22 de setembro de 2013 | N°
17561
PAULO SANT’ANA
Gozo no inferno
Quando eu tinha 30 anos, não pensava
em morte, ela praticamente não existia para mim.
Passei pelos 40 anos, ingressei nos 50,
e nada de pensar em morte.
Mas, quando chegaram os meus 70 anos e,
no meio deles, a tontura incapacitante que sinto há quatro anos,
então defrontei-me com a ideia da morte.
E, quando penso na morte, me ocorre
certamente a ideia da vida eterna. E se existe a vida eterna? Serei
mandado para o purgatório? Para o céu? Para o inferno?
Seja qual for de um desses três
lugares, só desejo que lá eu possa me encontrar com meus amigos
aqui da Terra.
Mesmo que eu seja mandado para o
inferno, peço que lá me sejam dados pelo menos 15 minutos por dia
de folga das chamas para um encontro de camaradagem com meus amigos
aqui da Terra.
Não desejo tanto me encontrar com as
mulheres que amei quanto desejo me encontrar com meus amigos.
Ah, se eu puder bater um papo diário
com meus amigos na vida eterna!
Ah, se a gente puder recordar de tudo o
que fizemos juntos aqui!
Esse papo será ainda mais atraente
porque estaremos em outra galáxia, recriminando-nos por não termos
feito certas coisas aqui na Terra, com medo, coisas que faríamos se
tivéssemos sabido aqui na Terra que não se constituíam em pecado.
No inferno, no purgatório e mais ainda
no céu, tenho certeza de que nesses três lugares existe um espaço,
uma pausa em que se poderá saborear, pela tardinha, uma caipirinha.
Ah, isso é indispensável, uma caipirinha ao fim da tarde no
purgatório. Lógico que rodeado de amigos.
Outra coisa que no céu, no inferno e
no purgatório tem de haver é a rivalidade Gre-Nal. A vida eterna
sem Gre-Nal não terá nenhuma graça.
Outra coisa que quero encomendar a
Deus, desde já, para depois que eu morrer, é merengue.
Eu exijo que haja merengue para
saborear no céu, no inferno ou no purgatório.
E, se houver infância nesses três
lugares, também quero pedir que haja jogo de bolitas de vidro e jogo
de bilboquê.
Imagino-me no inferno convidando, numa
pausa à tarde, o Diabo para que venha jogar bilboquê comigo.
Se eu pudesse, pediria que fosse
mandado para o inferno só para topar lá novamente com os canalhas
que me fizeram cafajestagens aqui na Terra. Revendo-os assim, no
inferno, eu teria o máximo gozo de vê-los fritando eternamente nas
chamas, mesmo que eu fosse alvo da mesma tortura.
Mas poder ver os canalhas, os patifes
que me sacanearam aqui na Terra, a sofrer com as chamas a
queimar-lhes as peles, isso seria o supremo gozo!
Pensando bem, o inferno há de ter lá
seus atrativos.
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