03
de junho de 2013 | N° 17452
L.
F. VERISSIMO
Touradas
A
alma ibérica se divide em duas, uma mais caliente e a outra menos. Portugal é
uma Espanha ponderada. A divisão está evidente na tourada, essa metáfora para
todas as dicotomias humanas. Na Espanha matam o touro, em Portugal apenas o
irritam. Ainda não se chegou a um acordo sobre o que, exatamente, toureiro e
touro simbolizam. A metáfora não é clara. Razão x instinto? Cultura x natureza?
Civilização
x força bruta? Ou – como li em algum lugar – tudo não passa de um ritual de
sedução, com o Homem subjugando a Mulher, a Besta Primeva e todos os seus
terrores, numa espécie de tango sangrento em que não falta uma penetração no
fim? Ou o toureiro gracioso é a mulher estilizada e o touro resfolgante uma
paródia de homem? Enfim, seja o que for que se decide numa arena de touros, os
espanhóis terminam o ritual, os portugueses deixam pra lá.
Na
Argentina, os líderes militares da época da repressão foram processados e as
atrocidades cometidas pela ditadura punidas, ou pelo menos amplamente
discutidas. No Chile, aos poucos a história ainda mal contada do governo
Pinochet se incorpora à história oficial do país – para ser reconhecida e
expiada, para que reconciliação não signifique absolvição e para que nunca mais
se repita.
No
Brasil, a repressão foi menos assassina do que na Argentina e no Chile – se é
que se pode falar em graduações de barbaridade – e ninguém ainda teve que dar
muitas explicações. No caso, a simpática irresolução portuguesa desserve a
História. Pois, se o touro continua vivo, o que há para expiar? Aqui, até
agora, venceu o deixa-pra-lá-ismo.
Já
que temos que ser ibéricos, o que é melhor, ser português ou espanhol? Os
espanhóis parecem viver mais perto do coração selvagem da vida. Os portugueses
preferem menos drama e menos sangue. Voltando ao touro: uma tourada espanhola
sempre acaba com o animal morto, com uma resolução. Uma tourada portuguesa pode
ser um espetáculo emocionante, mas o touro sobrevive e nada se resolve. E ainda
se discute se convém irritar o touro.
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