quinta-feira, 30 de novembro de 2017


30 DE NOVEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

Gays. Negros. Lula. Pedofilia. Campeão


Homossexuais. Lula. Moro. Loiras. Bolsonaro. Negros. Mulatos. Anões. Mulherzinha. Temer. Lésbica. Lava-Jato. Foi golpe. Não foi golpe. Dilma. Work alcoolic. Bolsomito. Bolsominions. Pedofilia. MBL. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Dinheiro na cueca. Provolone na cueca. Biscoito na cueca. Cueca. Calcinha. Sem calcinha. Sexo. Mala. Dinheiro na mala. Mala de dinheiro. Malas. Cunha. PT. Comunistas. Liberais. Bonner. Fátima. Trump. Privatizações. Greves. MST. Maduro. Cuba. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo.

Achei que, fazendo uma reunião de temas palpitantes, conseguiria a sua leitura, mesmo sem escrever sobre o jogo do Grêmio contra o Lanús. É que não posso escrever sobre o jogo do Grêmio contra o Lanús, não agora - agora são 9h45min da manhã na costa leste dos Estados Unidos. Com o fuso horário, diferença de três horas para menos, faltam nove para a partida, e tenho que entregar o texto até a tarde.

A questão é que, hoje, as pessoas só vão ler sobre a finalíssima. Quem vai se importar com a reforma da Previdência, com as leis trabalhistas ou com a eleição de 2018 se houve uma decisão de Libertadores na véspera?

É o que digo sobre decisões. Aquele campeonato mixuruca, vencido por um time mixuruca, o Campeonato Brasileiro, não tem decisão. Campeonato sem decisão é o dia a dia, é a lua tomando o lugar do sol a cada entardecer, é acordar para ir ao trabalho todas as manhãs, é deitar-se para dormir todas as noites, são as terças que sucedem as segundas e as quintas que sucedem as quartas, é a rotina, é a aposentadoria, é passar o domingo de pijama, é a vida comezinha de tantos seres humanos comuns que já passaram pelo planeta Terra. Cientistas calculam em 100 bilhões o número de pessoas que já viveram, contando as 7 bilhões que ainda respiram debaixo do sol. Quantas dessas deixaram sua marca no mundo?

Pense em Júlio César, Napoleão, Maomé, Jesus, Freud, Cleópatra, Leonardo da Vinci, Michelângelo, Beethoven, Mozart, Pelé, Ellen Roche, gente que fez diferença, pessoas que serão lembradas pela eternidade. Eles são a decisão, eles são a finalíssima.

Agora pense naquela senhora sua vizinha, que mora no 302 e de quem você não lembra o nome. Ela e outros bilhões de Homo sapiens são os pontos corridos.

É assim a vida.

Infelizmente, esse é o raciocínio de muitos desmiolados que cometem atrocidades. Eles querem ser lembrados, nem que seja por sua extrema maldade. É a lógica daquela pessoa estranha que mora no Canadá, se diz socialite e vai às redes sociais para produzir abjetas manifestações racistas e insultar crianças. Há muitos tipos assim, capazes de fazer as maiores estultices para que os outros falem deles. Para dar sentido às suas vidas. Mas assim, não. Assim é melhor nem ter existido. É melhor ser pontos corridos.

Este é o pensamento correto, é desta forma que tem de ser. Fazer polêmica é fácil. Para chamar atenção, basta falar alto. Mas, para valer a pena abrir a boca, você tem que ter algo realmente interessante a falar. Caso contrário, melhor ficar quieto. O silêncio nem sempre é falta do que dizer. É a dignidade de quem prefere calar.

DAVID COIMBRA

30 DE NOVEMBRO DE 2017
GRÊMIO

A caminhada até a glória na Argentina


Cada torcedor guarda sua memória particular da campanha da Libertadores, iniciada em março, na Venezuela, com um Grêmio que não tinha Edilson e Geromel, lesionados, ainda contava com Bolaños e Pedro Rocha e no qual Lucas Barrios recém começava a entrar. Se a fase de grupos foi superada sem sustos, com Renato, focado na semifinal do Gauchão, se permitindo usar time misto em um jogo no Paraguai, sobrou tensão nos confrontos de mata-mata da competição. Recorde momentos e personagens decisivos na caminhada tricolor rumo ao tri.

O feriado de 20 de setembro se aproximava do final com drama para 50.517 torcedores do Grêmio na Arena. O Botafogo, que chegaria às semifinais com vitória ou empate com gols, havia atuado melhor no primeiro tempo. A solução surgiu de uma forma pouco comum para uma equipe habituada a fazer gols em jogadas trabalhadas. Veio aos 17 minutos do segundo tempo, originada de uma falta cobrada por Edilson. Lucas Barrios, de cabeça, transformou a aflição em festa.

Quando alguém exibir as imagens marcantes do Tri, não será permitido mostrar só os gols. Uma defesa feita por Grohe na vitória por 3 a 0 contra o Barcelona-EQU teve o dom de entrar direto na história. Ao antever o arremate do argentino Ariel, o goleiro preparou-se para esticar o braço e impedir que a bola entrasse. A imagem reabriu a discussão sobre a maior defesa de todos os tempos, antes atribuída a Gordon Banks em cabeçada de Pelé na Copa de 1970.

Poderia ser o River Plate, um clube de maior tradição e camisa. Coube ao surpreendente Lanús cruzar o caminho do Grêmio nas finais. E com direito a decidir em casa, pela melhor campanha geral. A suada vitória por 1 a 0, no jogo de ida, com gol de Cícero, pôs o Grêmio em vantagem para o inesquecível 29 de novembro, em La Fortaleza. A história desta noite foi construída com gols de Fernandinho e Luan e uma lição de futebol na Argentina: 2 a 1 e o Tri da América.


30 DE NOVEMBRO DE 2017
O PRAZER DAS PALAVRAS

Lava-a-jato

ALÔ, PF E IMPRENSA: não se trata de lavar um avião, mas de lavar na velocidade de um avião


Na coluna anterior, mencionei en passant a operação Lava-a-Jato - escrita assim mesmo, com tudo aquilo a que tem direito - o hifenzinho e a preposição A. Sempre atenta, a nossa Maria Rita Horn, anjo da guarda da redação, achou prudente me avisar que a imprensa, embora divirja aqui e ali quanto ao emprego do hífen, vem adotando unanimemente a forma sem a preposição. Como é um texto que leva a minha assinatura, deixamos assim como estava, mas prometi explicar os motivos da minha opção por uma grafia que comete a imprudência de contrariar os hábitos de nossa mídia.

Aliás, começo com uma ressalva: não tenho pretensões a ditar moda para a imprensa. Muitas vezes as escolhas linguísticas que os jornalistas fazem serão diferentes das minhas, e vice-versa até porque, para eles, a linguagem é um instrumento, enquanto, para mim, ela é o próprio assunto. Como em lava-a-jato o "A" átono da preposição desaparece obrigatoriamente na pronúncia (um pequeno exercício de imaginação: se o verbo estivesse, por exemplo, na primeira pessoa, a preposição seria perfeitamente audível: lavo a jato), o vocábulo foi "reformado" na escrita para uma forma mais simples: lava-jato (falarei sobre o hífen daqui a pouco). 

Pronto! Essa lipoaspiração deixou tudo mais prático, mais leve, mais rápido; até concordo com isso, mas não posso deixar de apontar, caros leitores, que foi uma alteração bizarra, que desconsidera alguns princípios importantes da morfologia de nosso idioma.

O nome, segundo a própria Polícia Federal, surgiu da união do objetivo principal da operação (investigar a lavagem de dinheiro e desvio de verbas públicas) com o primeiro alvo investigado, uma casa de câmbio suspeita que pertencia ao proprietário do Posto da Torre. Lavagem de dinheiro, lavagem de carros - lava-a-jato (friso que esse oportuníssimo batismo nada teve a ver com Breaking Bad, a série de TV cujo protagonista abre uma lavagem de carros para justificar o dinheiro movimentado com a droga; a operação começou em 2004, a série é de 2008).

