domingo, 22 de setembro de 2013

SAMUEL PESSÔA

O Fed mudou de ideia

O erro do BC dos EUA é que nada de muito diferente ocorreu de maio até hoje para mudar de planos

Na última quarta-feira o banco central americano, Federal Reserve ou simplesmente Fed, decidiu que não irá iniciar agora em setembro o processo de redução do volume de títulos de dívida longo prazo que mensalmente adquire.

Na reunião de setembro de 2012, o comitê de política monetária do Fed, conhecido por Fomc, decidira que iria adquirir por mês US$ 40 bilhões de títulos lastreados em hipotecas e US$ 45 bilhões de títulos de longo prazo emitidos pelo Tesouro americano.

O objetivo do programa de compras de ativos do Fed é manter baixo o diferencial entre os juros pagos pelos papéis de longo prazo e os de curto prazo, de forma a ajudar a recuperação do setor imobiliário, o epicentro da crise de 2007-08, e estimular o investimento em geral.

Tanto a compra de um imóvel quanto a decisão de investimento dependem da taxa de juros longa, e não da curta. Se esta está baixa, mas aquela está elevada, as pessoas e as empresas não investem.

Em maio último, motivado por uma série de dados favoráveis da economia americana, o presidente do Fed, Ben Bernanke, anunciou que provavelmente iria iniciar o processo de redução das compras de ativos em setembro e que o fim do programa seria provavelmente em meados do ano que vem.

Evidentemente, Bernanke deixou claro em todas as falas que toda decisão de política monetária, incluindo a redução do programa de compras, conhecido por "tapering", seria contingente à evolução da economia americana.

O movimento de Bernanke iniciou um forte processo de elevação das taxas de juros dos ativos de longo prazo. Entre outros efeitos, essa elevação produziu intensa desvalorização das moedas de economias emergentes e de países desenvolvidos muito dependentes da exportação de commodities.

A elevação dos juros longos na economia americana pode desestimular o mercado imobiliário, e não há sinais de aceleração inflacionária. Pelo contrário, existe grande possibilidade de a inflação fechar em 1% em 2013, bem abaixo da meta de 2%.

O mercado que tem apresentado a maior dificuldade para os analistas é o de trabalho. Por um lado, a taxa de desemprego tem mostrado um ótimo comportamento, tendo caído de 7,9% em janeiro para 7,3% em agosto.

O problema é que a queda da taxa de desemprego que ocorreu nos últimos anos deve-se à redução da taxa de atividade, e não ao crescimento da velocidade de criação de empregos. Ocorre que diversas pessoas simplesmente retiram-se da população economicamente ativa, por desistirem de procurar emprego.

Sabemos que 1/5 da queda da taxa de atividade nos Estados Unidos deve-se ao envelhecimento da força de trabalho. Os outros 4/5 são de pessoas que, na maioria, voltaram para a escola ou entraram no auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez.

Toda a dificuldade dos analistas e do Fed é saber qual é de fato o tamanho da folga no mercado de trabalho. Quando a economia passar a crescer mais fortemente, essas pessoas retornarão ao mercado de trabalho? Se supuséssemos que, hoje, esse grupo já tivesse voltado a buscar emprego, a taxa de desemprego estaria por volta de 9%, e não de 7,3%. Por outro lado, se elas não retornarem ao mercado de trabalho, o início do momento de subida dos juros fica mais próximo. Porque, nesse caso, o mercado de trabalho vai ficar mais apertado e pode produzir pressões inflacionárias mais cedo.

Toda a comunicação do Fed ao longo do ano induziu o mercado a pensar que a maior parte da queda da taxa de atividade é estrutural, e não cíclica.

A decisão de quarta-feira de frustrar a expectativa do mercado e não iniciar o "tapering" indica que o Fed mudou de ideia. O erro do Fed é que nada de muito diferente ocorreu de maio até hoje para eles mudarem seu posicionamento. Ou seja, com o conjunto de informações disponível em maio, deveria ter sido possível prever o curso dos fatos que efetivamente ocorreu --e, portanto, avaliar que não era o momento de iniciar o anúncio do "tapering".

O fato de o Fed ter voltado atrás de uma decisão que estava bastante clara em sua comunicação sugere que o comitê considera que a dinâmica da economia americana está bem mais fraca que se imaginava. Teremos de esperar a ata da reunião, que será divulgada em 9 de outubro, para sabermos o que ocorreu.


SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

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