22 de setembro de 2013 | N°
17561
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
A MOÇA GRANDE DO RIO
Da minha mesa, podia vê-la muito bem,
e vi que estava concentrada na imagem refletida no espelho. O resto
do mundo, Obama, Síria, julgamento do Supremo, o resto do mundo não
existia. O que existia era ela e sua imagem. Mirava-se de frente e de
lado e de novo de frente e mais uma vez de lado. Examinava-se com
critério. Examinei-a também. As panturrilhas dela...
Vou dizer: as panturrilhas dela eram do
tamanho de melões. Braços de lutador de MMA. Quadris da
circunferência de um botijão de gás. Ela era toda possante e
vestia uma saia justa e uma blusa justa e se alçava aos píncaros de
um sapato de uns dez centímetros de altura. Era morena clara, de
cabelos nigérrimos e pele alvíssima. Seria de origem libanesa? É
possível.
Essa mulher, essa quase gorda, ela se
olhava com gosto. Era perceptível que aprovava o que via. Alisou a
saia com as mãos, esticou a blusa, aproximou o rosto do espelho e
conferiu alguma imperfeição na maquiagem dos cílios. Depois,
recuou um passo e continuou a se admirar. Virou-se outra vez de
perfil, analisou a silhueta e, antes de voltar para a mesa, fez algo
que me surpreendeu e me encantou: sorriu. Sorrindo, ela caminhou até
as pessoas que almoçavam com ela, e sorrindo sentou-se, desdobrando
o guardanapo com graça.
Não era, decerto que não, o tipo de
mulher que a maioria das pessoas considera bonita. Eu mesmo,
confesso, não a definiria como protótipo de beleza feminina. Para
os padrões atuais seria tachada de gorda. Não obesa, mas sem dúvida
acima do peso. Só que ali estava uma mulher satisfeita consigo
mesma. Uma mulher vaidosa. A forma como se olhou, como se empertigou
diante do próprio reflexo e, sobretudo, a forma como sorriu ao se
perscrutar, mostrou que ela sentia orgulho do seu corpo.
E então pensei: como sou tacanho, eu e
meus limites estéticos. Que espírito catequizado, esse meu.
A raça humana é tão vasta, tão
cheia de belezas inesperadas, e a minha mente é tão restrita, tão
arrabaldina. Olhei de novo para a moça sentada ali adiante, rindo
com os amigos.
Ela sorria com a confiança da mulher
bonita e, mesmo que continuasse não a achando bonita, compreendi que
a beleza, na verdade, não está na pessoa que olha, mas na pessoa
que sabe ser bela.
O QUE LER: DISCURSOS QUE MUDARAM A
HISTÓRIA
Quando as pessoas caminham pelas ruas,
as ruas se abrem para as pessoas. Pessoas nas ruas tornam as ruas
mais seguras. E mais agradáveis. O Rio é uma cidade da rua. O Rio
se faz a pé. No Rio, os bares têm mesas na rua. No Rio, há cinemas
de rua, o que não há mais em Porto Alegre. E há livrarias de rua,
que estão em extinção em Porto Alegre.
Gosto muito de uma livraria incrustada
na Rua Bolívar, em Copacabana. Lá encontrei um livrinho
interessante, lançado pela editora Prumo: Discursos que Mudaram a
História. Veio a calhar porque, outro dia, escrevi sobre um discurso
de Churchill na II Guerra. Esse discurso estava lá, bem como outros
tantos, O Pronunciamento de Gettysburg, de Lincoln; O Primeiro
Soldado Alemão, de Hitler; Eu Tenho um Sonho, de Martin Luther King;
e também uma das maiores peças de filosofia da História, o Sermão
da Montanha, de Jesus.
Foi no Sermão da Montanha que
identifiquei a maior falha do livro: sua brevidade. Duzentas e poucas
páginas é pouco para tantos e tão relevantes discursos. O autor,
Ferdie Addis, teve de sumariá-los. O resultado foi a
superficialidade. No caso do Sermão da Montanha, Addis optou pelo
viés religioso, em vez de ficar com a lição existencial dada por
Jesus. Como diria o próprio Jesus, ficou com o joio e jogou fora o
trigo.
Mesmo assim, indico o livro como
referência. Você vai lá, conhece a rápida história de um
discurso importante e, depois, procura um bom livro a respeito para
se aprofundar no assunto.
A GRANDE LIÇÃO
O trecho fundamental do Sermão da
Montanha não destacado no livro, e que é um dos maiores
ensinamentos de Jesus, é este:
Não andeis preocupados com a vossa
vida, pelo que haveis de comer; nem com o vosso corpo, com o que
haveis de vestir. A vida vale mais do que o sustento e o corpo vale
mais do que as vestes. Olhai os pássaros do céu. Eles não semeiam
nem ceifam, nem têm despensa nem celeiro. Entretanto, Deus os
sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles? Mas qual de vós, por
mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração da
sua vida? Se vós, pois, não podeis fazer nem as mínimas coisas,
por que estais preocupados com as grandes?
Olhai os lírios do campo. Eles não
fiam nem tecem. Contudo, nem Salomão, em toda a sua glória, se
vestiu como um deles. Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje
está no campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais vós, homens
de pouca fé! Não vos inquieteis com o que haveis de comer e beber;
e não andeis com vãs preocupações, porque os homens do mundo é
que se preocupam com todas as coisas, mas vosso Pai sabe do que
precisais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário