25
de setembro de 2013 | N° 17564
MARTHA
MEDEIROS
Coragem para ter medo
Saí tão
comovida do espetáculo TôTatiando, que a cantora Zélia Duncan apresentou
durante o Porto Alegre em Cena, que não posso deixar de falar dele, até porque
me parece necessário fazer um barulho em torno. O Brasil inteiro merece
assistir a um produto cultural dessa qualidade. Há muito tempo, eu não via algo
tão genial.
É show?
É teatro? É o quê?
Uma
combinação de ambos. Um encontro empolgante do cênico com o musical, do simples
com o sofisticado. Todas as canções são de autoria do inspirado Luiz Tatit,
fundador do vanguardista Grupo Rumo, que surgiu em São Paulo nos anos 80. Zélia
se apropria de cada letra, de cada sílaba, de cada palavra, e as canta, as
conta, as encena e as faz levitarem até uma altura tão elevada, que a plateia
atinge uma espécie de entorpecimento.
Ficamos
completamente chapados por 60 minutos, extasiados com tanta beleza, tanto
lirismo, tanta graça. Quem precisa de drogas quando se tem arte pura ao
alcance?
O
espetáculo é incomum, mas o que ele transmite é comum. Não é fácil, e ao mesmo
tempo é fácil, sim. Não é óbvio, porém não há estranheza alguma que impeça a
comunicação. Luiz Tatit sempre escreveu sobre a singularidade mais prosaica do
ser humano, e aí chega Zélia e transforma tudo em encantamento. Circo. Poesia. “Sempre
quis o meu destino/ foi o meu destino que nunca me quis (...)/ Acho que ele foi
atrás de outro alguém/ Pois destino tem destino também”.
Ao
final da apresentação (ovacionada!), Zélia agradeceu à equipe e em especial à sua
diretora, a talentosa Regina Braga, admitindo: “Se encarei esse desafio, foi
porque a Regina me deu coragem para ter medo”.
A
que medo Zélia se refere? Provavelmente, o medo de sair da sua zona de conforto
e expandir seu talento (revelou-se uma excelente atriz, além da intérprete
afinadíssima que já sabíamos que era). O medo de oferecer ao público um produto
que se diferencia dos sucessos comerciais facilmente palatáveis.
O
medo de revelar a obra de um autor (o já citado Luiz Tatit) de quem a maioria
dos brasileiros nunca ouviu falar. O medo de misturar gêneros (teatro, música,
recital) e criar algo novo a partir disso. Algo novo. Novo! O que pode ser mais
assustador do que o novo?
Costumamos
nos agarrar ao que é conhecido, a emoções reprisadas, à manutenção do já visto,
já feito – raramente arriscamos perder o chão sob nossos pés. Até que alguém dá
um salto mortal bem na nossa frente, e não se estatela, ao contrário, sobressai.
É quando dá vontade de ter coragem também. Coragem de sentir medo. E então
descobrir que o destino não nos abandonou como parecia. Só estava esperando que
a gente se tornasse mais merecedor de seu sorriso.
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