quarta-feira, 30 de junho de 2010


ANTONIO DELFIM NETTO

Chega de despesa

Nas sociedades constitucionalmente organizadas, nenhum dos Poderes pode propor aumento de despesa (em particular aumentos salariais) sem uma coordenação preliminar com o Poder Executivo.
Mais do que isso, nenhum Congresso ou Parlamento pode aprovar aumento de despesa permanente sem estabelecer fontes também permanentes de seu financiamento.

A necessária independência e harmonia entre os Poderes não pode ser justificativa plausível para que o Legislativo ou uma coalizão do Legislativo e Judiciário proponha livremente seus salários. A cada quatro anos, com a proximidade do processo eleitoral, o Legislativo costuma ser atacado por uma febre "social" para competir com o espírito natalino do manhoso Executivo.

O fato lamentável é que tais desatinos fiscais se fazem à base de "truques interpretativos" que ilidem as disposições da Constituição de 1988 e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nossa situação ainda está sob controle, mas é cada vez mais evidente que lentamente se acumulam compromissos de despesas permanentes cujo pagamento depende do crescimento permanente da receita, o que não pode ser garantido. Trata-se de uma imprudência que põe em risco a própria estabilidade econômica.

Um exemplo claro dessa ameaça é o desequilíbrio da Previdência Social, que o Executivo não tem tido disposição para enfrentar e o Legislativo tem feito todo o possível para aumentar.

A lei que regula a previdência do setor público e pode abrir caminho para uma solução a partir de quando for posta em prática dorme há anos no Congresso em companhia da lei que regula o direito de greve do setor público. Ambas, propostas pelo Executivo, foram abandonadas na "roda" do Congresso como crianças indesejadas...

Recuperamos o crescimento a partir de 2006 com o PAC e desde 2003 fomos beneficiados pelo "bônus" da expansão mundial. Sem maior esforço exportador, passamos de país devedor para país credor e acumulamos US$ 250 bilhões em reservas. Isso aliviou as pressões, deu algum conforto ao governo e permitiu-lhe enfrentar com relativo sucesso a crise mundial.

Estamos hoje bem preparados para um crescimento anual da ordem de 5% a 6% sem problemas internos ou externos. É hora, portanto, de formular um programa que enfrente com inteligência e determinação aqueles problemas. Basta que ele implique num crescimento menor (do que o do PIB) das despesas de custeio e assistência social.

Estas, mesmo ampliadas, deixarão um "excedente" para ser utilizado nos investimentos de infraestrutura que seja capaz de garantir aquelas taxas de crescimento.

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Dominó de greves na USP

SÃO PAULO - A creche central da USP, perto da entrada principal da Cidade Universitária, estava às moscas na hora do almoço. Não havia ninguém no playground, adulto ou criança. Balanços de pneus velhos, grama por cortar, restos de decoração de festa junina pendurados nas árvores e brinquedos vazios conferiam a tudo um aspecto triste, de parque abandonado.

Na porta da creche, fechada pelo segundo dia consecutivo pelo sindicato dos funcionários da USP, uma grande cartolina trazia dizeres como "Serra e Rodas a favor da fome". É uma alusão à decisão do reitor, João Grandino Rodas, de não pagar o salário a cerca de mil funcionários em greve desde 5 de maio.

No dia 8 de junho, coadjuvados por alguns estudantes, grevistas mascarados invadiram a reitoria, onde permanecem acampados. Hoje, ameaçam invadir e paralisar os serviços do CCE, o Centro de Computação Eletrônica, onde são processadas informações da rotina burocrática e administrativa da USP.

Trata-se de uma escalada insana -a reitoria, a creche, a "casa das máquinas". Não há mais como separar reivindicação de sabotagem, protesto de armação ilimitada.

Desde 1994, os funcionários da USP já fizeram 11 greves e ficaram parados 388 dias, como mostra hoje a Folha. Houve paralisações justificáveis? Sem dúvida. Mas o Sintusp desmoralizou o direito à greve. Inventou um grevismo profissional e faz dele um modo de vida -dane-se a maioria. Quanto menos representativos, mais truculentos são.

Sabemos quem paga o pato. Os que dependem do bandejão para comer, dos circulares para se locomover e das creches para poder trabalhar. Já seria muito, mas
não é só.

As aulas não foram interrompidas, o que à primeira vista dá um certo ar de normalidade ao campus. Mas a Edusp, por exemplo, está fechada. Ninguém pode entrar no prédio onde fica a editora da universidade, refém dos piqueteiros. Ontem, eles estavam lá, de plantão. Jogando aquele dominó.


30 de junho de 2010 | N° 16382
MARTHA MEDEIROS


Lady Gagá

Existe uma cantora com visual bizarro que, com apenas 24 anos, já vendeu 10 milhões de CDs e alcançou a marca impressionante de 180 milhões de visitas aos seus clipes no YouTube. Você sabe de quem estou falando, Lady Gaga, a original.

O que eu e ela temos em comum? Também ando ligeiramente bizarra, tanto que poderia adotar para mim o mesmo nome artístico, só que com acento agudo no último a. Lady Gagá.

Não saio por aí com uma lagosta na cabeça, como a referida popstar: minha única excentricidade é não saber mais quem é quem. Outro dia estava no súper, prosaicamente empurrando meu carrinho de compras, quando uma moça simpática passou por mim em sentido contrário e disse: “Bom dia, vizinha”.

Respondi com o melhor bom-dia que já ofereci a uma estranha, e não caí em prantos por uma questão de adequação, já que não convém chorar em supermercados, nem mesmo quando você não consegue mais ler os prazos de validade sem óculos. E tampouco com óculos.

Então ela morava no mesmo prédio que eu? Maravilha. Já devo tê-la encontrado uma dúzia de vezes no elevador, na garagem, na portaria, na reunião de condomínio, e não a reconheci. E ainda tenho a pretensão de que me julguem uma pessoa simpática.

Minhas amigas dizem que tenho que aceitar a realidade: sou considerada blasé por muitas pessoas, pois não as cumprimento na rua. E não adianta alegar que sou a pior fisionomista do globo terrestre, meus oponentes não querem saber de esclarecimentos. Só quem me conhece intimamente sabe que nasci com esse defeito de fabricação e me perdoa.

