05
de março de 2015 | N° 18092
L.
F. VERISSIMO
Rompimento
Dá
para entender o que leva jovens a fugir de uma rotina familiar ou das suas
próprias frustrações e perseguir um sonho, uma aventura ou um ideal – sempre
longe de casa. O protótipo desse impulso reincidente, e um chavão literário, é
o circo, que passa pela cidade pequena e arrasta atrás de si corações juvenis
fascinados por uma trapezista ou pelo romance da vida na estrada, deixando mães
desesperadas.
A
fuga pode ser apenas de uma vida careta para uma vida alternativa sem
necessariamente sair de casa, desde que a família aceite que você passe a usar
um penteado porco-espinho e uma fechadura no umbigo, ou pode ser um rompimento
radical com tudo, a começar pela família.
A
fuga por um ideal teve seu momento mais lembrado durante a Guerra Civil
Espanhola, quando muitos jovens do mundo inteiro foram lutar ao lado das forças
legalistas contra os fascistas do Franco. A causa era indiscutivelmente justa e
abraçar uma luta alheia, na Espanha, foi um exemplo de engajamento (segundo
alguns, o último em estado puro da História) que proporcionava aos jovens
voluntários, ao mesmo tempo, um gosto de altruísmo político e um gosto de
aventura.
Exagerando
só um pouco, hoje quem busca o mesmo sentimento dos que arriscaram a vida
resistindo ao Franco vai correr dos touros em Pamplona. A causa é nenhuma, mas
o risco de vida, ou pelo menos de uma corneada, é real.
Pensei
nisso lendo que hoje muitos jovens, também de várias partes do mundo, tentam
chegar à zona de conflito para se alistar no Estado Islâmico. Como os que foram
lutar na Espanha, vão em busca da aventura, vão por convencimento, vão por
admiração, vão talvez apenas porque não exista outra forma de rompimento
radical com tudo tão radical quanto este disponível. Mas imagino que nenhum
deles deixou de ver, na TV, a cena do prisioneiro do EI sendo incendiado dentro
de uma jaula. E é impossível imaginar que algum deles tenha dito, ou pensado:
“Isso é pra mim”, e ficado ainda mais decidido a aderir aos autores da cena
terrível.
Eu
sei, a situação naquela região é complicada demais para ser reduzida a uma
questão de nós contra os monstros. O que preocupa mesmo, vendo um homem sendo
queimado vivo dentro de uma jaula pelo EI, é que isto não afete seus jovens
simpatizantes. Talvez, depois de tantas barbaridades vistas, o conceito de
monstruoso tenha mudado. Talvez se horrorizar tenha se tornado uma reação
careta.
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