Se desconstruirmos (ô, verbozinho mequetrefe!) uma série de vocábulos como lava louça, lava carros, lava roupa, lava pratos, lava pés, vamos encontrar uma das estruturas mais frequentes na formação de nossos compostos: um verbo acompanhado de seu objeto direto (como em guarda roupa, tira teima, porta bandeira, etc.). Neste caso, o verbo lavar é seguido pelo nome daquilo que vai ser lavado. Já em lava a frio, lava a quente, lava a seco, lava a mão, o verbo é seguido por um adjunto adverbial - como é que se lava. É evidente que lava a jato pertence ao segundo tipo.

Os leitores atentos terão percebido que não empreguei hífen algum no parágrafo anterior; eu pretendo, desta forma, ressaltar o papel importantíssimo que este sinal tem na distinção (nem sempre possível) entre o que é uma locução (um arranjo casual de vocábulos independentes) de um substantivo composto. 

Grosso modo, podemos afirmar que sempre teremos hífen quando ocorrer a substantivação. "O bebê aumentava de peso dia a dia"; "o filme mostra o dia-a-dia de uma aldeia gaulesa". "Aquele posto lava carros; ele adquiriu um potente lava-carros". "Explicou o projeto passo a passo"; "o jornal traz um passo-a-passo para renovar o passaporte".

Chegamos assim ao meu ponto: "como ele limpa a garagem? Ele lava a jato" - mas "vou usar meu lava-a-jato para tirar o limo do telhado". Aí está: lava-a-jato. Os que quiserem me acompanhar, mas hesitam em usar o hífen por causa da confusa interpretação de um artigo do Acordo Ortográfico, que levou muita gente boa a eliminá-lo dos compostos com preposição, sigam ao menos o exemplo do Aulete, um excelente dicionário on-line, que registra lava a jato. Os que quiserem...

Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

30 DE NOVEMB
RO DE 2017+ ECONOMIA

UM RETRATO DA DESIGUALDADE


Até o IBGE se assustou com os resultados do recorte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) focado em rendimento apresentado ontem. Nas palavras da gerente da pesquisa, Maria Lúcia Vieira, o Brasil já é conhecido como um dos países com as piores desigualdades de rendimento do mundo, e a pesquisa enfatiza ainda mais o quão desigual o país é. Desigualdade existe em toda economia de mercado. No nível do Brasil, passa a ser disfuncional. Alguns dados:

1. A fatia de 10% da população com menor rendimento ficam com 0,8% do total disponível.

2. A parte dos 10% com maior rendimento absorvem 43,4% do total.

3. Metade dos trabalhadores recebe 15% menos que o salário mínimo

4. O 1% que ganha mais de R$ 27 mil ganha 36,3 vezes mais do que a metade com menor renda (média de R$ 747).

Na sequência de más notícias trazidas pela fotografia da renda no país, há algum conforto para a Região Sul: é onde está a maior média de renda da metade menos remunerada dos trabalhadores, R$ 949. É quase o dobro das médias do Nordeste (R$ 485) e do Norte (R$ 560).

A consequência mais clara do abismo entre o teto e o piso da renda é a situação de insegurança e o clima de conflito. Diferenças educacionais e de mérito não dão conta de explicar ou justificar essa brecha. Do tamanho que está, dificilmente será reduzida por políticas públicas, principalmente na atual situação das contas. Mesmo durante o auge dessa estratégia, como já demonstrou estudo da equipe do francês Thomas Piketty, a situação mudou pouco. Se não for em nome da solidariedade, que seja a título de eficiência: um país com essa fissura não alcança desenvolvimento sustentável.

COMEÇA NO DIA 11 DE DEZEMBRO O TERCEIRO TURNO DE PRODUÇÃO NA UNIDADE DA GENERAL MOTORS DE GRAVATAÍ. A MONTADORA HAVIA SUSPENDIDO A JORNADA EXTRA NO FINAL DE 2015. HOJE, O VICE-PRESIDENTE MARCOS MUNHOZ ESTÁ EM GRAVATAÍ.

Até o fim do primeiro semestre de 2018, o Walmart vai instalar self checkout - caixas pilotados pelos clientes - nas lojas reformadas como a antiga Big da Avenida Sertório, em Porto Alegre, que fechou ontem para reabrir hoje com as cores e a marca global.

O sistema já está em teste no país e será acompanhado por tecnologia e mecanismos para inibir má utilização. Foram contratadas 60 pessoas para reforçar o time de 300. Os executivos chamam o novo modelo de "a bela e a fera": capricho nos perecíveis e produtos nobres, rusticidade na exposição em caixas e até em pallets. Presidente nacional do Walmart, Flavio Cotini explica que um dos objetivos é liberar mais pessoal para atendimento no caixa. A BELA E A FERA
MARTA SFREDO

30 DE NOVEMBRO DE 2017
L. F. VERISSIMO

Culpa


O Günter Grass revelou que durante a II Guerra Mundial foi da SS nazista, o José Saramago contou que foi da juventude salazarista - e eu também quero me confessar. Votei no Jânio Quadros! Pronto, está dito.

É verdade que eu era jovem, foi minha primeira eleição e o Jânio Quadros podia ser maluco, mas não era fascista. De qualquer maneira, tenho essa mancha no meu passado. Expiaria minha culpa regularmente com autoflagelação se a cada vez que pegasse um jornal enrolado para bater na minha cabeça não me lembrasse de todos os que andam por aí, com passados muitos piores do que o meu, e não apenas não se arrependem nem se punem como são figuras respeitadas nas suas profissões e, em alguns casos, grão-senhores da República. Não vou ficar me martirizando sozinho.

Hoje poucos se lembram de que a ditadura militar teve o respaldo civil do que era chamado, com razão, de maior partido do Ocidente. A Arena era mesmo enorme, e abrigou quem quisesse fazer carreira política mandando os escrúpulos às favas e apoiando o regime ditatorial - e que revelou-se ser uma multidão. O outro partido da época, o MDB, fazia oposição consentida, mas oposição. Depois transformou-se no PMDB de hoje, cujo lema implícito é "Hay gobierno? Soy a favor".

Pensando bem, é bom viver num país em que o remorso não seja obrigatório, a coerência não seja supervalorizada e as pessoas não sejam escravas do seu próprio passado. Nenhuma confissão de pecados antigos terá aqui a mesma repercussão, ou a mesma dramaticidade, ou até os mesmos desenlaces trágicos que tem em outros lugares. Não temos o hábito de nos matarmos de vergonha como no Japão, o que é saudável. O lado ruim disso é que nos são negados os prazeres da contrição.

ANDORINHAS

Nunca entendi bem o significado da frase "Uma andorinha não faz verão". Como as andorinhas costumam aparecer em bando no verão, uma andorinha sozinha não significa que chegou o verão, é isso? Agora o novo chefe da Polícia Federal, ao tomar posse no cargo, parafraseou a máxima, alegando que uma mala cheia de dinheiro carregada por um amigo íntimo e colaborador do presidente Temer, justamente depois de uma delação que envolvia o presidente num esquema de propinas, significa menos do que uma andorinha na hora errada. De qualquer maneira, tem muita gente olhando para o céu, na expectativa de que cheguem mais andorinhas. Se aparecer um bando, é sinal de que vai esquentar.

L. F. VERISSIMO

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

CONJUNTURA Notícia da edição impressa de 29/11/2017. Alterada em 28/11 às 21h01min
Kawall (e), Barbosa Filho (c) e Schuler (d) estiveram em seminário


Para analistas, 2018 será promissor para a economia, mas com riscos Kawall (e), Barbosa Filho (c) e Schuler (d) estiveram em seminário /MARCELO G. RIBEIRO/JC Guilherme Daroit Pelo menos pelo viés econômico, 2018 deve ser um bom ano. 

Segundo analistas reunidos ontem na Capital para o tradicional Seminário Econômico da Fundação CEEE, a inflação não parece assustar, os juros continuarão baixos e, puxado pelo consumo das famílias, o País deve crescer em torno de 2,5%. Mesmo assim, porém, haveria riscos pela deterioração das contas públicas, pela insuficiência energética e, claro, pela corrida presidencial, com resultado pouco previsível. 

