segunda-feira, 9 de setembro de 2013


09 de setembro de 2013 | N° 17548
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Salman Rushdie

Joseph Anton – Memórias (Companhia das Letras), de Salman Rushdie, é um livro fascinante e desagradável. Esclarecendo: Joseph Anton é o codinome escolhido por Rushdie durante sua clandestinidade, e é quem “assina” o livro, narrado em terceira pessoa. Ninguém poderá negar sua solidariedade pelos anos em que o autor de Os Versos Satânicos esteve escondido da terrível fatwa proferida pelo Aiatolá Khomeini, que o condenou à morte por essa obra considerada blasfema em relação ao profeta Maomé.

Não foi fácil, esse período. Fugindo da bala vingadora (ou do punhal, na versão mais plausível), Rushdie precisou submeter-se a situações de extrema angústia, à mistura com episódios patéticos e risíveis, que envolvem policiais de Sua Majestade e inquilinos desconfiados. Mudou-se de casa um sem número de vezes, enganando perseguidores reais e imaginários. Nesse sentido, lê-se o livro como um razoável romance policial, do qual já sabemos como termina.

Certo: ninguém gostaria de estar na pele do escritor, que, pela decisão absurda de um radical, não tinha certeza de estar vivo na manhã seguinte. Isso que poderia ser o argumento de um libelo contra a intolerância e um louvor à liberdade criadora, extravia-se a meio caminho por força da atitude maniqueísta do seu autor. Tal como na teologia radical de quem o condenou, o livro não abre espaço para o meio-termo: ou se é integralmente a favor de Rushdie ou se está condenado ao quinto dos infernos.

As louvações e anátemas não poupam seus editores, seus amigos sensatos, seus agentes literários e a vida literária em si, que é apresentada apenas como um ninho de fofocas e uma passarela de egos inflados; sequer poupam sua segunda esposa, Marianne, a quem são reservadas páginas de puro fel, que melhor ficariam num consultório sentimental. Eis o lado desagradável da obra que, por assim dizer, a anula como documento sério para servir de alerta a todas as tentações totalitárias de limitar o artista.

A partir de certo momento, o livro torna-se repetitivo, e o ódio destilado por seu autor acaba como um prato indigesto. Contudo, é um livro recomendável. Com ele, é possível conhecer um pouco mais a nossa mutável e contraditória natureza. E isso não é pouco.


Aprende-se, também, a como não escrever memórias.

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