E quem me conhece superficialmente não percebe nada e por isso não me acusa – até que me encontre pela segunda vez e eu não o cumprimente.

Sim, já me sugeriram a mesma solução que você talvez tenha pensado agora: então por que essa criatura não cumprimenta todo mundo? Se eu estivesse interessada em me candidatar a presidente, quem sabe.

Já escrevi sobre esse assunto e volto a ele para tentar um habeas corpus, qualquer coisa que amplie meu prazo de soltura, antes que a Interpol me capture e me extradite para meu planeta de origem.

A verdade, nada além da verdade, é que eu tenho deficiência para reconhecer pessoas fora do ambiente em que as conheci, então se jantei num restaurante com um casal pela primeira vez, só irei lembrar deles no mesmo restaurante, e nunca na saída do Beira-Rio, e se fui apresentada a algum editor durante um evento literário, a chance de eu reconhecê-lo num ponto de táxi é menos que zero, e, querida vizinha, fora do nosso elevador social, eu estava em franca desvantagem, compreenda.

Sabedores disso, sigam confiando na minha educação e simpatia, mesmo que eu aparente ser uma ratazana insensível.

Tenham piedade dessa lady que já mal reconhece a si própria no espelho.

Lindo dia para vc. Aproveite a quarta-feira


30 de junho de 2010 | N° 16382
DAVID COIMBRA


Velho encontro com Mandela

Conheci Nelson Mandela. Ou, antes, eu o vi em pessoa. Não é pouca coisa. Maria João, a moçambicana dona da pousada em que ficamos em Durban, Maria João disse que Mandela é um santo.

É mais do que isso.

Nenhum santo, provavelmente nenhum homem na história da civilização conseguiu alcançar a façanha de Mandela. Este homem, Mandela, esteve preso por 27 anos. O regime racista contra o qual lutava, e que o levou à prisão, durou de 1948 até a libertação dele, no começo dos anos 90. Quer dizer: durante mais de 40 anos, o racismo foi lei na África do Sul.

Em 1994, finalmente foram realizadas eleições livres e Mandela elevou-se à presidência. Poderia ter se vingado, como muitos negros queriam, e ainda querem. Poderia ter partido para a revanche. Ao contrário: Mandela ensinou aos sul-africanos que todos eles, brancos, negros, mestiços e indianos, faziam parte do mesmo país, que eram irmãos e que tinham de conviver em harmonia.

No discurso tudo isso é muito bonito, só que, estando aqui, pode-se constatar que Mandela conseguiu atingir seu objetivo na prática. A todo momento ouço brancos e negros repetindo que o país mudou, que atitudes intolerantes não são mais aceitas, que é preciso olhar para frente.

É evidente que ainda existem radicais de ambas as partes, mas a ideologia de paz de Mandela entranhou-se na alma dos sul-africanos. Racionalmente, Mandela conseguiu mudar os africanos sentimentalmente. Hoje ele é uma unanimidade, é amado e respeitado por todos. É mais do que um santo.

Pois estive frente a frente com esse homem. Foi em julho de 1991. Fazia pouco mais de um ano que Mandela havia sido libertado da prisão. Viajara ao Brasil para visitar Brizola, que governava o Rio de Janeiro.

Por coincidência, também fui ao Rio e também queria encontrar Brizola. Estava preparando uma alentada reportagem sobre os 30 anos da Campanha da Legalidade, já havia entrevistado praticamente todos os personagens envolvidos na história, menos um. O mais importante. Brizola.

TINHA de entrevistar Brizola para que minha matéria ficasse completa. Mas não conseguia... Ele se negava a falar sobre o assunto. Queria, como Mandela, olhar para frente, queria ser presidente da República e achava que remoer aquela velha história de rebeldia não lhe traria novos amigos.

Liguei mais de 80 vezes para o Rio, tentando falar com Brizola, a conta telefônica do jornal deve ter subido a Saturno. Tudo em vão. Ele estava decidido a não falar. In extremis, resolvi arriscar.

Menti ao diretor do jornal que havia marcado a entrevista, porque só com a entrevista marcada ele me daria a viagem. Assim, embarquei para o Rio confiante em meu poder de persuasão. Supunha que, chegando lá, apresentando-me pessoalmente, convenceria Brizola a falar.

Como diria Chico Buarque, qual o quê! Brizola não me recebia de jeito nenhum. Acampei na sala de espera do gabinete dele. Passei lá dois dias e duas noites praticamente inteiros, os secretários de Estado estavam todos solidários com meu drama. Foi aí que um deles me assoprou: Brizola receberia Mandela no Copacabana Palace.

A parte inicial do programa era fechadas aos jornalistas, mas os secretários, que àquela altura já eram meus amigos, ou ao menos tinham pena de mim, me colocariam no hotel e me poriam diante de Brizola. A partir daí, cabia a mim convencê-lo a dar a entrevista.

A etapa inicial do plano deu certo. Fui introduzido no hotel e posto em frente a Brizola e Nelson Mandela. Ficamos eu e os dois grandes políticos parados no saguão. Olhei para Mandela. Ele ainda não havia se transformado em santo. Sua grande obra se daria nos anos seguintes. Mesmo assim, era uma figura impressionante.

Um homem alto, mais alto do que eu, que meço 1m82cm. Magro, muito ereto e elegante dentro do seu terno. Os cabelos grisalhos. A pele de um tom marrom-caramelo, se é que essa cor existe. Sorria com serenidade, um sorriso sem dissimulações, que convidava o interlocutor a sorrir também. Seria amigo deste homem, pensei.

Mas não lhe dei mais importância. Preocupava-me era com Brizola. Ele me daria a entrevista?

Não.

Essa foi sua resposta: não. Eu mentira ao diretor do jornal para conseguir a viagem, eu estava havia dois dias no Rio, eu falara com Brizola. Não podia voltar sem a entrevista.

No momento em que ele disse o não definitivo, os secretários me apartaram do lugar. Fiquei sentado nas escadarias do Copacabana Palace, com vontade de chorar. Brizola e Mandela conversaram por algum tempo, depois o local foi aberto aos demais jornalistas, que entrevistaram os dois em coletiva. Pouco me importava a coletiva. Fiquei esperando que terminasse. Quando Brizola e Mandela saíram, corri até eles.