"O cenário é promissor para 2018, dando continuidade à recuperação iniciada em 2017, que deve ficar em 0,8%, mas será um ano de perigos", resume o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à FGV, Fernando de Holanda Barbosa Filho. O economista argumenta que o cenário internacional é positivo, com juros baixos e inflação controlada na maioria dos países, mas salienta que não se pode contar com isso por muito tempo. O maior risco, argumenta, vem pelo lado fiscal. "Sem a reforma da Previdência, um equilíbrio é impossível. 

E, mesmo assim, é provável que tenhamos aumento de impostos em algum momento", projeta. O primeiro superávit primário, por exemplo, só viria em 2022 ou 2023, na projeção do pesquisador. Barbosa ainda cita temores com a baixa produtividade, que, na sua opinião, precisaria de políticas voltadas à melhoria no indicador para compensar o fim do bônus demográfico, e também com ameaças no campo de energia. "Hoje, o problema é o preço, mas há preocupação com a capacidade para daqui dois ou três anos", continua. 

Economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall vai na mesma linha do controle das contas, acrescentando a preocupação com a possibilidade de o Brasil repetir as dificuldades de prefeituras e estados, como o próprio Rio Grande do Sul. "Já sabemos qual é a saída desorganizada para a crise, que é o que os estados estão fazendo, atrasando as contas, não pagando; e o futuro do País, em breve, pode ser esse também", afirma Kawall. 

A crise profunda, segundo o economista-chefe, deixou sequelas não só nas contas públicas, mas também desalavancou o setor privado. As grandes empresas, endividadas, estariam passando por ajustes muito duros, o que não permite prever uma retomada dos investimentos, até pela capacidade ociosa das empresas. Já as pessoas físicas, que também passaram pelo processo, estariam em um estágio mais avançado. 

"O crescimento em 2018 virá pelo consumo, com o crédito se recuperando, e alguns setores, como o automobilístico e o de bens duráveis dando sinais de recuperação, ainda que sobre bases muito depreciadas", projeta Kawall. Outro grande gerador de incertezas, segundo os analistas, reside no processo eleitoral. Os agentes do mercado financeiro temem uma radicalização no próximo governo, que poderia desestabilizar o cenário. 

"O Lula 'paz e amor', pelo menos até 2008, fez um governo seguindo a cartilha do mercado. Já o Jair Bolsonaro é uma total incerteza, pois nunca administrou nada", comentou Barbosa sobre os dois pré-candidatos que estariam assumindo posições mais aos extremos do espectro político. O cientista político Fernando Schüler, porém, relativiza o potencial do deputado federal carioca, segundo lugar nas pesquisas de opinião até aqui. "O Bolsonaro vem crescendo na base da guerra cultural, mas parece ser pouco viável", projeta Schüler. 

O analista prevê que, quando o processo eleitoral começar para valer, com as estruturas partidárias na rua, perderão espaço os candidatos sem uma base mais consistente, com pouco tempo de propaganda e pequena fatia do financiamento público de campanha. "Marina Silva e Ciro Gomes, em outras eleições, já sentiram isso. Período pré-eleitoral é uma coisa, mas a eleição é diferente", argumenta Schüler, que, por isso, afirma não ver a eleição presidencial como terreno fértil para nomes estranhos à política tradicional. - 

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/11/economia/598851-para-analistas-2018-sera-promissor-para-a-economia-mas-com-riscos.html)

29 DE NOVEMBRO DE 2017
FÁBIO PRIKLADNICKI

PRAZERES CULPÁVEIS

Não há nada mais divertido do que a expectativa que as pessoas criam a respeito dos gostos das outras. Se você curte música clássica, alguns podem presumir que jamais ouvirá Despacito ou o último sucesso de Anitta. Não, pelo menos, voluntariamente. Todos corremos o risco de ficar decepcionados quando alguém que temos em alta conta por seu conhecimento, digamos, de jazz revela ser amante do pagode romântico dos anos 1990 (nada contra, sei todas as letras). 

Mas também aquele em que depositamos a expectativa pode se sentir constrangido de confessar suas preferências tidas como menos nobres. Os falantes da língua inglesa têm uma excelente expressão - guilty pleasure - para descrever esse tipo de prazer que desperta culpa.

Muitas vezes, essa distinção entre o que é aceitável e o que não é soa meio absurda. Ouvir 1989, de Taylor Swift, é tido como algo meio manjado, mas a releitura deste disco feita por Ryan Adams, com o mesmo título, é bastante cult. Gostar da banda Calypso pode ser inconfessável para alguns, mas entender de guitarrada, carimbó e outros gêneros musicais típicos de Belém é digno de qualquer estudioso da cultura brasileira. A canção Sozinho cantada por Peninha, seu compositor, é considerada brega, mas na voz de Caetano é vista como linda.

O que mais me encanta é tentar entender de onde vêm essas expectativas, que pairam no ar meio sem dono e acometem praticamente todo mundo: aqueles que não querem confessar e aqueles que se decepcionam com a confissão do outro. Costumo desconfiar dos moralistas musicais que erguem o dedo para bradar um gosto musical acima dos demais. Aposto que todos eles têm um LP do Peppino di Capri empoeirado em algum canto da casa (a propósito, Champagne é minha canção preferida dele).

Mas daí não se deve concluir que qualquer discussão sobre música ou cultura deva ser interrompida no princípio. O mundo fica mais pobre se todo mundo ouvir apenas o que toca nos canais mais bombados do YouTube, nas rádios e na televisão. Independentemente do gosto musical, qualquer um se beneficiaria de um algoritmo que apresentasse um artista completamente diferente dos que estão no histórico de audição.

FÁBIO PRIKLADNICKI

29 DE NOVEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA


O Grêmio tem um jogador que pode levá-lo à vitória hoje

O Próspera tinha um ponteiro-esquerdo japonês. Eu achava isso importante. O Próspera é o segundo clube de Criciúma, formado com base na carbonífera que tinha esse nome e que depois virou CSN. Um time de mineiros, de raízes populares, orgulhosamente pobre, às vezes os jogadores treinavam com a camisa rasgada, às vezes o número de bolas não era suficiente para o trabalho tático do inteligente técnico Acioly Sanchez, mas coragem sempre tinha de sobra.

Nos sábados à tarde, eu ia assistir aos jogos do Próspera junto com meu amigo Ricardo Fabris. Na época, ambos éramos humildes repórteres. Hoje, só eu continuo na humildade. O Ricardo é vice-prefeito da cidade e um dia ainda será governador, anote aí.

Nós nos acomodávamos em um pavilhão coberto que tem no estadinho Mário Balsini e pedíamos cerveja e amendoim e ficávamos olhando o jogo meio distraidamente. Meu interesse nem era tanto o jogo, era mais aquela convivência arrabaldina, amistosa, brejeira, de pessoas que se conhecem e que decidem gastar um pouco do seu tempo fazendo alguma coisa juntas.

Era do que falava ontem: em uma cidade em que as pessoas se encontram, a vida é mais leve.

Então, nós passávamos a tarde de sábado vendo o jogo do Próspera e falando daquele ponta-esquerda japonês. Júlio César, o nome dele, e, vou dizer, não era mau jogador. Tinha alguma velocidade, alguma agressividade e até bom chute, mas nós implicávamos com ele. Por quê? 

Porque era japonês. Puro preconceito, que que tem o cara ser japonês? Estive no Japão, e gostei muito. Os japoneses são educados, gentis e prestativos. A civilização japonesa é o ápice da civilização humana. Nunca alcançaremos aquele nível. Mas, lá em Criciúma, no Estádio Mário Balsini, nós gozávamos do Júlio César só porque ele era japonês.

Um japonês não podia ser ponta-esquerda, simplesmente não podia. Porque a tradição de ponteiros-esquerdos na América Latina apontava para jogadores que estavam distantes da disciplina oriental. Japoneses eram corretos e cumpridores de regras. Ponteiros-esquerdos eram bagunceiros por natureza. 

De Lula, do Inter, por exemplo, dizia-se que incomodava a direção do clube durante a semana e os adversários do time no fim de semana. Ortiz, argentino que jogou no Grêmio, dava um drible de palmo e meio de largura. Foi campeão do mundo em 1978. Recusava-se a marcar Cláudio Duarte nos Gre-Nais.

