04 de setembro de 2013 | N°
17543
LUCIANO ALABARSE
Haja arruda
Lendo A Morte do Pai, tocante e
surpreendente autobiografia do escritor Karl Ove Knausgard, esbarrei
em uma frase antológica em que o norueguês diz que “escrever é
retirar da sombra a essência do que sabemos”. Tentei encontrar
alguma definição igualmente epifânica sobre a arte teatral, ofício
que me mobiliza há quase quatro décadas. Sem a maestria do mestre
original, rabisquei parágrafos “saramagoianos” longuíssimos,
rebuscados e barrocos, sem objetividade ou clareza. Do nada, lembrei
de Ferreira Gullar e sua afirmação de que “por ser a vida
insuficiente, o homem inventou a arte”.
Como não consegui inventar minha frase
original e definitiva, joguei a toalha. O teatro, milhares de teorias
e dezenas de espetáculos depois, ainda é um mistério que me escapa
e talvez por isso exerça tal fascínio sobre mim. Pergunta
permanentemente sem resposta, o teatro é o grande desafio da minha
vida e constato que ainda o respiro 24 horas por dia, com o mesmo
entusiasmo do início, de quando preenchi mal o formulário do
vestibular e passei no curso errado, constatação apropriada ao ano
em que o Porto Alegre Em Cena comemora sua 20ª edição.
Lembro sempre de uma conversa com
Cláudia Laitano, quando ela disse uma coisa que nunca esqueci, que
“o festival tinha crescido mais que a cidade”.
A frase da Cláudia, delicada como ela,
me surpreendeu porque, com as devidas exceções e as ressalvas de
sempre, gaúcho não perdoa o sucesso dos gaúchos que dão certo. O
cara que se sobressai, qualquer que seja sua área de atuação, deve
estar preparado para pedradas de tamanhos e intensidades diferentes.
Elis Regina está aí e não me deixa mentir. O Rio Grande parece
viver das glórias do seu passado de glórias e da mediocridade
assustadora de seu presente endividado.
Minha tese é de que há aqui, vívido,
um indisfarçável ressentimento que prefere o Estado estagnado a
reconhecer méritos nos adversários. Muitos se apresentam como
liberais de esquerda, mesmo quando conservadores e reacionários. E
nada me parece mais reacionário do que um discurso conservador
disfarçado. Dia desses, durante um compromisso público, atendi o
chamado de um parente necessitado de internação hospitalar e
prontamente acompanhei-o ao hospital. Entre o dever legal e o
chamamento do sangue escolhi, como Antígona, o laço sagrado do
parentesco.
Xerifes ideológicos da conduta alheia,
sem noção, registraram minha saída com fúria xiita. Com o
festival é a mesma coisa. Sempre tem alguém pra apontar falhas,
insinuar improbidades, puxar pra baixo. Mas a história do Em Cena
fala por si, exemplar. Haja arruda, sal grosso e paciência com esse
velho Rio Grande marrento de sempre!
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