domingo, 22 de setembro de 2013


22 de setembro de 2013 | N° 17561
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

A MOÇA GRANDE DO RIO

Da minha mesa, podia vê-la muito bem, e vi que estava concentrada na imagem refletida no espelho. O resto do mundo, Obama, Síria, julgamento do Supremo, o resto do mundo não existia. O que existia era ela e sua imagem. Mirava-se de frente e de lado e de novo de frente e mais uma vez de lado. Examinava-se com critério. Examinei-a também. As panturrilhas dela...

Vou dizer: as panturrilhas dela eram do tamanho de melões. Braços de lutador de MMA. Quadris da circunferência de um botijão de gás. Ela era toda possante e vestia uma saia justa e uma blusa justa e se alçava aos píncaros de um sapato de uns dez centímetros de altura. Era morena clara, de cabelos nigérrimos e pele alvíssima. Seria de origem libanesa? É possível.
Essa mulher, essa quase gorda, ela se olhava com gosto. Era perceptível que aprovava o que via. Alisou a saia com as mãos, esticou a blusa, aproximou o rosto do espelho e conferiu alguma imperfeição na maquiagem dos cílios. Depois, recuou um passo e continuou a se admirar. Virou-se outra vez de perfil, analisou a silhueta e, antes de voltar para a mesa, fez algo que me surpreendeu e me encantou: sorriu. Sorrindo, ela caminhou até as pessoas que almoçavam com ela, e sorrindo sentou-se, desdobrando o guardanapo com graça.

Não era, decerto que não, o tipo de mulher que a maioria das pessoas considera bonita. Eu mesmo, confesso, não a definiria como protótipo de beleza feminina. Para os padrões atuais seria tachada de gorda. Não obesa, mas sem dúvida acima do peso. Só que ali estava uma mulher satisfeita consigo mesma. Uma mulher vaidosa. A forma como se olhou, como se empertigou diante do próprio reflexo e, sobretudo, a forma como sorriu ao se perscrutar, mostrou que ela sentia orgulho do seu corpo.

E então pensei: como sou tacanho, eu e meus limites estéticos. Que espírito catequizado, esse meu.

A raça humana é tão vasta, tão cheia de belezas inesperadas, e a minha mente é tão restrita, tão arrabaldina. Olhei de novo para a moça sentada ali adiante, rindo com os amigos.

Ela sorria com a confiança da mulher bonita e, mesmo que continuasse não a achando bonita, compreendi que a beleza, na verdade, não está na pessoa que olha, mas na pessoa que sabe ser bela.





O QUE LER: DISCURSOS QUE MUDARAM A HISTÓRIA
Quando as pessoas caminham pelas ruas, as ruas se abrem para as pessoas. Pessoas nas ruas tornam as ruas mais seguras. E mais agradáveis. O Rio é uma cidade da rua. O Rio se faz a pé. No Rio, os bares têm mesas na rua. No Rio, há cinemas de rua, o que não há mais em Porto Alegre. E há livrarias de rua, que estão em extinção em Porto Alegre.

Gosto muito de uma livraria incrustada na Rua Bolívar, em Copacabana. Lá encontrei um livrinho interessante, lançado pela editora Prumo: Discursos que Mudaram a História. Veio a calhar porque, outro dia, escrevi sobre um discurso de Churchill na II Guerra. Esse discurso estava lá, bem como outros tantos, O Pronunciamento de Gettysburg, de Lincoln; O Primeiro Soldado Alemão, de Hitler; Eu Tenho um Sonho, de Martin Luther King; e também uma das maiores peças de filosofia da História, o Sermão da Montanha, de Jesus.

Foi no Sermão da Montanha que identifiquei a maior falha do livro: sua brevidade. Duzentas e poucas páginas é pouco para tantos e tão relevantes discursos. O autor, Ferdie Addis, teve de sumariá-los. O resultado foi a superficialidade. No caso do Sermão da Montanha, Addis optou pelo viés religioso, em vez de ficar com a lição existencial dada por Jesus. Como diria o próprio Jesus, ficou com o joio e jogou fora o trigo.

Mesmo assim, indico o livro como referência. Você vai lá, conhece a rápida história de um discurso importante e, depois, procura um bom livro a respeito para se aprofundar no assunto.

A GRANDE LIÇÃO

O trecho fundamental do Sermão da Montanha não destacado no livro, e que é um dos maiores ensinamentos de Jesus, é este:

Não andeis preocupados com a vossa vida, pelo que haveis de comer; nem com o vosso corpo, com o que haveis de vestir. A vida vale mais do que o sustento e o corpo vale mais do que as vestes. Olhai os pássaros do céu. Eles não semeiam nem ceifam, nem têm despensa nem celeiro. Entretanto, Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles? Mas qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração da sua vida? Se vós, pois, não podeis fazer nem as mínimas coisas, por que estais preocupados com as grandes?


Olhai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem. Contudo, nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais vós, homens de pouca fé! Não vos inquieteis com o que haveis de comer e beber; e não andeis com vãs preocupações, porque os homens do mundo é que se preocupam com todas as coisas, mas vosso Pai sabe do que precisais.

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