08 de setembro
de 2013 | N° 17547
MARTHA MEDEIROS
Trocas íntimas entre
estranhos
Alguns poucos leitores
às vezes me confundem com conselheira sentimental e me revelam seus
conflitos internos, acreditando que eu possa apontar um caminho para
que eles vivam melhor. Logo eu!
Escrevo sobre assuntos
que me interessam e, se servirem para alguém, é uma honra, mas não
me sinto à vontade e nem tenho preparo para entrar na intimidade de
cada leitor em particular já me atrapalho o suficiente comigo mesma.
Mas já que todos
gostam de conselhos, eu inclusive, uma dica posso dar: leia o livro
Pequenas Delicadezas, de Cheryl Strayed.
Já falei dessa autora
antes. Foi ela que percorreu sozinha uma trilha nos Estados Unidos e
narrou a experiência no aclamado Livre, que frequentou a lista dos
best-sellers. Eu nem imaginava que ela escrevia uma coluna de
aconselhamentos. Pois me tornei fã declarada dessa mulher.
Pequenas Delicadezas é
uma seleção de perguntas e respostas publicadas no site The Rumpus,
mas de forma alguma é literatura de bisbilhotice, aquela coisa de
olhar pelo buraco da fechadura dos dramas alheios, o que tantas vezes
revela-se piegas.
Cada carta gera um
ensaio em que Cheryl conta experiências próprias para ilustrar seu
pensamento sobre as questões levantadas. Esbanjando sensatez (coisa
que não anda sobrando por aí), ela equaliza causas e efeitos com
docilidade, mas sem abusar do bom mocismo e sem encontrar solução
para tudo.
Ao contrário, ela
reconhece que a vida é bem sacana às vezes. Nossos pais nem sempre
foram uns anjos, nossa infância “feliz” pode ter sido uma farsa
e a maneira como estamos narrando nossa história para nós mesmos
pode estar cheia de ficções que já não conseguimos sustentar. Dá
para mudar o passado? Não dá. A única coisa que dá para mudar é
a maneira como enxergamos tudo o que nos aconteceu (e ainda acontece)
e ver o que é possível perdoar, esquecer ou redimensionar.
É comum considerar o
escritor como uma espécie de guru – parece que ele é imune a
problemas. Cheryl se atreve no papel e se dá como exemplo justamente
porque sua vida não foi um passeio de carrossel.
Porém, ela encontrou
suas ferramentas de superação – a própria coluna deve ser uma
delas. Sem constrangimento e com absoluta empatia, envolve-se com a
dor de quem lhe escreve, mesmo suspeitando que todos sabem direitinho
o que devem fazer de suas vidas, só estão aguardando que alguém,
mesmo um desconhecido, lhes dê uma espécie de licença. “Se é
por falta de licença, sinta-se autorizado”, é o que ela parece
dizer.
Pequenas Delicadezas
não explora as churumelas do amor nem pretende ser um oráculo.
Apenas confirma que viver não é fácil, mas é o que temos pra
hoje.
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