- Eu sou ponta - indignava-se. - E querem que te marque!

Claudião, malandro, respondia com sua habitual gagueira:

- Nã-não te pre-ocupa. Fi-fica aí, que vou lá, dou uma cruzadinha e já-já volto.

O Flamengo teve um Júlio César também, o Uri Geller, porque entortava os marcadores como o Uri Geller paranormal entortava colheres. No Palmeiras havia Nei, um inferno para os laterais. E o Santos tinha um dos maiores dribladores da história do futebol, Edu. No São Paulo, reluzia Canhoteiro, o Garrincha da esquerda. Depois o São Paulo teve Zé Sérgio, ponta-esquerda que jogava com a bola grudada no pé direito, cortando para dentro e quebrando os quadris dos marcadores. Mas ninguém sofreu mais com um ponta que cortava para dentro do que o Inter sofreu com Joãozinho, do Cruzeiro. Esse ganhou sozinho jogos contra aquele supertime de Falcão, Valdomiro, Figueroa e... Lula.

Os ponteiros-esquerdos são assim, rebeldes, surpreendentes, arrojados. O Grêmio precisa de um deles hoje, na Argentina. E o tem: Éverton.

Éverton é um ponta de verdade, é capaz de jogadas inesperadas e de abrir uma defesa. Éverton não é um japonês. Bote Éverton no time, Renato. Ganhe, com ele, esse jogo. E volte para essa dura Porto Alegre do século 21 com a glória que você experimentou nos anos 80 do século 20.

DAVID COIMBRA

29 DE NOVEMBRO DE 2017
DE FORA DA ÁREA

O QUE PAULO SANTANA DIRIA?


Repórter da Rádio Gaúcha e comunicador da Atlântida, Duda Garbi tenta adivinhar como Paulo Sant?Ana se manifestaria neste momento.

Essa é a pergunta que mais me fazem ultimamente. Desculpem-me: na verdade, essa é a segunda. A primeira é se tenho ingresso para a grande final de hoje, contra o Lanús, na Grande Buenos Aires - a resposta é negativa.

Quando me abordam para imaginar como Paulo Sant?Ana estaria nesta semana de decisão, eu fico refletindo. Então: o que será que um dos mais fanáticos gremistas da história diria sobre tudo o que estamos vivendo?

Francisco Paulo Sant?Ana, lenda do jornalismo, ícone da torcida. Por imitá-lo diariamente no Sala de Redação, as pessoas enxergam em mim uma espécie de seu representante. Jamais ousaria. Jamais serei capaz. Ele era um gênio. É gênio. Suas obras são perenes, portanto não serão esquecidas.

Hoje, em meio a uma final da Libertadores da América, seguramente, se tudo desse certo, estaria fumando um cigarro atrás do outro, nervoso, reclamando de alguma coisa que ainda não concorda no time, mas feliz pelas escolhas certeiras do Renato Portaluppi.

Pediria desculpas e reconheceria o valor de Marcelo Grohe. Foram tantos milagres que fica impossível criticá-lo.

Ele certamente elogiaria a forma com que Geromel está se saindo como possível Capitão América.

Reclamaria da altura de Ramiro, mas daria o braço a torcer pela sua utilidade funcional no campo de jogo. Não teria adjetivos suficientes para elogiar a categoria de Arthur, muito menos de Luan. Depositaria em Lucas Barrios a responsabilidade de ser o novo Jardel, ele que gostava de um bom centroavante. Amaria Jael.

Beijaria Cícero, depois do gol da vitória na Arena que pode, quem sabe, ser o do tricampeonato. Cantaria uma canção dedicada aos jogadores, talvez. Amava cantar.

Implicaria com os colorados do Sala de Redação. Invadiria a programação da Rádio Gaúcha para gritar de felicidade que é tricampeão da América. Repetiria infinitamente que Renato é o maior de todos.

Enfim... o que será que mais o Sant?Ana diria nestes dias de ansiedade e nervosismo que antecedem a mais uma final de Libertadores na vida do Grêmio?

Repórter da Rádio Gaúcha dudagarbi.com.br - DUDA GARBI


29 DE NOVEMBRO DE 2017
OPINIÃO DA RBS

REENQUADRAR O ESTADO

Quando governos e parlamentares se resumem a gerir

interesses corporativos, estão negando a própria função do Estado

O impasse em relação ao pedido de adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal serviu ao menos para demonstrar que o Rio Grande do Sul poderia estar hoje com suas finanças em melhor situação se tivesse optado pela transparência em suas contas no passado. A sistemática manipulação de gastos com pessoal, que até agora vinha favorecendo todos os poderes, acabou dando o troco justamente numa fase crucial para o Estado. 

Neste momento, as atenções estão concentradas tanto em Brasília, com o objetivo de tentar reverter as restrições ao pré-acordo, quanto na Assembleia, que precisa examinar uma série de projetos num curto período de tempo. Preocupa, portanto, que os planos de rigor fiscal estejam ameaçados justamente pela pressão de poderes cujos servidores, diferentemente do Executivo, estão com seus salários em dia.

Em boa parte, o setor público gaúcho só vive uma situação de incerteza absoluta no prazo imediato devido a práticas como a sistemática manipulação de gastos de pessoal. O objetivo dessa estratégia foi livrar-se das penalidades da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O interesse, no caso, era disfarçar a realidade de que o Estado gasta com sua folha e despesas correlatas muito mais do que recomendaria não só o rigor fiscal, mas sobretudo a responsabilidade de todos os gestores com o interesse público.

Governantes e parlamentares não são eleitos para administrar folha de pagamentos. O corpo funcional é fundamental para se atingirem os objetivos do Estado, entre os quais esforços por melhores condições de vida para toda a população. Quando governos e parlamentares se resumem a gerir interesses corporativos, estão, portanto, negando a própria função do Estado.

O que é óbvio, e deve ser tratado com o máximo de transparência, é que o Estado é excessivamente inchado, com muitos servidores ganhando mal e uma elite com vencimentos acima do razoável e do possível. Nesse cenário, é de se estranhar que poderes à margem do dramático atraso de pagamentos de salários ainda ousem apresentar novas faturas.

O esforço conjunto deveria ser no sentido de reenquadrar o Estado na Lei de Responsabilidade Fiscal. Independentemente de pressões do governo federal, essa preocupação não é apenas uma exigência legal - é um compromisso com o futuro do Rio Grande do Sul e o cumprimento das funções sustentadas pelos contribuintes.

terça-feira, 28 de novembro de 2017



28 DE NOVEMBRO DE 2017
CARLOS GERBASE

OS SERES MINÚSCULOS

Há uma perigosa confusão semântica nos debates políticos que sacodem o Brasil. É claro que essa confusão é diariamente alimentada por quem gostaria de tomar posse do Estado a partir de uma posição temporária no governo. É assim mesmo: Estado, com E maiúsculo, porque estou usando a palavra para designar a nação brasileira, com sua estrutura política e sua Constituição; e governo, com g minúsculo, um grupo de pessoas que, vencedor de uma eleição, está habilitado a conduzir as questões políticas e administrativas dentro das normas legais por alguns anos.

Isso vale para todas as instâncias: municipal, estadual e federal. É muito triste ver o prefeito de Porto Alegre e o governador do Rio Grande do Sul alimentarem diariamente um conflito aberto com os funcionários públicos, alguns com dezenas de anos de serviço, como se eles fossem entraves ao bom funcionamento da cidade e do Estado. 

Esses funcionários - professores, burocratas, motoristas de ônibus, médicos - fazem funcionar tudo que nos cerca e depende de ações públicas. Esses funcionários não estão apenas a serviço do Estado. Eles são o Estado. Com toda justiça, quando percebem que um ser minúsculo pretende mudar regras constitucionais, lutam e batem sinos.