– Governador! – Chamei. Brizola me olhou, enquanto descia a escadaria do hotel. – Governador, o senhor sempre fala nas crianças. As crianças, os jovens não conhecem a Legalidade. O senhor tem que contar essa história, governador! Pelos jovens! Pelas crianças!

Brizola parou. Mandela parou também. Mandela ainda sorria, observando-me, decerto considerando-me inconveniente, como, aliás, estava sendo. Brizola pensou por um momento. E sentenciou:

– Falamos mais tarde. Me procura no gabinete.

Horas depois, à meia-noite, ele me concedeu a entrevista no Palácio das Laranjeiras. Voltei para Porto Alegre com a matéria. E com uma lembrança de Mandela de brinde. Lembrança rala, talvez seja, mas ao menos tenho uma.


30 de junho de 2010 | N° 16382
L. F. VERISSIMO


O homem surpresa

O Bayern de Munique comprou Lúcio do Bayer Leverkusen em 2004. Lúcio jogou cinco anos em Munique, até o Bayern decidir dispensá-lo, como parte da renovação da sua equipe.

Lúcio estava chegando à idade em que os zagueiros normalmente entram em declínio, perdem o reflexo e a elasticidade e não conseguem mais enfrentar atacantes jovens. Lúcio não servia mais para o Bayern e, implicitamente, não servia mais para o futebol.

Abandonou a carreira e voltou para o Brasil, onde tornou-se pastor e gosta de reunir amigos para lembrar os bons tempos em que... Espere um pouquinho. Não foi nada disso. Esta seria a história segundo as previsões do Bayern. Nem Lúcio abandonou o futebol, nem o futebol abandonou Lúcio, como sabe quem acompanha os dois times em que ele ainda joga, a Internazionale de Milão, multicampeã na Europa, e a Seleção Brasileira, em que ele é titular desde 2000.

O erro do Bayern Munique foi achar que Lúcio era um jogador normal. Em vez de declinar, ele melhorou. Parece ter chegado ao auge nesta Copa. (Parênteses nada a ver: sempre achei “Auge” um bom nome para hotel de luxo. Daqueles com um almirante na porta e tapete vermelho até a calçada. Ao “Auge” só se chega de limusine branca. Fecha parênteses).

Ele e o Juan formam a melhor dupla de área que a Seleção teve nos últimos tempos. Olha, vou até arriscar: de todos os tempos. E, porque tem uma voracidade pelo jogo que talvez explique sua perenidade, gosta de invadir o campo adversário com a bola dominada, como o que nós, do ramo, chamamos de “homem surpresa”, o cara que confunde a defesa adversária e escapa da marcação, porque não deveria estar ali. Desde que o Bayern de Munique se confundiu com ele, o Lúcio tem sido o homem surpresa do futebol mundial.

Com as torcidas se fantasiando e se pintando cada vez mais para aparecer na TV, tem-se visto cenas insólitas, como a de gueixas e samurais desconsolados, com a pintura escorrendo junto com as lágrimas, chorando a derrota do Japão para o Paraguai nos pênaltis, ontem. (Que, por sinal, reforçou a estatística que eu mencionei, da melhor sorte de goleiros vestindo verde nas cobranças de pênaltis...)

E, com a vitória do Paraguai, continua intacto e majoritário o bloco sul-americano que enfrentará os sobreviventes da Velha Europa e da Nova África nas quartas de final. Já no jogo Espanha e Portugal, duas de quatro estrelas que iriam brilhar nesta Copa, Xavi e Iniesta, se destacaram, e duas, Cristiano Ronaldo e Fernando Torres, desapareceram. Com a diferença que o Torres ainda pode se reabilitar.


30 de junho de 2010 | N° 16382
PAULO SANT’ANA


Bolão talhado pra Pablo

Cometeram ontem a tolice de convidar Pablo para participar de um bolão.

É um bolão muito inteligente e se refere ao próximo jogo do Brasil, contra a Holanda.

O bolão consiste no seguinte: escolhe-se um resultado, por exemplo, Brasil 1 x 0 Holanda, e faz-se um leilão deste escore. Aquele que der mais dinheiro por ele fica com esta aposta.

E por aí vai. Vão leiloando um a um os resultados prováveis, desde 1, 2, 3, 4 para o Brasil até 1, 2, 3, 4 favoráveis à Holanda.

E Pablo, sorrateiro, ficou ali à espera de que fossem leiloados os resultados que ele queria.

Até que Pablo viu serem ofertados 1 a 0 para o Brasil e 2 a 0 para o Brasil. E Pablo ficou a lutar no leilão com os lances para esses dois resultados. Insistiu Pablo em cobrir os lances para 1 a 0 e 2 a 0 para o Brasil.

Afinal, ninguém deu mais dinheiro do que Pablo por 1 a 0 e 2 a 0 para o Brasil, paguei R$ 400 de lance por Brasil 1 x 0 Holanda e R$ 200 de lance por Brasil 2 x 0 Holanda.

Todos os resultados foram vendidos, inclusive três estranhos: como não havia o escore de empate no bolão, foi criado o seguinte resultado: Holanda vence nos pênaltis. E outro resultado: Brasil vence nos pênaltis. Foram transformados em duas apostas, cada uma valeu R$ 50.

Finalmente, uma aposta mais foi leiloada: qualquer resultado exótico que não tinha sido leiloado. Assim, se der Brasil 5 x 1 Holanda, Brasil 6 x 0 Holanda, Holanda 5 x 0 Brasil, qualquer resultado que não tenha sido leiloado, vence esse apostador. Custou R$ 100 essa aposta.

Eu estou com o coração na mão, porque este bolão, criado pelo meu amigo Nílson Sibowsky, atingiu a seguinte quantia que será paga ao vencedor: R$ 4,5 mil.

Vocês podem imaginar como me sinto, na expectativa de ganhar este bolão, são grandes as minhas chances, tenho dois resultados muito prováveis.

Já começo a imaginar que o jogo permaneça empatado durante o primeiro tempo e, no segundo tempo, logo no início, o Brasil faça um gol.

