08 de setembro
de 2013 | N° 17547
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Coragem da chuva
Na véspera da tempestade de granizos,
minha família se dividia em dois grupos: os que se protegiam da
chuva e os que festejavam a chuva.
Mãe e irmãos ajudavam
a fechar as venezianas, a desalojar as velas das gavetas, a lacrar as
portas e se esconder na sala com pavor dos relâmpagos. Receavam o
pior, o destelhamento com as pedras, a infiltração pelas paredes.
Formavam uma brigada de prevenção.
Já eu e meu pai nos
dirigíamos para varanda como se fossemos passear. Sentávamos no
banco de madeira, com a aguaceira nos pés, a admirar a tempestade.
Leves, livres,
convictos. Adorávamos os pinotes das folhas, as cambalhotas dos
galhos, o pipocar dos blocos nas lajes.
A água maquiava nosso
rosto com uma fria camada de pó.
Havia uma cumplicidade
com o céu violáceo, estranho, absurdamente surpreendente.
Apontávamos qual o
raio mais bonito, o mais sonoro, o mais longo, o mais próximo.
Não tínhamos medo,
mas ansiedade feliz pelo espetáculo nervoso da natureza. Era como um
teatro vazio, só eu e ele, armados dos dois únicos ingressos
vendidos, para ouvir a orquestra das árvores deslizando seus
violinos de vento e seus violoncelos de assombro.
Ríamos de nossa
coragem, enquanto os familiares gritavam em desespero para que a
gente entrasse logo, que parasse com aquela brincadeira estúpida.
– Você são loucos!
E meu pai respondia:
– Sim, somos! Agora
nos deixe com nossa loucura – e me abraçava carinhosamente entre
seus ombros.
Meu pai recolhia uns
blocos de gelo para colocar em seu copo de uísque e no meu de
limonada. E brindávamos os sabores da vida adulta com o da infância.
No amor, é igual: há
os que temem a chuva e os que se jogam para vê-la na sacada.
E não adianta ensinar
alguém a amar a tormenta – ela deve estar no sangue.
E não adianta fazer
quem gosta de participar das trovoadas se recolher em casa.
Os opostos não se
atraem. Os opostos disputam quem tem razão.
Não dará certo juntar
aquele que é travado para o relacionamento com aquele que é
intenso, aquele que pretende controlar os fatos e o que pretende
inventar seus próprios fatos.
Sua companhia irá
parar de repente, e você puxará pela mão jurando que um dia tomará
confiança e virá. Não virá, jamais virá.
Pode desejar carregá-la
que ela cansará do mesmo jeito. Pode querer explicar que não é
necessário ter medo, que não acreditará.
Enquanto exclamar
“venha dançar na chuva”, ela se trancará no quarto esperando
que passe.
Meu pai me explicou, lá
na minha criancice, que temos que procurar a parceria certa.
Só dois passionais não
cobram passos, estarão correndo e nenhum dos dois se sentirá
desacompanhado.
Não vão se atropelar
porque partilham a mesma velocidade da ventania, o mesmo gosto pelo
imprevisto, o mesmo susto de ser.
Os relâmpagos iluminam
os loucos.
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