É mais triste ainda ver um presidente minúsculo, que assumiu o governo de forma tortuosa e está sob permanente suspeita de corrupção, traçar estratégias para mudar o Estado - as reformas trabalhista e da previdência são os exemplos mais evidentes - a partir de acordos com seres ainda menores, deputados e senadores que se relacionam com o Estado como uma pulga se relaciona com um cachorro. O Estado não é um ser imutável. Mesmo com E maiúsculo, está sujeito à dinâmica da História e aos ajustes necessários. 

É óbvio que os governos têm dificuldades orçamentárias. No entanto, esses seres minúsculos que hoje andam por aí com ares de autoridade não podem apontar soluções que, em vez de aprimorar o Estado, pretendem apequená-lo. Tem lógica: seres minúsculos querem um estado mínimo. Nas próximas eleições, mais importantes que as questões morais são as questões que envolvem o Estado brasileiro. Ele deve continuar com E maiúsculo ou submeter-se aos seres minúsculos?

CARLOS GERBASE


28 DE NOVEMBRO DE 2017
INDICADORES - Fábio Bernardi

Friends of?


Passei a semana passada aprendendo e debatendo sobre o futuro em um curso chamado Friends of Tomorrow, ministrado pela Perestroika, com conteúdo elaborado pela Aerolito, empresa do meu amigo Tiago Mattos, professor da Singularity University e integrante do Trans-disciplinary Innovation Program, em Israel. 

O cardápio de assuntos era saboroso e apimentado: nanotecnologia, robótica, inteligência artificial, reprogramação genética, realidade aumentada, engenharia reversa de moléculas, aceleração exponencial e outros temas que, dependendo do ponto de vista e do interlocutor, irão mudar, ou já estão mudando, o mundo e a vida. A transformação pela frente é inexorável.

Pois, nem bem o curso acabou e já despenquei na nossa realidade pré-histórica. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) acaba de ser divulgada, revelando um país de contrastes cada vez maiores. Por um lado, 92% dos lares brasileiros já têm celular. Por outro, apenas 66% das casas têm esgoto. 

E em 3,5 milhões delas só existe água em, no máximo, três dias por semana. É claro que a conectividade é importante, ainda mais quando se projeta que a maioria dos serviços públicos deve ser digitalizada. Mas, como pode um país sonhar com o futuro quando ainda tem quase metade de suas famílias sem esgoto? Claro que melhoramos, e é óbvio que a defasagem é histórica. Mas, neste ritmo, nunca chegaremos lá. 

E, para piorar, nossa mentalidade ainda é do século passado em muitos aspectos e setores. Veja a recente Black Friday, e ponha black nisso: metade dos produtos ofertados tinha promoção falsa, segundo pesquisa feita pelo jornal Folha de S. Paulo. De 719 itens pesquisados, 347 estavam mais baratos ou tinham o mesmo preço 22 dias antes da data promocional. E depois os empresários dizem que basta simplesmente o Estado ser gerido igual a uma empresa que vai ficar tudo bem. Não basta, porque a questão é, também, quem gere e não apenas como gere. 

E tem ainda a qualidade da educação, que piorou na última década, ou o descaso com ciência e tecnologia, que só aumentou. Enquanto o mundo caminha em busca de uma nova matriz energética, valoriza o intangível das novas economias e reorienta o valor da aprendizagem para o futuro, nós estamos na Idade da Pedra, com um país sem senso de propósito, sem missão coletiva e, muito menos, sem visão daquilo que pretende ser no mundo.

O Brasil não é mais o país do futuro. Quem dera, em 2018, consigamos ser ao menos friends of present.

Fábio Bernardi escreve às terças-feiras, a cada 15 dias. Amanhã, Walter Lídio Nunes.


JOSÉ FORTUNATI DEIXA PDT DEPOIS DE 16 ANOS


Com uma carta de 24 linhas, o ex-prefeito de Porto Alegre José Fortunati formalizou ontem sua saída do PDT, depois de 16 anos. É o desfecho previsível de uma crise que começou quando ainda era prefeito e que se agravou nos últimos meses. A gota dágua foi o boicote da direção a seu projeto de concorrer ao Senado.

- Aconteceram outros episódios ao longo do ano, que foram me afastando da direção do partido, mas não quero falar sobre isso. Não seria ético - diz Fortunati.

O ex-prefeito já não tinha clima para continuar no PDT. O presidente nacional, Carlos Lupi, dizia para quem quisesse ouvir que já o considerava carta fora do baralho. A relação com o presidente estadual, Pompeo de Mattos, não poderia ser pior. O diálogo com outro líder importante do PDT, o ex-deputado Vieira da Cunha, tinha se tornado impossível desde que Fortunati expressou sua preferência pela aliança com Sebastião Melo em 2016, em detrimento da candidatura própria.

O ex-prefeito se defende:

- Nunca escondi que preferia apoiar Melo, em retribuição ao apoio que recebemos do PMDB em 2012 e porque ele foi o vice que qualquer um gostaria de ter: fiel e trabalhador.

Pompeo avalia que Fortunati se precipitou ou "já tinha algo organizado" ao encaminhar a desfiliação. O presidente estadual conta que, ao saber da pretensão do ex-prefeito de concorrer ao Senado, Romildo Bolzan e Vieira da Cunha foram questionados se também queriam concorrer à vaga internamente:

- Como nenhum dos dois quis ser candidato, hoje (ontem) nos reunimos e decidimos que Fortunati seria o indicado na convenção do PDT no dia 16 de dezembro. Logo depois veio a carta, fomos surpreendidos.

Fortunati ainda não sabe para onde vai. Diz ter vários convites, mas pretende analisar o cenário com calma e tomar uma decisão perto do mês de março, prazo derradeiro para a filiação de quem pretende concorrer em 2018. O PR ofereceu-lhe a vaga de candidato ao Senado, mas, antes de assumir qualquer compromisso, Fortunati quer se certificar de que não há risco de o partido dar guarida a Jair Bolsonaro. A única certeza do ex-prefeito é de que não será candidato a deputado:

- Ou concorro ao Senado, ou não serei candidato a nada.

O diretório estadual do PT deverá formalizar no dia 9 de dezembro a pré-candidatura do ex-ministro Miguel Rossetto a governador. Preferidos da base petista, os ex-governadores Tarso Genro e Olívio Dutra não estão dispostos a entrar na disputa.

- Estamos convergindo para Miguel Rossetto. Temos reuniões a fazer, mas, por enquanto, ele é o nome - disse o presidente estadual do PT, Pepe Vargas, depois de mais um encontro para ouvir sugestões para o plano de governo.

Ontem pela manhã, Tarso e Olívio foram ouvidos pela direção do partido. À tarde, a ex-presidente Dilma Rousseff (foto) apresentou suas contribuições. Na semana passada, o partido ouviu as ideias de Rossetto.

A partir dessas reuniões, Pepe quer organizar as diretrizes que serão apresentadas a potenciais aliados. O PT sonha com uma aliança de partidos de esquerda, que tenham uma agenda comum, de contraponto à pauta do governo de José Ivo Sartori.

- Foram discutidas diretrizes e pontos mais gerais. Vamos elaborar um diagnóstico com avaliação dos problemas, como a capacidade de o Estado financiar políticas públicas, de controle social. Ainda não são propostas - diz Pepe. ROSSETTO SERÁ O NOME DO PT

rosane.oliveira@zerohora.com.br

28 DE NOVEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

A importância da sobremesa para a família



Sou da cultura do doce. Almoço e jantar são apenas aperitivos. Eu me interesso por aquilo que vem depois para acompanhar o cafezinho.

A infância me condicionou. A gente comia o básico, feijão com arroz, bife e salada, com variações de acordo com o dia. Às vezes massa, às vezes bolo de carne, às vezes pastelão, dependendo do tamanho da conta e do fiado no armazém.

Não reclamávamos da mesmice do cardápio, desde que não faltasse a cobiçada guloseima.

O escândalo residia na primeira prateleira da geladeira, com pudim ou ambrosia ou sagu ou cassata ou doce de leite ou torta de bolacha ou pavê. A mãe se esmerava nas surpresas (onde arranjava horário para preparar? Não sei, não faço nem ideia, magias inexplicáveis da maternidade).