Eu não caberei no meu nervosismo, torcendo para que a Holanda não faça gol e o Brasil também não faça, embora o 2 a 0 para o Brasil também me sirva. Mas é que com 2 a 0 e o jogo em andamento existe o perigo de 3 a 0.

Não sei por que já me considero vencedor deste bolão.

Em primeiro lugar, porque creio firmemente que o Brasil vai ganhar esta partida. O diabo é que ficarei sem o dinheiro do bolão se o Brasil vencer por 2 a 1, 3 a 1, 4 a 1, 3 a 2, 4 a 3.

Tem de ficar no 1 a 0 ou no 2 a 0 para eu vencer.

Vou vencer e os meus amigos terão uma lição, nunca se metam a fazer apostas comigo, não se atrevam a fazer bolão com Pablo.

Porque Pablo é igual a Paulo Maluf: nunca perdeu qualquer bolão de que participou.

Estão me martelando a cabeça quatro versos do meu poeta Augusto dos Anjos:

Bati nas pedras de um tormento rude

E a minha dor de hoje é tão intensa

Que eu penso que a alegria é uma doença

E a tristeza é a minha única saúde.

terça-feira, 29 de junho de 2010



29 de junho de 2010 | N° 16381
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Receita de inverno

Neste inverno que está começando, não gostaria de desejar a mulher do próximo, por mais sedutora que ela me parecesse.

Não gostaria de invejar os amores felizes, por mais secretos que eles se mantivessem.

Não me agradaria cometer o pecado do arrependimento, porque no fundo sou um homem absolvido.

Não ousaria pedir um olhar da deusa que amo em silêncio.

Não projetaria nenhum grande plano, porque me servem os minúsculos com que se distrai meu coração.

Não abandonaria a leitura dos muitos livros que percorro, pois todos eles têm segredos a contar-me.

Não calaria a música que escuto ao entardecer, já que ela é a protofonia dos sonhos que virão com a noite.

Não deixaria de assistir ao filme em que se resumem todos os caminhos da imaginação.

Não esqueceria de telefonar à amiga que autossentenciou-se à solidão em seu branco apartamento indevassável.

Não me isentaria de escutar o concerto de todos os pássaros a cada manhã.

Não me cansaria de contemplar a magia plástica deste quadro que me dá a honra de sua companhia.

Não faltaria à peça de teatro em que o enredo e os personagens espelham a própria vida.

Não perderia a noção de que a existência é um caminho oculto, de que só nós temos a chave.

Não esqueceria os amigos, pois eles são a senha de nossa trajetória sobre a Terra.

Não olvidaria o passado, já que é o prumo de tudo o que somos e do que seremos.

Não desdenharia o presente, posto que é a singradura do que vivemos.

Não me inquietaria o futuro, porto seguro do amanhã que construo hoje.

Não me dariam saudades os idos amores, eis que se completaram em si mesmos em seus círculos perfeitos.

Não me inquietariam os amores de agora, ecos de sua suave irrealidade.

Não me preocupariam os amores de amanhã, reflexos de momentos ainda por desvendar.

Assim gostaria que fosse este inverno que está começando, íntegro e perfeito tanto quanto pode a circunstância humana.


9 de junho de 2010 | N° 16381
CLÁUDIO MORENO


Moral e civismo

Um juramento – Na Grécia antiga, a passagem para a idade adulta era marcada por várias cerimônias formais. Para se tornar cidadão, todo ateniense que completasse dezoito anos se obrigava, entre outras coisas, a fazer um juramento solene, diante dos deuses e dos homens.

Este belíssimo texto, do qual nos chegaram várias versões, rezava mais ou menos o seguinte: “Não desonrarei as armas de meus antepassados, nem abandonarei meu companheiro na batalha. Lutarei na defesa de nossos deuses e de nosso povo, até mesmo sozinho, se necessário.

Transmitirei a meus filhos uma pátria melhor e mais próspera que esta que agora recebo. Respeitarei as ordens dos magistrados e as leis que o povo decidir de comum acordo; se alguém ameaçar essas leis ou a elas desobedecer, eu as defenderei...” – e por aí afora. Sempre que leio essas linhas, sinto ao longe o raro perfume de flores já quase extintas.

Função dos governantes – Quando Demétrio conquistou a Macedônia, ninguém gostava dele. O povo não se queixava de suas roupas extravagantes nem do luxo supérfluo que mantinha no palácio, mas sim da extrema dificuldade em ter acesso ao novo rei para, como era o costume, apresentar-lhe seus pedidos de justiça. Certa feita, andando pelas ruas com sua comitiva, deixou-se cercar por populares entusiasmados, que aproveitaram a ocasião para lhe entregar suas petições.

Com ar alegre, o rei ia recolhendo todos aqueles pergaminhos na aba levantada de seu manto, e a multidão, encantada com a mudança, começou a segui-lo, entre risos e aplausos – até que ele chegou à ponte sobre o rio Axius e ostensivamente jogou todos aqueles rolos na correnteza.

Um dia, porém, teve o passo atalhado, na rua, por uma resoluta mãe de família que se pôs a implorar, insistentemente, que ele a ouvisse. “Não tenho tempo para isso”, declarou, desdenhoso – ao que ela retrucou, furiosa: “Pois então não seja rei!”. Essas palavras tocaram Demétrio de tal maneira que passou vários dias a receber, no palácio, todo cidadão que desejasse falar com ele – a começar, é claro, pela indignada cidadã que soube reivindicar seu direito.

O nome na lista – Alexis de Tocqueville, nas suas Recordações da Revolução de 1848, fez questão de incluir um incidente menor, mas extremamente significativo para quem estuda o caráter dos homens: em meio àquela grande confusão social, os revolucionários, para anunciar ao povo a lista dos cidadãos que comporiam o Governo Provisório, foram pedir a um dos líderes, Lamartine, que lesse os nomes em voz alta, do topo da escadaria.

“Não posso”, disse ele. “Meu nome consta nela”. Procuraram então um tal Crémieux, a quem fizeram o mesmo pedido. “Vocês estão malucos”, respondeu, “se pensam que eu vou ler uma lista em que não aparece meu nome!”.


