03
de setembro de 2013 | N° 17542
FABRÍCIO
CARPINEJAR
As velas de meus
dias
Enquanto
acendo as luzes da casa, ela as apaga.
Uma
por uma. Como se fosse uma sombra me economizando, me escoltando. Se amo as
mulheres, se nunca desisto de amar as mulheres, se admiro as mulheres, é também
por ela: Cléo, minha empregada.
Ela
é meu anjo moreno de cabelos crespos, minha mãe, minha irmã, minha confidente.
Já me levou no colo quando estava exausto para repor os caminhos. Já velou meu
sono na sala quando não me restava ânimo para acordar.
Recolheu
minhas roupas no porre. Recolheu minha estima em separações e me colou com
bonder na manhã seguinte.
Nunca
estou sozinho, porque minha solidão tem as janelas abertas pela Cleunice. Nunca
sou longe, ela vem de catamarã com a simplicidade de quem caminhou apenas duas
quadras.
Já a
vi chorar no meu lugar, já vi me defendendo da indiferença, já vi brigar com
raiva em nome de minha paz.
Ela
é um romance inédito. Foi separada, viúva e agora vive casada. Quando fala,
meus ouvidos deitam. Sua memória é meu melhor conselho.
Sofreu
bem mais do que eu, e me cuida como se meu sofrimento fosse único. Não
subestima as pálpebras pesadas.
Ela
ri no momento errado para torná-lo certo. Quer me explicar, com suas echarpes
coloridas e suas botas de cano longo, com seu batom escuro e seus brincos de
argola, que a alegria nos devolve a humildade. Todo triste é arrogante, por sua
vez o temperamento alegre se dedica a carregar as pedras dos pensamentos sem
reclamar.
Quando
enfrentei dificuldades, Cléo me trazia uma camiseta do Centro Espírita para
vestir na hora de dormir. Durante um mês, benzia o pano e me alcançava. Fora do
horário de serviço, em sua folga.
Há
pessoas que nos amam neste e em outros mundos. A fé ainda pode ser muito
visível para o olfato: ela é minha santa, minha protetora, minha benzedeira.
Não
tem ensino universitário, mas ninguém lê meus textos com tamanha devoção. Ela
reza meus textos. Copia frases de crônicas que ainda não foram publicadas em
seu Facebook – a impressão é de que me tornei seu plágio.
Ela
tem 1m53cm, mas é imensa. Quando a observo, meus olhos vão para o alto: sua
estatura é do tamanho da voz. Ela canta quando cozinha. Já comi várias de suas
canções. Ela acolhe meus filhos como se descobrisse minha segunda e terceira
infância.
Sempre
ela, sempre presente: Cléo completa 50 anos, e os dois anos que dividimos são
séculos de amizade, séculos de admiração, séculos de afinidade. Enquanto a casa
vai no escuro, acende uma por uma das velas. Por mim. Por mim. Por mim. Por
mim.
Sou
feito de sua chama. E de sua concha das mãos me guardando para quem me mereça.
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