Morava numa involuntária confeitaria. Ninguém dispensava a sobremesa naquele tempo. Guardava um espaço imaginário no estômago para não desperdiçá-la, não repetia as porções e recuava o apetite antes de me empanturrar.

Podia-se estar atrasado para o trabalho ou para a escola, não permitíamos a pressa apagar os nossos caprichos e o momento solene dos pratinhos pequenos.

Os garfos e facas não conseguiam vencer a importância das colheres.

Não se falava nada durante o almoço familiar. O silêncio imperava naquele instante, cortávamos a carne instintivamente, máquinas de triturar e moer a comida. O que se escutava se resumia aos barulhos dos talheres na porcelana.

Mas todo mundo abria a matraca milagrosamente na sobremesa. Vinham confissões, risadas, bobagens, lembranças. Éramos desconhecidos no sal, íntimos no açúcar. Abraços aconteciam mais fáceis, carinhos nos cabelos surgiam aos borbotões.

Acredito que as famílias hoje deixaram de falar porque extinguimos a sobremesa. Os filhos não mais relatam as suas façanhas nas aulas porque abolimos a sobremesa. Os pais não trocam mais beijos e juras de amor na frente dos outros porque erradicamos a sobremesa da rotina.

A glicose sempre salvou as amizades e os relacionamentos. As palavras nadam quando estamos com água na boca.

CARPINEJAR

segunda-feira, 27 de novembro de 2017



DAVID COIMBRA

A mulher mais bonita do mundo

Dizem que o debate de ideias sempre faz crescer. Tenho minhas dúvidas. Porque o debate de ideias só faz crescer quando as ideias são debatidas, não os debatedores.
Você já viu alguém debater ideias sem debater o debatedor?

Há casos até de quem se recuse a debater a ideia do outro simplesmente porque se acha encarapitado em um nível de superioridade moral inatingível pela ignorância de quem não concorda com ele.
O sujeito tem tanta certeza da correção de suas ideias, tanto orgulho de ser quem ele pensa que é, que não consegue sequer admitir que o outro esteja apenas errado. Não: o outro, aquele que não concorda com ele, tem de ser mal-intencionado. Ele é tão bom, tão maravilhoso, tão espetacularmente inteligente, que quem pensa diferente dele só pode ser um canalha.

Isso faz com que a gente ande em círculos. E aborrece profundamente. Chega um momento em que só de pensar em "debater ideias" me dá sono. Que importa argumentar nesta ou naquela direção? Não fará diferença alguma. Ninguém vai mudar um centímetro em nenhuma direção, ninguém se deixará convencer.

Então, prefiro falar da Irina Shayk. Descobri que a Irina Shayk é a mulher mais bonita do mundo. Você dirá que isso é questão de gosto, que há muitas mulheres lindas por aí e tal. Mas não. Irina Shayk é como Pelé: incontestável. Vá lá ao YouTube, ao Google, e veja. Você dirá:
- É mesmo a mulher mais bonita do mundo.

Mas talvez você considere que dizer que uma mulher é bonita é sexismo, ou machismo, e reclame que as mulheres têm de ser valorizadas pela sua competência, não por sua beleza. Não argumentarei. Estou num dia em que debates me cansam, lembra?

Falarei de outra coisa. Sobre uma picanha que faço, por exemplo. É bem simples. Escolho uma picanha de bom tamanho. Pico, em pedaços minúsculos, mínimos mesmo, quatro ou até cinco dentes de alho. Podem ser seis. Não passam de sete. No máximo, oito. Em seguida, uso o dedo para introduzi-los em vários pontos da carne. Deito-a em uma forma. Cubro-a completamente de sal grosso - vai um saco inteiro de sal. E boto no forno. Depois de uma hora, tiro a picanha, bato o sal como se estivesse espancando um daqueles caras que não concordam comigo. E está pronto.
Delícia, delícia, assim você me mata.

Mas talvez alguém aí seja vegano e comece a discorrer sobre os males da carne vermelha e diga que quem publica uma receita com carne é irresponsável. Não responderei (hoje não tem debate). Falarei de pontas.

Houve um tempo em que o ponta tinha prestígio. Garrincha ganhou uma Copa sozinho, Renato conquistou o mundo para o Grêmio, o Inter tinha Tesourinha e Carlitos, depois Valdomiro e Lula, e havia Nei no Palmeiras, Canhoteiro no São Paulo, Edu no Santos. Por que os ponteiros, sobretudo os ponteiros-esquerdos, foram banidos do futebol?

Respondo: por covardia. Os técnicos, por medo de perder, tiraram o ponta agressivo, agudo, insinuante e, no lugar dele, escalaram volantes brutos. O Grêmio tem um ponta da velha estirpe: Éverton. No último jogo, tendo pouco tempo, pouco participou. Mas, em um lance, Éverton mostrou como está pronto para ser titular: estava encurralado na ponta, de costas para a bandeirinha de escanteio, o marcador a um passo dele. 

Não tinha como passar, não tinha como sair dali, ia perder a bola. Então, deu um toquinho para a frente, a bola bateu na canela do adversário e escorreu pela linha de fundo. Escanteio para o Grêmio. Um lance simples, mas um lance de quem sabe. Éverton está no ponto. Éverton é ponta-esquerda. Éverton pode decidir um campeonato. E espero que não haja debate ideológico quanto a isso.
DAVID COIMBRA

TRADIÇÃO

O último almoço do Bologna

COM SEIS DÉCADAS de história, restaurante na zona sul da Capital fechou suas portas ontem. Dívidas motivaram a decisão

Antigos frequentadores e fãs recentes aproveitaram o almoço de ontem para fazer uma última peregrinação até o Restaurante Bologna, que está fechando as portas depois de seis décadas de história. Um dos mais tradicionais de Porto Alegre, o estabelecimento da Avenida Coronel Marcos, em Ipanema, vai dar lugar a um empreendimento comercial.

Moradora da vizinhança desde a infância, Elizete Roncatto Dornelles, 66 anos, criou-se com os sabores do Bologna e fez questão de estar presente no derradeiro fim de semana de funcionamento. Na noite de sábado, foi jantar com o filho no local. No domingo, não resistiu à tentação e voltou, para buscar bifes à parmegiana e lasanhas verdes. Bastou ser questionada sobre o fechamento para que começasse a chorar.

Elizete lembrou dos primeiros tempos, quando o restaurante era pouco mais do que uma cabana e os proprietários, os imigrantes italianos Giorgio Negroni e Lilia Savorelli, tinham tão poucos recursos que iam ao mercado comprar os ingredientes na hora em que o cliente fazia o pedido, com o dinheiro que ele pagava.

- Quando eu era pequena, ia para a praia de Ipanema, porque na época dava para tomar banho, passava por aqui e pegava um sorvete - recordou Elizete.

Os namorados Ricardo Loose Jr, 30 anos, e Julie Mross, 26, foram os primeiros a sentar para o almoço de domingo, ainda antes do meio-dia. Eles chegaram cedo porque tinham medo de que, no último dia, pudesse faltar mesa. Ricardo é um frequentador desde a infância. Julie tornou-se adepta há uns poucos anos. - Ela lembrou que hoje fechava hoje e que era nossa última chance. A comida é muito boa. Podiam manter pelo menos o delivery - observou Ricardo.

UM ADEUS SEM NADA DE ESPECIAL: DIA DE TRISTEZA, DISSE O DONO

A despedida também foi emocionante para os funcionários. São 36, somando os do Bologna e os da trattoria e pizzaria Dal Padrino, que funciona no mesmo terreno, é do mesmo proprietário e também vai fechar. O mais antigo é o gerente das duas casas, José Carlos Maciel Araújo, 54 anos. Ele começou a ajudar com 10 anos de idade, varrendo o pátio. Mais tarde, trabalhou na produção de sorvete. Em seguida, passou para a cozinha e depois, já adolescente, trabalhou como garçom.
- Vou dizer o quê? O Bologna não foi importante na minha vida. Foi a minha vida - afirma Araújo, conhecido como Neco.