29 de junho de 2010 | N° 16381
PAULO SANT’ANA


Estúpido assassinato

Como todos os leitores de Zero Hora, comovi-me com a professora que foi assaltada e estava no seu carro. Foi morta com dois tiros.

Ela simplesmente fez menção de retirar o cinto de segurança e o ladrão fuzilou-a, sem roubar nada.

Que medo podia ter esse ladrão de uma simples mulher? É evidente que mulheres não andam armadas, como pôde o ladrão desconfiar de que ela iria puxar um revólver?

Qualquer assassinato é brutal, mas este da professora revolta.

É demasiada a violência e nos leva a imaginar medidas extraordinárias para conter esta onda de criminalidade, que, se fosse só constituída de roubos com prejuízos materiais às vítimas, ainda seria tolerável.

Mas mulheres e homens sendo assassinados estupidamente por malfeitores inexperientes é fato que nos leva a uma indignação raivosa.

Nunca foi tão fácil ganhar uma Copa do Mundo.

O Chile parecia ser um desses times que o Grêmio e o Internacional enfrentam no Gauchão.

A Holanda, próximo adversário do Brasil, é melhor que o Chile, mas não é muito melhor que o Chile.

Por sinal, Holanda e Argentina ganharam as quatro partidas que jogaram até agora nesta Copa.

Já o Brasil não ganhou uma das quatro, contra Portugal.

O Brasil parece ser o favorito para o título. O time de Dunga dá a impressão de que não joga bem como seria o ideal, mas é capaz de se superar conforme as dificuldades. Ou seja, vem jogando para o gasto.

A Argentina passa uma impressão contrária: joga bem, mas parece que a qualquer tempo pode se tornar um castelo de cartas.

Já a Alemanha, esta sim, como o Brasil, parece ser um adversário com que ninguém gostaria de se defrontar.

Esta é uma sorte brasileira, sem dúvida, não ter de enfrentar nem Argentina nem Alemanha antes da finalíssima.

O caminho para o título está pavimentado para o Brasil. Qualquer pessoa dirá que o Brasil é melhor do que a Holanda e o Uruguai, os dois compromissos que o Brasil terá antes da finalíssima.

Tudo indica que o Brasil irá até a finalíssima e lá se defrontará contra o vencedor de Argentina x Alemanha.

O certo é que a seleção campeã terá a letra a no seu nome. E também se pode dizer que a seleção campeã terá as letras a e r no seu nome, levando-se em consideração que Alemanha em inglês é escrita Germany.

Interessante, dois jogadores que eram considerados sensações desta Copa, Messi e Kaká, ainda não fizeram gol.

Mas os dois não estão jogando mal.

Fiz uma experiência ontem: vim de minha casa em meio ao primeiro tempo de Brasil x Chile: eu queria saber como era o trânsito enquanto o Brasil jogava.

Parecia que Porto Alegre tinha voltado ao século retrasado, um ou outro carro na rua, levei da minha casa até ZH menos da metade do tempo que gasto quando o trânsito está engarrafado.

Isso prova que a Copa do Mundo atrai a atenção de todos, até mesmo dos que não gostam de futebol.

Ah, se o trânsito fosse sempre assim!


29 de junho de 2010 | N° 16381
MOACYR SCLIAR


O discutível humor étnico

O Ministério Público Federal de Minas Gerais recomendou que a Ambev retirasse do ar o comercial que faz piada, aliás sem muita graça, a respeito da rivalidade entre brasileiros e argentinos. A propaganda da cerveja Skol mostra torcedores com a camisa da seleção argentina que, depois de abrirem uma lata de cerveja, são chamados de “maricón”.

Piadas sobre argentinos são frequentes em nosso país; no Google existem nada menos que 428 mil referências a respeito, superando em número as piadas de português (417 mil). “Curte sacanear os argentinos?”, pergunta um dos sites, para acrescentar, cúmplice: “Nós também.”

Essas piadas se enquadram no chamado humor étnico, extremamente difundido em nosso mundo. Nos Estados Unidos são alvos preferenciais os poloneses, considerados pouco inteligentes, os chineses (comem cachorro), os mexicanos, que usam carros caindo aos pedaços. Em muitos outros países, existem ditos e anedotas similares. O humor étnico corresponde a um estereótipo, em geral agressivo.

O sociólogo americano Gordon Allport criou uma escala sobre a agressividade intergrupal, com cinco graus. Assim, um grupo pode ser ignorado ou evitado, pode ser francamente discriminado (“Negros não entram”), pode ser fisicamente atacado ou pode ser exterminado: o Holocausto, negado pelo presidente do Irã. Mas tudo, diz Allport, começa com palavras: frases insultuosas, anedotas, que constituem o primeiro grau da agressão.

Pergunta: tem o humor étnico alguma base na realidade? Pode ter. Os chineses comiam cachorro por falta de outras fontes de proteína. Os mexicanos compravam carros velhos porque eram pobres. Os judeus, na Idade Média, tornaram-se usurários porque outros ramos da atividade econômica lhes foram proibidos.

Tomem, no Brasil, o caso dos portugueses. Os primeiros que aqui chegaram, os donatários por exemplo, não eram objeto de gozação. No século 19, vieram portugueses pobres, incultos, que sobreviviam graças ao trabalho físico; daí as anedotas.

Mas depois Portugal entrou no Mercado Comum Europeu, prosperou – e as piadas se foram, substituídas pelas de baiano (também sumiram, felizmente). O fato de alguns argentinos classificarem os brasileiros como “macaquitos” alude, de maneira grosseira e ofensiva, à presença dos negros em nossa população. A crua observação pode gerar perigoso preconceito – quando as pessoas começam a acreditar que o característico “está no sangue”, que é inevitável, e que, no caso extremo chega ao extermínio.

Humor é para ser engraçado, para provocar riso, mas pode ser uma coisa problemática. O limite é tênue. O humor judaico baseia-se em piadas sobre judeus; mas só é humor se estas são contadas pelos próprios judeus; contadas por outros, e dependendo do tom e das circunstâncias, pode ser antissemitismo.

Conclusão: na dúvida, é melhor evitar esse tipo de anedotas ou de ditos, e neste sentido fez muito bem o MPF de Minas. Propaganda de cerveja já é coisa muito duvidosa; associada a uma piada ofensiva fica ainda pior. Piadas sobre argentinos podem ser engraçadas. Desde que contadas, ou endossadas, pelos próprios argentinos.

