos de longo prazo emitidos pelo
Tesouro americano.
O objetivo do programa de compras de
ativos do Fed é manter baixo o diferencial entre os juros pagos
pelos papéis de longo prazo e os de curto prazo, de forma a ajudar a
recuperação do setor imobiliário, o epicentro da crise de 2007-08,
e estimular o investimento em geral.
Tanto a compra de um imóvel quanto a
decisão de investimento dependem da taxa de juros longa, e não da
curta. Se esta está baixa, mas aquela está elevada, as pessoas e as
empresas não investem.
Em maio último, motivado por uma série
de dados favoráveis da economia americana, o presidente do Fed, Ben
Bernanke, anunciou que provavelmente iria iniciar o processo de
redução das compras de ativos em setembro e que o fim do programa
seria provavelmente em meados do ano que vem.
Evidentemente, Bernanke deixou claro em
todas as falas que toda decisão de política monetária, incluindo a
redução do programa de compras, conhecido por "tapering",
seria contingente à evolução da economia americana.
O movimento de Bernanke iniciou um
forte processo de elevação das taxas de juros dos ativos de longo
prazo. Entre outros efeitos, essa elevação produziu intensa
desvalorização das moedas de economias emergentes e de países
desenvolvidos muito dependentes da exportação de commodities.
A elevação dos juros longos na
economia americana pode desestimular o mercado imobiliário, e não
há sinais de aceleração inflacionária. Pelo contrário, existe
grande possibilidade de a inflação fechar em 1% em 2013, bem abaixo
da meta de 2%.
O mercado que tem apresentado a maior
dificuldade para os analistas é o de trabalho. Por um lado, a taxa
de desemprego tem mostrado um ótimo comportamento, tendo caído de
7,9% em janeiro para 7,3% em agosto.
O problema é que a queda da taxa de
desemprego que ocorreu nos últimos anos deve-se à redução da taxa
de atividade, e não ao crescimento da velocidade de criação de
empregos. Ocorre que diversas pessoas simplesmente retiram-se da
população economicamente ativa, por desistirem de procurar emprego.
Sabemos que 1/5 da queda da taxa de
atividade nos Estados Unidos deve-se ao envelhecimento da força de
trabalho. Os outros 4/5 são de pessoas que, na maioria, voltaram
para a escola ou entraram no auxílio-doença e/ou aposentadoria por
invalidez.
Toda a dificuldade dos analistas e do
Fed é saber qual é de fato o tamanho da folga no mercado de
trabalho. Quando a economia passar a crescer mais fortemente, essas
pessoas retornarão ao mercado de trabalho? Se supuséssemos que,
hoje, esse grupo já tivesse voltado a buscar emprego, a taxa de
desemprego estaria por volta de 9%, e não de 7,3%. Por outro lado,
se elas não retornarem ao mercado de trabalho, o início do momento
de subida dos juros fica mais próximo. Porque, nesse caso, o mercado
de trabalho vai ficar mais apertado e pode produzir pressões
inflacionárias mais cedo.
Toda a comunicação do Fed ao longo do
ano induziu o mercado a pensar que a maior parte da queda da taxa de
atividade é estrutural, e não cíclica.
A decisão de quarta-feira de frustrar
a expectativa do mercado e não iniciar o "tapering" indica
que o Fed mudou de ideia. O erro do Fed é que nada de muito
diferente ocorreu de maio até hoje para eles mudarem seu
posicionamento. Ou seja, com o conjunto de informações disponível
em maio, deveria ter sido possível prever o curso dos fatos que
efetivamente ocorreu --e, portanto, avaliar que não era o momento de
iniciar o anúncio do "tapering".
O fato de o Fed ter voltado atrás de
uma decisão que estava bastante clara em sua comunicação sugere
que o comitê considera que a dinâmica da economia americana está
bem mais fraca que se imaginava. Teremos de esperar a ata da reunião,
que será divulgada em 9 de outubro, para sabermos o que ocorreu.
SAMUEL PESSÔA é doutor em
economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia
da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.
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