O atual proprietário, José Roberto Pereira, 65 anos, afirma que decidiu vender o imóvel de 2.850 metros quadrados por causa do endividamento da empresa. Conforme ele, o empreendimento tornou-se insustentável. O primeiro golpe foi a proibição de fumar em restaurantes. O segundo foi a Balada Segura. Depois, a insegurança da cidade. Por fim, sobreveio a crise econômica. Tudo somado, os fregueses passaram a ficar em casa em vez de sair para refeições e beber. Pereira decidiu não preparar nada de especial para o último dia da casa.

- Não tenho nenhum motivo para comemorar, porque para mim é uma derrota fechar o Bologna. Imagina tu levares a vida inteira para adquirir um nome e ter de entregar tudo para resolver problemas financeiros. Se ainda fosse para usufruir do dinheiro, tudo bem, mas vai tudo para pagar indenizações de funcionários e dívidas. É um dia de tristeza - afirmou.

Com a Itália vivendo um difícil período econômico depois da guerra, Giorgio e Lilian resolveram sair de Bolonha para tentar a sorte no Brasil. Ele começou a trabalhar como garçom no centro de Porto Alegre, enquanto ela fazia lasanha em casa e as vendia para famílias que veraneavam em Ipanema. As receitas italianas fizeram tanto sucesso que motivaram o casal a fundar o restaurante, na metade da década de 1950. O filé à parmegiana e o talharim à bolonhesa tornaram-se famosos, permitindo que o restaurante fosse ampliado e sofisticado.

Em 1982, morreu Negroni. Lilia assumiu o empreendimento, mas ele afundou em dívidas, sofreu uma intervenção judicial e acabou fechando em 1989. Em 1994, foi leiloado a dois casais, que providenciaram reforma e reinauguração. Foi deles que Pereira, o atual proprietário, comprou o restaurante. Ele afirma que ainda há uma esperança para os fãs. Não vendeu a marca e espera poder reabrir o Bologna em outro endereço.
ITAMAR MELO

27 DE NOVEMBRO DE 2017
OPINIÃO DA RBS

A OFENSIVA EM BRASÍLIA

Este não é o momento para demagogia e oportunismos eleitoreiros, mas para união em busca de uma alternativa de equilíbrio financeiro capaz de permitir ao Estado colocar as contas em dia

O desembarque em Brasília de uma comitiva reforçada - incluindo o vice-governador, José Paulo Cairoli, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, e o líder do governo na Assembleia, deputado Gabriel Souza (PMDB) - é a cartada decisiva do Piratini para tentar garantir a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal. 

A saída política é a alternativa que se apresenta para tentar reverter o impasse gerado pelo parecer negativo da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ao pré-acordo de socorro federal reivindicado pelo Piratini. Sem uma folga nos desembolsos dos compromissos da dívida e a autorização para buscar novas linhas de crédito, o Estado não tem como viabilizar suas finanças no prazo pretendido pelos gaúchos.

Com o impasse surgido nas negociações com a União, o governo arca hoje com o ônus de uma estratégia adotada nas últimas administrações, e chancelada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ao decidir não contabilizar como despesas pessoais os diversos benefícios relativos ao funcionalismo, o poder público conseguiu driblar por muitos anos a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao mesmo tempo, mascarou a real situação das contas públicas gaúchas, criando um imbróglio que hoje se volta contra suas pretensões de socorro financeiro.

O importante, agora, é que a comitiva gaúcha aja com o máximo de transparência, expondo com clareza a real situação das finanças tanto para o governo federal quanto para a população gaúcha. A oposição, que neste momento comemora o entrave ao acordo, sob a alegação de a situação do Estado não ser tão grave quanto alega o Piratini, precisa agir com objetividade. Quem tem interesse na disputa pelo Piratini em 2018 deve deixar claro, desde já, o que fará para colocar as finanças em dia, na hipótese de uma vitória nas urnas.

Este não é o momento para demagogia e oportunismos eleitoreiros, mas para união em busca de uma alternativa de equilíbrio financeiro capaz de permitir ao Estado colocar as contas em dia e retomar os investimentos. O que for definido agora não tem a ver com os interesses de um ou outro candidato, mas com o futuro de todos os gaúchos.

27 DE NOVEMBRO DE 2017
L.F. VERISSIMO

Darwin no céu


Talvez se encontrassem argumentos mais fortes a favor do tal design inteligente por trás de tudo no universo, segundo a tese antievolucionista, não nos seus triunfos, mas nos seus fracassos. Por exemplo: o que os salmões precisam fazer para terem direito a uma família, subindo rios contra a correnteza com grande esforço para chegarem ao seu local de origem e procriarem, é um típico projeto malpensado que já teria sido corrigido se a evolução fosse ao acaso, como queria Darwin, e premiasse com a sobrevivência quem tivesse desenvolvido um método mais simples de se reproduzir.

Como o dos salmões, há muitos outros casos de erros, contrassensos, anomalias, esquecimentos - os mamilos masculinos, por exemplo, ou a persistência das unhas do pé nos humanos, que não existiriam mais se Darwin tivesse razão - atestando a existência de um designer inteligente, só um pouco distraído.

Uma referência à "criação de Deus" que não estava na primeira edição de A Origem das Espécies de Darwin foi acrescentada nas edições seguintes, uma tentativa dos editores de atenuar a reação das igrejas cristãs à teoria revolucionária. Deve continuar nas edições atuais. A reação nunca diminuiu. Nos Estados Unidos, hoje, travam-se batalhas judiciais sobre a proibição de se ensinar o evolucionismo, ou a obrigação de se ensinar o criacionismo como alternativa ao evolucionismo, em redes escolares estaduais. 

O fortalecimento político da direita religiosa americana devolveu à questão o imediatismo que tinha no século 19, quando a teoria era nova. Conceitos como o do design inteligente servem para atualizar pelo menos o vocabulário dos que pregam uma interpretação literal da Bíblia. Como a teoria do design não alude especificamente, só implicitamente, a Deus como o criador, ela pode proporcionar um começo de diálogo.

Dizem que Darwin entrou no céu cristão, para a sua grande surpresa, mas durante anos Deus recusou-se a recebê-lo, até que ele reconhecesse sua autoria das espécies, o que Darwin rechaçava. Agora já estariam conversando. Os dois teriam feito concessões, abandonando suas reivindicações radicais, e suas conversas começariam sempre com a frase "Admitamos, como hipótese, que...". A vida sexual dos salmões deve estar sendo muito citada.

L.F. VERISSIMO

domingo, 26 de novembro de 2017

Tempo que passa vira trunfo para os 'sem-idade'

Era a terceira cirurgia para hérnia de disco. Deitada de bruços, a arquiteta Sílvia Helena Duarte Vaz, 62, exibia para a equipe médica o corpo ainda mais tatuado que da última vez.

"Você acha que ainda tem idade para fazer tatuagens desta maneira?", questionou um dos médicos.
"Claro!", respondeu a arquiteta. "É agora que eu estou na idade das certezas."

Vaz diz que envelhecer tem sido um processo libertador. "Gosto cada vez mais da minha aparência. Sou divertida. Quero mais é experimentar."
Ela é a expressão de uma transformação social recente -e ainda tímida- que vem embaralhando antigas e rígidas noções de imagem e estilo de vida associadas a pessoas em idades maduras.

AO SEU TEMPO
Idade ganha vida nova
A socialite Teresa Fittipaldi
Desde que fez 50 anos, ela desafia padrões estéticos e comportamentais da idade.
Mudou-se para Arraial d'Ajuda, no sul da Bahia, deixando em São Paulo o filho único, então com 18 anos, o hoje arquiteto Rodrigo Othake.

Trocou a carreira numa multinacional pelo balcão de uma loja de moda autoral, e os tailleurs por vestidos mais curtos, estampas coloridas, coturnos e até coroa de strass. "Minha Londres é aqui!" Amarrou os cachos loiros em trancinhas que se tornaram dreadlocks.

E cobriu braços, nádegas e pernas com tatuagens de motivos japoneses. A foto do corpo decorado, postada em seu perfil no Facebook, foi censurada. "Acho que foi porque aparecia o bumbum", arrisca, sem constrangimentos.


