12
de setembro de 2013 | N° 17551
L. F. VERISSIMO | L.F. VERISSIMO
A troca
A
substituição da máquina de escrever pelo computador não afetou muito o que se
escreve. Quer dizer, existe toda uma geração de escritores que nunca viram um
tabulador (que, confesso, eu nunca soube bem para o que servia) e uma
literatura pontocom que já tem até os seus mitos, mas mesmo num processador de
texto de último tipo ainda é a mesma velha história, uma luta por amor e glória
botando uma palavra depois da outra com um mínimo de coerência, como no tempo
da pena de ganso.
O
novo vocabulário da comunicação entre micreiros, feito de abreviações
esotéricas e ícones, pode ser um desafio para os não iniciados, mas o que se
escreve com ele não mudou. Mudaram, isto sim, os entornos da literatura. Não
existem mais originais, por exemplo.
Os
velhos manuscritos corrigidos, com as impressões digitais, por assim dizer, do
escritor, hoje são coisas do passado – com o computador só existe versão final.
O processo da criação foi engolido, não sobram vestígios. Só se vê a sala do
parto depois que enxugaram o sangue e guardaram os ferros.
Nos
jornais, o efeito do computador foi muito maior do que o fim da lauda rabiscada
e da prova de paquê. O computador restabeleceu o que não existia nas redações
desde – bem, desde as penas de ganso. O silêncio. Um dia alguém ainda vai
escrever um tratado sobre as consequências para o jornalismo mundial da
substituição do metralhar das máquinas de escrever pelo leve clicar dos
teclados dos micros, que transformou as redações, de usinas em claustros.
A
desnecessidade do grito para se fazer ouvir mudou o caráter do jornalista para
melhor ou o fim da identificação com um honesto e barulhento trabalho braçal
lhe roubou a velha fibra? Talvez ainda seja cedo para saber.
Mas
é no futuro que a troca do preto no branco pelo impulso eletrônico fará a maior
confusão. A internet está cheia de textos apócrifos, inclusive alguns
atribuídos a mim, pelos quais recebo xingamentos (e tento explicar que não são
meus) e elogios (que aceito, resignado), e que, desconfio, sobreviverão,
enquanto tudo que os pobres autores deixarem feito por meios obsoletos virará
cinza e será esquecido. Nossa posteridade será eletrônica e, do jeito que vai,
será fatalmente de outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário