FERREIRA
GULLAR
Punir é crime?
Para
nossos juízes, punir é coisa retrógrada, resquício de um tempo que a
modernidade superou
Evitei
me manifestar de imediato sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que
reconheceu a pertinência dos embargos infringentes.
Evitei,
primeiramente, porque, naquele momento, todo mundo tratou de dar sua opinião,
fosse contra ou a favor daquela decisão. Como não sou jurista nem pretendo ser
mais lúcido que os demais, preferi ler as entrevistas e artigos então
publicados, para melhor avaliar não só o acerto da decisão adotada pelo STF,
como as possíveis consequências que ela inevitavelmente provocaria no juízo da
opinião pública em face de tão importante julgamento.
Passada
a onda, a sensação que me ficou foi a mesma que, de maneira geral, a nossa
Justiça provoca nos cidadãos: a de que este é o país da impunidade. Trata-se de
uma sensação hoje tão disseminada na opinião pública que se tornou lugar-comum.
Apesar disso, diante desse novo fato que chocou a nação, me pergunto: de onde
vem isso? O que conduz a Justiça brasileira a inviabilizar as punições?
Não
pretendo ter a última palavra nessa questão, mas a impressão que tenho é de
que, para nossos juízes, punir é coisa retrógrada, resquício de um tempo que a
modernidade superou. Em suma, punir é atraso --e o Brasil, como se sabe, é um
país avançado, moderninho.
Não
foi por outro motivo, creio, que certa vez um advogado me disse o seguinte: quando
a sociedade condena alguém, quase sempre quer se vingar dele. Essa visão aqui
evocada levou um célebre advogado, dos mais prestigiados do país, a propor o
fim das prisões.
Pensei
que ele estivesse maluco mas, ao falar do assunto com um outro causídico, ouvi
dele, para minha surpresa, que aquela era uma questão a ser considerada
seriamente. Só falta meter na cadeia os homens de bem e entregar a chave a
Fernandinho Beira-Mar.
Seja
como for, a verdade é que há alguma coisa errada conosco. Punir não é vingança,
mas a medida necessária para fazer valer as normas sociais. Comparei, certa
vez, o ato de punir às decisões tomadas por um juiz de futebol. O jogo de
futebol, como todo jogo, só existe se se obedecem as normas que o regem: gol
com a mão não vale, chutar o adversário é falta e falta na área é pênalti. Se o
juiz ignora essas regras e não pune quem as transgride, torna a partida inviável
e será certamente vaiado pela torcida adversária. Pois bem, o convívio social,
como o jogo de futebol, exige a obediência às regras da sociedade.
Quem
rouba, mata ou trafica, por exemplo, está fora das regras, isto é, fora da lei --e
por isso tem que ser punido. Punir é condição essencial para tornar viável a
vida em sociedade. Se quem viola as normas sociais não é punido, os demais se
sentem à vontade para também violar aquelas normas.
É o
que, até certo ponto, já está acontecendo no Brasil, particularmente nos
diferentes setores da máquina pública, tanto no plano federal, como estadual e
municipal. E aí há os que praticam peculato como os que entopem os diferentes
setores do governo com a nomeação de parentes e aderentes, sem falar no
dinheiro que desviam para financiar o partido e, consequentemente, sua futura
campanha eleitoral.
Às
vezes os escândalos vêm à tona, a imprensa denuncia as falcatruas, processos são
abertos, mas só para constar, porque não dão em nada, já que, neste país avançado,
punir é atraso.
Mas
um ânimo novo ganhamos todos com o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal
Federal. Durante meses, todos assistimos pela televisão à exposição dos crimes
praticados contra a democracia brasileira e, finalmente, à condenação dos réus.
Enfim, ia se fazer justiça.
Mera
ilusão. Logo em seguida, passou-se a falar nos embargos declaratórios e nos
embargos infringentes. Veja bem, durante a vida inteira ouvi dizer que das
decisões do Supremo não cabem recursos.
Ainda
bem, pensava eu, pelo menos há um momento em que a condenação é irreversível. Sucede,
porém, que com a validação dos embargos infringentes, isso acabou. Nem mesmo as
decisões da Suprema Corte, agora, são para valer. Os beneficiados com os tais
embargos, que no dia daquela decisão eram 12, já se anuncia que serão 84. Isso,
por enquanto.
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