A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre comemora seus 60 anos com um magnífico programa de imperdíveis concertos. Parabéns, Ospa. Parabéns, Ivo Nesralla.

segunda-feira, 28 de junho de 2010


MOACYR SCLIAR

A vuvuzela como sonho

Um dia alguém comporá sinfonia em dó menor para vuvuzela e orquestra que será tocada no Municipal

A Premier Inn, uma das maiores cadeias hoteleiras do Reino Unido, anunciou a proibição das vuvuzelas, as cornetas de plástico que dividiram as opiniões no Mundial-2010. A empresa, que conta com 580 hotéis pelo mundo, proibiu as vuvuzelas depois que torcedores perturbaram o sono de seus hóspedes no hotel central de Newcastle, Inglaterra. Criada por Freddie Maake, torcedor do Kaizer Chiefs, medindo de 50 cm a 2 m e relativamente barata, a vuvuzela tornou-se muito popular.

Desde criança, seu maior desejo era tocar um instrumento musical. E bem que tentou. Com o apoio dos pais, fez primeiro aulas de piano. Sem resultado: a professora mandou-o embora, dizendo que ele não tinha o menor futuro naquele instrumento. Seguiu-se o violino, a harpa, o fagote. Nada. Por sugestão da mãe, partiu para o popular: violão, cavaquinho. Inútil. Não conseguia tocar coisa alguma, nem mesmo pandeiro.

Aos treze anos, considerava-se um completo fracasso, alguém que teria de renunciar aos sonhos e conformar-se com a dura realidade. Foi então que descobriu a vuvuzela. Claro, já conhecia essa estranha corneta de plástico, mas na verdade não havia se interessado muito por ela até então. Com a Copa, porém, e com a visão de milhares de pessoas fazendo soar suas vuvuzelas, ele se entusiasmou.

Com o dinheiro da mesada comprou uma vuvuzela particularmente grande, com quase um metro de comprimento, e particularmente poderosa: o som que ali saía, e que parecia o zumbido de abelhas enfurecidas, fazia vibrar as paredes da casa. E enchia-o de satisfação. Pela primeira vez estava fazendo música, ou algo que considerava como música.

E, para isso, não precisava de professor nem de partituras. Bastava-lhe a vontade de fazer soar aquela coisa, e essa vontade não lhe faltava nunca. Freddie Maake, o inventor da vuvuzela, transformara-se em seu ídolo. Tinha até uma foto do homem pendurada em seu quarto. Quem não estava gostando nada da situação eram os pais, que não aguentavam mais aquela vuvuzela. Os vizinhos também começaram a reclamar e ameaçaram fazer queixa à polícia.

Quando o pai leu no jornal que uma cadeia de hotéis ingleses tinha proibido as vuvuzelas, sentiu-se autorizado a fazer a mesma coisa. Chamou o filho, mostrou-lhe a notícia e fez o comunicado: a nossa casa não é hotel, mas vale aqui o mesmo princípio: você não pode mais tocar vuvuzela. E ele não toca mais vuvuzela. A corneta -cuidadosamente enrolada em um pano- está guardada em seu roupeiro, aguardando a oportunidade para o retorno. Mais cedo ou mais tarde, ele tem certeza de que o retorno ocorrerá.

Um dia a vuvuzela será reconhecida como o instrumento musical de nosso tempo, superior ao clarinete e ao oboé. Um dia alguém comporá uma sinfonia em dó menor para vuvuzela e orquestra. E um dia essa peça será apresentada ao público no Municipal.

Ele será o solista, claro. Quando a última nota soar, e quando os aplausos estrugirem, ele se inclinará diante do público, com sua vuvuzela, sorrindo feliz por ter, enfim, realizado seu sonho de tocar um instrumento.

moacyr.scliar@uol.com.br


Pobre e desigual

Pesquisa de Orçamentos Familiares mostra que país avança, mas ainda precisa gastar melhor para superar carências e desigualdades

No início do ano passado, cerca de 22% dos brasileiros viviam com o equivalente R$ 6 por dia -preço aproximado daquilo que restaurantes populares chamam de "prato feito". A renda média das famílias dessa faixa era de R$ 544,21, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada na semana passada, que traz valores referidos ao mês de janeiro de 2009.

Uma cesta básica custava àquela altura R$ 215. Seus itens permitiam nutrir quatro pessoas de maneira precária. E a família precisaria arcar com despesas relativas a outros itens, como habitação, energia, transporte e roupas.

A atenção aos detalhes é proposital. Ressalta os rigores da vida de um Brasil eufórico por se projetar como potência econômica, mas nem sempre atento ao fato de que ainda é um país relativamente pobre e, em demasia, desigual.

Há de fato crescimento com alguma distribuição de renda. Segundo o economista Marcelo Neri, do ano de 2003, data da POF anterior, ao de 2009, o rendimento dos 10% mais pobres aumentou 42%; o das pessoas no décimo superior da renda subiu 13%.

Porém, no Nordeste, em 2003, a renda média per capita dos 10% mais ricos era 11,8 vezes maior que a dos 40% mais pobres da população. Em 2009, "recuou" para 11,4 vezes. No Sudeste, passou de 8,3 vezes para 8,2.

A pobreza foi em parte reduzida graças a transferências sociais. Para as famílias cuja renda era de até dois salários mínimos, em 2009 (22% da população), mais de 21% do rendimento advinha de benefícios e aposentadorias públicas federais.

Valores pagos pelo INSS e programas sociais em geral representam parcela maior da renda dos mais pobres do que dos mais ricos. Tal progressividade é porém discutível. O valor absoluto dos benefícios é mais alto nas faixas de maior renda. Além do mais, os 22% mais pobres, com renda familiar per capita de R$ 177, recebem relativamente menos do INSS que a parcela seguinte da distribuição, os 17,4% da população, com renda de R$ 355.

A grande disparidade está nas aposentadorias e pensões públicas que não são pagas pelo INSS -de servidores federais e estaduais. Entre os 22% mais pobres, 0,9% da renda vem daí. No topo da distribuição, os 3,81% mais ricos, 9% da renda média per capita de R$ 5.452 vem de aposentadorias e pensões.

