segunda-feira, 2 de setembro de 2013


02 de setembro de 2013 | N° 17541
KLEDIR RAMIL

Os mestres

Dizem que a poesia é a forma mais elevada de literatura, e a crônica, a mais primária. Por isso, de maneira prudente, meus primeiros passos na arte da palavra escrita têm sido por meio da crônica. Quando escuto alguém dizer que as letras de minhas músicas são verdadeiros poemas, não me iludo. É um exagero, coisa de fã.

A leitura dos grandes mestres sempre foi, para mim, uma fonte de inspiração e acaba influenciando o que escrevo. Alguns poetas me arrebatam mais do que outros: Manuel Bandeira, Pablo Neruda e, especialmente, Mario Quintana. Há pouco tempo, me dei conta de que “Vou ficar até o fim do dia, decorando tua geografia” nada mais é do que uma tentativa de imitar os versos de Quintana que li na adolescência: “Olho o mapa da cidade como quem analisa a anatomia de um corpo”.

Em geral, o processo criativo acontece de forma inconsciente, sem origem clara, mas, às vezes, é possível identificar vestígios da nascente, do olho-d’água. Outras vezes, de maneira curiosa, as ideias estão no ar e surgem coincidências em mais de um lugar ao mesmo tempo.

Em 2008, publiquei aqui na Zero Hora um texto sobre o uso de celular em avião e recebi uma mensagem do Moacyr Scliar: “Meu caro Kledir: bota transmissão de pensamento nisso – eu tinha escrito uma crônica exatamente sobre o tema dos celulares a bordo dos aviões (até a cabine mencionei). Claro que escrevi outra... Será uma homenagem a teu espírito de vanguarda! Abrs. Moacyr”.

Minha resposta: “Querido mestre. Certa vez, questionaram Silas de Oliveira sobre uma canção que ele apresentava como sendo de sua autoria. Silas respondeu: ‘Música é que nem passarinho, tá solta no ar, é de quem pegar primeiro’. Estar em sintonia com teus pensamentos tem para mim um valor inestimável, é sinal de que estou no caminho certo. Um abraço com carinho. Kledir”.


A vida me deu o privilégio de conviver um pouco com Moacyr Scliar e, em cada oportunidade, sempre aprendi alguma coisa importante. Sinto saudade das nossas conversas. Já com Mario Quintana, tive apenas um encontro fugaz nos anos 1970. Ele estava num café, me aproximei e pedi a Elena, sua sobrinha, para ser apresentado. Quintana olhou pra mim sorrindo e perguntou: “Por que tu queres me conhecer?”. Fiquei mudo, desconcertado. Eu não sabia o que responder. Segurei sua mão suave e, então, percebi que eu só queria aquilo mesmo, tocar no poeta. E, acredite se quiser, ele era de verdade.

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