OS SEM-IDADE

A tendência de chegar aos 50, 60 ou 70 sem sentir o "peso dos anos" nem se identificar com os clichês da terceira idade tem recebido várias etiquetas. Foi apelidada de movimento "ageless" (sem idade, em inglês): pessoas cuja identidade é mais social que cronológica.

"Somos pessoas relevantes de todas as idades, que vivem o tempo presente, sabem o que acontece no mundo, estão em dia com a tecnologia e têm amigos de várias gerações", escreveu a diretora criativa norte-americana Gina Pell ao cunhar outro termo para o grupo: "perennials" (perenes, em inglês). Pegou. 

Uma nova pesquisa do Datafolha traz indícios dessa onda ao apontar que os brasileiros com mais de 60 anos são os mais satisfeitos com sua aparência (68%) e com seu peso (62%). Vão mais a restaurantes e shows e viajam com maior frequência hoje que nove anos atrás. Eles acreditam que sua velhice será melhor que a de seus avós (65%).

Um a cada quatro (26%) segue trabalhando. Ativos e criativos, curiosos e colaborativos, os perennials mantêm certo gosto pelo risco, sem perder o lastro da maturidade, a partir da qual se tornam mentores dos amigos mais novos. Confiantes, aceitam a passagem do tempo e assumem seus efeitos sem muitos disfarces.

ANTIDISFARCE

Neste contexto, não há nada mais antiquado que esconder a idade ou definir alguém apenas a partir dela. "Continuo a ser quem sempre fui, só que, agora, tenho dor no joelho", brinca a artista plástica Mariana Pabst Martins, 58. "Quem mentia a idade era minha avó. E eu não poderia estar mais distante do estereótipo da senhora de coque que fica na cadeira de balanço fazendo tricô."

Ela e o companheiro, Baixo Ribeiro, 54, se dividem entre o trabalho na galeria de arte Choque Cultural, os shows de música onde interagem com os amigos do filho único de 30 anos, e os cuidados com o neto de três anos, que buscam na escola quase todos os dias.

"Sempre fomos curiosos com a cultura de cada época e isso nos tornou mais abertos e adaptáveis às mudanças", diz Ribeiro. "Frequentamos lugares de gente mais jovem e mais velha. Essas trocas são muito interessantes."

Martins também valoriza a relação com outras gerações. "Nunca olho para uma criança ou um adolescente como um pentelho que não sabe de nada. São pessoas que estão no mundo, e tenho interesse em saber o que pensam." Para eles, é a adesão a regras sociais de comportamento que faz as pessoas se sentirem mais velhas.

"É preciso não se prender a padrões e acompanhar o debate atual", avalia Ribeiro, que diz ter encontrado uma forma de desobediência etária na maneira de se vestir. "Homem em geral fica mais sério e sisudo à medida que fica mais velho. Eu, ao contrário, era sério e estou ficando cada vez mais ridículo", ri o galerista. O casal relaciona essa mudança de comportamento ao envelhecimento da geração baby boomer (nascida entre 1946 e 1964), grande responsável pela construção de um imaginário social da juventude e de uma cultura jovem ligada ao consumo.

CABELOS BRANCOS

Recentemente, a moda acordou para as pessoas mais velhas e tirou mulheres e homens maduros da invisibilidade fashion. Neste ano, a atriz Lauren Hutton estrelou uma campanha de lingeries da Calvin Klein aos 73 anos, a decoradora Iris Apfel fechou uma parceria com a M.A.C., de cosméticos, aos 94 anos, e Helen Mirren estampou a capa da revista "Allure" aos 72.

Na ocasião, a atriz criticou o uso do termo "anti-idade", tão comum no universo dos cosméticos. "Nós sabemos que estamos ficando mais velhas. Quero apenas parecer e me sentir tão bem quanto possível", disse. Cabeças brancas estão em mais campanhas, mais capas e mais desfiles. No Brasil, estilistas como Ronaldo Fraga e Raquel Davidowicz (da marca UMA) já havia colocado modelos mais velhas nas passarelas.

Grifes como Reserva e Ellus também levaram perennials para apresentar suas novas coleções. A ceramista e socialite Teresa Fittipaldi fez sua estreia como manequim aos 59 anos no último desfile da estilista Glória Coelho. "Foi muito legal. Primeiro porque, em geral, uma mulher como eu não se identifica com o que vê em revistas ou desfiles: meninas muitos jovens, lindas e magérrimas", admite.
"Segundo porque elogiaram muito os meus cabelos brancos. Cada idade tem sua beleza. E elas não precisam ser comparáveis."

Para ela, deixar de tingir de loiro as madeixas foi um alívio. "Pintar é uma prisão. Cansa demais. Mas, no Brasil, ainda é muito difícil as mulheres assumirem os cabelos brancos. Na Europa e em Nova York é bem mais comum", avalia.
Ao aderir aos fios naturais, Fittipaldi forçou a mãe, já com quase 80 anos, a abandonar as cores "fake". "Não tinha cabimento ela seguir de cabelo castanho com uma filha toda branca."

CARTEIRADA

Na família do músico Valter Toledo, 65, os sinais visuais estão invertidos. "Meus filhos se vestem como se fossem meus pais!", debocha. Quanto foi cantor do grupo Os Originais do Samba, Valtinho Tato, como é conhecido, teve de se enquadrar nas vestimentas tradicionais dos sambistas: calça e paletó de linho, sapato social. "Não aguentei. Não é a minha."

Estudos realizados pela psicóloga Ellen Langer, professora da Universidade Harvard (EUA), sugerem que as pessoas que se enxergam como velhas de fato envelhecem mais rápido e que a maneira de se vestir é um fator determinante nesta equação.

Segundo a pesquisadora, aqueles entrevistados que trabalhavam de uniforme ou que se vestiam de forma semelhante a pessoas mais jovens apresentavam menos doenças associadas ao envelhecimento.

"Acho que envelhece aquele que não vive. E eu me sinto ótimo. Tenho um projeto social com música, canto e jogo meu futebol", diz Toledo.
"Meu time é Cocoon [em referência ao filme em que velhinhos são rejuvenescidos ao banharem-se em águas energizadas por extraterrestres]. A gente corre tanto ou até mais que os moleques."

Com 6 filhos e 12 netos, volta e meia o músico tem de "dar uma carteirada", apresentando um documento com data de nascimento para provar ter direito aos benefícios da terceira idade.

MERCADO

O artista multimeios e publicitário Ricardo Van Steen, 59, tinha certeza que, a esta altura, estaria à beira da aposentadoria. "Sonhei com isso. Mas o mundo mudou e eu provavelmente nunca vou me aposentar", reconhece.

Paradoxalmente, é o trabalho e a busca constante pelo novo que o mantém motivado. "Acho que ainda não acertei uma bola na rede pra valer no meu trabalho autoral. E sigo atrás disso", diz. "Ser compulsivo com trabalho, workaholic, me joga pra frente. A gente se frustra quando parece que o mundo precisa menos de você, e isso envelhece."

Van Steen sempre buscou trabalhar em redes e coletivos, e diz se renovar bastante no contato profissional com os mais jovens. "O que não dá é pra perder o ânimo com a tecnologia. Aí você está ferrado porque isso cria um gap muito grande e muito rápido em relação ao que está acontecendo no mundo."

Ele diz seguir buscando "as páginas dos manuais que ainda estão em branco ou sendo escritas" e acredita que a publicidade tem representado cada vez mais as pessoas mais velhas em atitudes "sem idade".





Empresas como a Amazon e a Netflix já definem o perfil de seus usuários pelo seu gosto, e não sua idade. A pesquisa Datafolha mostra que valores como a tolerância à diversidade, produtividade, coragem estão muito ligados aos mais velhos. Até mesmo o destaque em criatividade, na opinião dos brasileiros, não é exclusividade das novas gerações.
A maior parte das marcas, no entanto, ainda se arma de estereótipos negativos sobre os mais velhos, centrando fogo na geração dos millennials, apesar do potencial financeiro muito maior dos perennials.

As pessoas com mais de 60 anos têm rendimento médio real cerca de 40% maior que o dos millennials, segundo a última carta de conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
DE BEM COM A VIDAMais velhos estão mais satisfeitos com sua aparência - Datafolha Velhice