São aposentadorias para as quais em geral não houve contribuição, responsáveis por deficit tão grande quanto o do INSS, que no entanto beneficia dez vezes mais cidadãos.

A iniquidade fica ainda mais evidente quando se trata do Bolsa Família. Custa um vigésimo da despesa do INSS e alcança os mais miseráveis, mas metade da população com renda adequada ao programa não recebe o benefício.

Sabe-se que não será com transferências sociais que se acabará com a pobreza -aliás, além de um certo ponto, tais programas podem se tornar contraproducentes e insustentáveis.

Além da dose de realismo que trazem, pesquisas como essa deveriam servir para estimular a reorganização dos gastos sociais e tornar menos sombria a vida de grande parte dos brasileiros.


28 de junho de 2010 | N° 16380
DAVID COIMBRA


A moça que veio de Malawi

Miranda é de Malawi. Ela e as outras duas camareiras da pousada que nos hospeda em Joburg. Converso mais com Miranda por ser ela quem cuida do meu quarto. Mostrei-lhe uma foto do meu Pocolino, que está fazendo serelepices aí em Porto Alegre. Ela fez uó:

– Uóóó...

No mundo inteiro mulheres de todas as raças, cores e crenças apitam quando veem criancinhas.

Contou-me, Miranda, que tem uma filha de sete anos. Perguntei onde andava a menina. Miranda respondeu, e em meio à frase percebi um leve engasgo, que sua pequena ficara em Malawi com os avós. Foi o tal leve engasgo que me levou à pergunta seguinte:

– Há quanto tempo você não a vê?

Uma luz de tristeza dançou nos olhos negros de Miranda antes de ela sussurrar:

– Dois anos...

Não fiquei menos saudoso do meu filhinho. Fiquei mais compassivo por Miranda.


As crianças de Madonna

O Malawi de Miranda é um dos países mais pobres da África, o que significa dizer que é um dos países mais pobres do mundo.

Você já ouviu falar de Malawi: Madonna esteve lá para adotar duas crianças, lembra? O governo de Malawi não queria permitir as adoções por algum motivo, mas Madonna conseguiu vencer a burocracia estatal. Não há nada que Madonna não consiga.


O Japão da África

Malawi tem esse nome por causa de um grande lago à beira do qual se esparrama o país: o Lago (obviamente) Malawi. O doutor Livingstone foi o primeiro homem branco a pisar lá. Era o que o doutor Livingstone fazia na África: descobria lugares inóspitos, travava amizade com os nativos, plantava no chão duro uma capela e os convencia a adotar o cristianismo. Teve sucesso em Malawi, o doutor Livingstone.

A língua que se fala em Malawi é o chinyanja. Em chinyanja, “malawi” significa “nascer do sol”, porque é de seu vasto lago que o sol se ergue todos os dias.

O país do sol nascente, portanto. Malawi é o Japão da África.

Como diria Zapata

A história de Miranda é a história de milhões. Não há emprego em tantos paupérrimos países do continente, então as pessoas emigram para onde pode haver. Esse lugar, há uns 15 ou 20 anos, era o Zimbábue, a antiga Rodésia do inglês Cecil Rhodes. Miranda, inclusive, orgulha-se de ter estudado no Zimbábue, onde havia educação não apenas gratuita, mas de excelência.

Ao ser empossado como presidente, em 1980, Robert Mugabe manteve os investimentos em educação, o país se desenvolveu, era uma pérola africana. Mas lentamente, ou talvez nem tão lentamente assim, Mugabe transformou-se em um tirano implacável. Destruiu o próprio país. Perguntei a um zimbabuano o que havia acontecido a Mugabe. Ele sorriu um sorriso triste e respondeu com uma única palavra:

– Poder...

Como disse um dia Emiliano Zapata, o poder corrompe.

Corrompido Mugabe, arrasado o Zimbábue, o polo de empregos abaixo do Saara, agora, é quase que só a África do Sul. Africanos de todos os cantos convergem todos os dias para o vértice do continente. O que cria alguns problemas para os sul-africanos, verdade, mas também traz possibilidades. A África do Sul está mudando, essa gente toda está se misturando, transformando esse país em algo novo no mundo. Algo parecido... com o Brasil.


No continente africano, um caldeirão de línguas e povos

No Brasil, as raças se fundiram na poeira dos séculos e continuam se fundindo. Mas no Brasil houve sempre uma única língua a facilitar esse processo. Na África do Sul, não. Na África do Sul as línguas são muitas, 11 oficiais, e mais outras tantas. O inglês é a quinta, mas como o país está se abrindo cada vez mais para o Exterior, logo ganhará mais importância.

Na África do Sul você quase pode ver (ou ouvir) as línguas se miscigenando. O próprio africâner, a língua dos colonizadores brancos, é uma mistura de holandês com alemão e inglês. O hino do país, o Nkosi Sikelele iAfrika, é cantado em quatro línguas. Volta e meia pergunto aos sul-africanos se eles entendem tudo o que é cantado no hino. Eles não entendem. Mas cantam. Sabem a letra toda.

No dia a dia, os sul-africanos vão fundindo as línguas. Vez em quando, um branco exclama:

– Aikona!

Quer dizer “de jeito nenhum”, e é em zulu.

Um branco também pode mandar:

– Hamba!

Que é “cai fora”.

E ele chama o amigo de “meu china”. Diz-se “tchaina”.

– Rélou, mai tchaina!

Nas minas já se fala uma língua que são todas juntas. É o “fanagalo”. O fanagalo não é apenas um cozido das línguas sul-africanas. Neste panelão estão várias outras línguas do continente, porque são muitos os estrangeiros que trabalham debaixo do solo sul-africano, tirando de lá o ouro, a prata, a platina, o carvão.

Essa mistura não vai parar jamais, porque a África é muito variada. Quer ver? Os tanzanianos, sabe quantas línguas eles falam? Cento e vinte. Há 10 mil povos diferentes na África. Dez mil! Dizem que os europeus dividiram a África em 50 países durante a famosa Conferência de Berlim, no século 19.

