segunda-feira, 2 de setembro de 2013


02 de setembro de 2013 | N° 17541
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Apequenando o Itamaraty

Semana passada, pouco mais, ocorreu fato que, salvo erro, não tinha precedente. Senador boliviano, alegando fatos graves, solicitou ao Brasil asilo político, que lhe foi concedido na embaixada em La Paz, aliás, segundo antiga tradição nos países da América do Sul.

Passado algum tempo, o encarregado de negócios da embaixada brasileira, que vacante, ter-se-ia dirigido reiteradas vezes ao Itamaraty, no sentido de dar ao asilado o devido salvo-conduto, tanto mais que as condições de seu aposento eram manifestadamente deficientes, sem que houvesse consequências. Em data recente, o mesmo diplomata, alegando até razões de humanidade, promoveu o translado do asilado para o Brasil e no Brasil ele se encontra, ainda sem o devido e necessário salvo-conduto boliviano. Conhecido o fato, verificou-se uma espécie de terremoto burocrático que deu por terra o ministro das Relações Exteriores.

Até agora, os fatos só parcialmente são conhecidos, motivo pelo qual não se pode ter visão completa do caso, no entanto, ressalta ao primeiro exame que pouca gente sai ilesa da maçaroca diplomática. Parece mesmo que a notória simpatia do governo brasileiro pelos governos bolivarianos, dos Chávez e dos Evos, explica seu estranho procedimento; tendo concedido o asilo, deixou que 455 dias se passassem sem que nada fosse feito para que o caso tivesse o desfecho regular; com efeito o asilado permaneceu praticamente preso, em um cubículo, impróprio para abrigar um asilado, quando bastava a cobrança do salvo-conduto devido pela Bolívia.

Nunca fui asilado e espero não vir a experimentar essa situação, mas sempre entendi que quem recebe alguém como asilado deve dar-lhe tratamento decoroso e, saliente-se, não me lembro de alguém que sendo exilado no Brasil se haja queixado do trato aqui recebido.

Nesse longo período, 455 dias, é penoso reconhecer que o Itamaraty foi omisso e complacente, e segundo o Padre Vieira “a omissão é um pecado que se faz não fazendo”. O fato de o asilado aguardar durante esse longo tempo o necessário salvo-conduto concede certeza ao fato.

De resto, ainda que sem uma palavra, outro fato veio a ocorrer em ritmo de urgência, a súbita mudança de endereço do ministro das Relações Exteriores da Esplanada dos Ministérios para Nova York, sede da ONU, e concomitantemente, em sentido inverso, o mesmo caminho foi feito pelo chefe da Representação do Brasil na ONU, de Nova York para a Esplanada dos Ministérios a fim de ocupar a chefia da casa de Rio Branco, recém desocupada.

Muda o ministro oficial, mas ninguém ignora existir uma espécie de esquizofrenia administrativa envolvendo a pasta do Exterior, “um ministro inominado”, dito assessor da Presidência, exerce poder incontrastável em assuntos externos do Brasil, apequenando o Itamaraty, como se o ministro de Estado não fosse o conselheiro constitucional da Presidência.

Até onde sei, é o que posso relatar com a objetividade possível do sucesso que absorveu atenções durante uma semana, a que não faltaram capitulação e omissões e indignações.

Quem manifestou publicamente seu desagrado ou indignação foi a senhora presidente da República, fato que seria preferível não tivesse aparecido. Exacerbar-se em público não é próprio de chefe de Estado. O natural é que nenhuma palavra fosse dita pela presidente, que poderia exigir a verificação do fato e determinar à autoridade competente procedesse na forma da lei. E na forma da lei o caso fosse resolvido.

Enfim, o episódio não foi bom para ninguém. É o preço a ser pago pela atual política adotada em relação a países da América do Sul e outros rincões.


*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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