PASQUALE CIPRO NETO
'Espiar' e 'expiar'
Escrever
"um ministro insipiente" em vez de "um ministro incipiente"
pode causar muito barulho
Na
abertura da Assembleia-Geral da ONU, a presidente Dilma Roussef bateu firme no
governo estadunidense, que, como já é público e notório, andou (e certamente
ainda anda) bisbilhotando a vida de Deus e o mundo. Sem meias palavras, Dilma
condenou o procedimento norte-americano.
Como
se sabe, a palavra que nomeia essa safadeza é "espionagem". Quem procura
"espionagem" num dicionário encontra como primeira definição
"ato ou efeito de espionar". Bem, para encurtar as coisas, a família
é grande: "espiar", "espião", "espionar",
"espionagem" etc. Como se vê, o "s" ocorre em toda a
família, já a partir da raiz latina.
Paralelamente
a "espiar", existe "expiar", que significa "pagar
crimes ou faltas; remir(-se); sofrer as consequências de"
("Houaiss"). É daí que vem o "bode expiatório", que nada
mais é do que aquele que expia, ou seja, que paga pelo que não fez, que leva a
culpa do que outros fizeram.
Palavras
como "expiar" e "espiar", que têm grafia semelhante,
pronúncia semelhante ou igual, fazem parte do grupo dos parônimos, um tanto
abundantes em nossa língua.
Quem
lida com a escrita formal precisa tomar cuidado para não trocar alhos por
bugalhos. Antes de tratar de alguns exemplos, lembro que os corretores
ortográficos instalados nos computadores nossos de cada dia não nos protegem de
cochilos na hora de escolher entre "eminente" e "iminente",
"insipiente" e "incipiente" etc. Os corretores não leem a
frase, não entendem o contexto, portanto...
Como
fazer? Tanto nas versões impressas quanto nas eletrônicas, os dicionários
costumam indicar a eventual paronímia. Quem não sabe, por exemplo, se deve
escrever "insipiente" ou "incipiente" ou não sabe que
existem as duas formas vai a um dicionário de papel, abre-o, chega à letra
"i", vai indo até o "in" e...
E é
claro que chega antes a "incipiente" do que a "insipiente".
Se houver pressa, a lambança está quase feita. Mal constata que existe
"incipiente", o apressado fecha o dicionário e... Quem faz a consulta
num dicionário eletrônico corre o mesmo risco, já que, assim que digita
"incip", cai em "incipiente". Se o consulente não for até o
fim, ou seja, se não ler as acepções da palavra procurada e, depois, não baixar
os olhos para ver as inúmeras observações sobre a origem, a eventual paronímia
etc., estará a dois passos de um possível equívoco.
Nesse
tipo de caso, a boa consulta é aquela que vai até o fim, e o fim não é a
"descoberta" de um eventual parônimo, que, quando existe, impõe ao
consulente uma ida a esse verbete.
Trocando
em miúdos: quem procura "incipiente" deve, primeiro, ler os
significados ("que inicia, que está no começo; inicial, iniciante,
principiante", na definição do "Houaiss"); em seguida, deve ler
as observações e, ao constatar que se indica a existência de
"insipiente", deve imediatamente marchar para esse vocábulo, que o
"Houaiss" define como "não sapiente, ignorante; tolo, néscio;
sem juízo, insensato, imprudente".
Não
é preciso muito esforço para perceber o que pode causar a "simples"
troca de "incipiente" por "insipiente" num texto, numa
carta formal, numa petição etc. Escrever algo como "um ministro
insipiente" no lugar de "um ministro incipiente" pode causar
muito barulho.
Uma
dupla perigosíssima é "lutoso/lutuoso". A palavra que tem relação com
"luto" é a segunda ("lutuoso"). "Lutoso"
(sinônimo de "lutulento") nada tem que ver com "luto" ou
com o que é fúnebre, funesto.
De
raiz latina, os adjetivos "lutoso" e "lutulento" têm
relação com "lodo", "lama", "limo". Um
pronunciamento "lutulento" (ou "lutoso"), portanto, é um
pronunciamento cheio de lama (no sentido figurado, é óbvio), ou seja, que
agride, ofende. É isso.
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