Dividiram, sim, mas entre si. Na verdade, os brancos UNIRAM povos que, em muitos casos, queriam continuar separados. Querem ainda, na verdade. Há muita intolerância racial na África. Tanto quanto na Europa, na Ásia e na América do Norte. Mais do que na América do Sul. Muito mais do que no Brasil.


28 de junho de 2010 | N° 16380
L. F. VERISSIMO


Lições de alemão

A vitória da Alemanha sobre a Inglaterra foi uma aula para todo o mundo. A começar pelos comentaristas, incluindo, modestamente, eu, que tinham visto na derrota dos alemães para a Sérvia, depois de a Alemanha arrasar com a Austrália, um alerta contra primeiras impressões enganosas.

Lição: a primeira impressão é que estava certa. A lição para a Inglaterra foi que não se forma um time em torno de dois jogadores de meio-campo, no caso Gerrard e Lampard, que não têm mais pernas para voltar quando perdem a bola.

Dois dos quatro gols da Alemanha nasceram de bolas perdidas na intermediária alemã por um meio-campo sem poder de recuperação. Gerrard e Lampard foram grandes, ainda chutam como ninguém, mas começam a sofrer de velhice, uma condição que cedo ou tarde afeta a todos, mas é fatal para volantes com ambições de atacantes.

Lição para todos foi o futebol enxuto da Alemanha, de poucos e precisos passes, que dá ao adversário a ilusão de ser o dono do jogo, mas o liquida com quatro estocadas certeiras. Em linguagem econômica, a seleção alemã foi um exemplo de relação custo-benefício, ou volume de jogo e bola na rede adversária, perfeita.

E lição para a Fifa, é o que todo mundo espera, foi o grosseiro erro de arbitragem naquela bola chutada pelo Lampard que bateu no travessão e cerca de meio metro dentro do gol. O juiz não viu, e o bandeirinha, presumivelmente, estava comentando o jogo com alguém na arquibancada.

Com tantos recursos técnicos a sua disposição, só por conservadorismo incrustado ou birra a Fifa não toma providências para que isso não aconteça mais. E, além de todas essas lições, ainda tivemos aulas particulares de futebol objetivo dadas por Arne Friedrich, Sami Khedira, Bastian Schweinsteiger, Mesut Özil e Thomas Müller.

Já a única lição sobre como ter sucesso no futebol da vitória da Argentina sobre o México foi: reze para nascerem um Messi e um Tevez na mesma geração, no seu país. Alemanha e Argentina não vai ser um jogo entre escolas diferentes, vai ser um jogo entre o método e a boa fortuna genética.

Estamos vendo ótimos jogos de futebol nesta segunda fase. Mas, infelizmente, péssimas arbitragens. No primeiro gol da Argentina – em claro impedimento –, houve outro erro grosseiro. Desta vez, o bandeirinha talvez estivesse atendendo o seu celular.


28 de junho de 2010 | N° 16380
KLEDIR RAMIL


O nome do jogo

No primeiro dia da Copa do Mundo imaginei que o nome do jogo seria Tshabalala. Depois fiquei pensando que talvez fosse Jabulani ou Vuvuzela. “O nome do jogo” é uma expressão usada para identificar o melhor jogador em campo. Acontece que, quando o jogo está chato, meu pensamento começa a buscar diversão em outro lado.

Aí, essa expressão ganha pra mim um outro sentido, mais ao pé da letra, e eu me distraio brincando com as palavras, procurando nomes que tenham algum significado interessante ou uma sonoridade fora do comum.

Há, por exemplo, no time norteamericano um sujeito chamado Altidore. Parece nome de brasileiro que não sabe falar inglês e escreve o que escuta. Aqui no Brasil temos vários nomes assim, esquisitos, tipo Maicoldiéquissom, Uóxinton, Dimi Rêndriquis.

Os jogadores orientais têm nome curtos que soam sempre estranhos para nós: Cha, Cho, Shin. A Grécia tem um Sócrates Papastathopoulos, que de craque só tem o nome. Na África do Sul tem um cara chamado Ngcongca. Dei um nó na língua.

O México tem um Guardado e um Torrado. Particípio passado. Portugal tem um Rolando, no gerúndio. Na Argentina tem o Palermo, que vem a ser o masculino de palerma. A Nigéria tem o Obina original.

A Argélia tem um goleiro chamado Gaouaoui. Não poderia tocar na banda Pouca Vogal. Já o Schweinsteiger da Alemanha poderia fazer um trio com o Gessinger e o Leindecker. No time da Inglaterra tem um Rio.

Na Suíça tem um Tranquillo. Tem jogador chamado Ilha, Rainha, Estrada. Tem um Leão e um Pinto. Tem de tudo. Tem até um sujeito chamado Parede. E ainda tem os coloridos: Blanco, Green, Brown e Bocanegra.

Nesta Copa, nossa seleção brasileira está cheia de nomes comuns. Fora o Maicon, que se enquadra naquele segmento das aberrações dos nomes em ingrêis, nunca tivemos uma equipe com tantos nomes normais: Julio Cesar, Luiz Fabiano, Lucio, Gilberto Silva, Felipe Melo, Daniel Alves, Gomes, Julio Baptista, Nilmar.

Eu gosto. Parece um time de amigos do bairro. Temos ainda alguns apelidos simpáticos: Kaká, Robinho, Dunga, Doni. E os “estrangeiros”: o francês Michel e os castelhanos Juan e Ramires. A única esquisitice fica por conta do Grafite.

Todo esse papo é só pra me acalmar um pouco, enquanto não volta a rolar a Jabulani. O nome do jogo de um torcedor apaixonado é sempre ansiedade.


28 de junho de 2010 | N° 16380
PAULO SANT’ANA


O olho eletrônico

Não se pode afirmar que, caso o árbitro tivesse assinalado o gol legítimo da Inglaterra, na bola que ultrapassou a linha fatal, ainda assim a Alemanha ganharia de goleada.

Não se pode afirmar que, se o juiz tivesse visto o gol, outra seria a emocionalidade e a intensidade volitiva dos dois times.

Eu poderia argumentar que, com o gol, anulado, a Inglaterra desanimou e deu chance para a Alemanha goleá-la.

Há anos prego ao deserto no Sala de Redação: insisto desde 2001 que a Fifa tem de determinar uma mudança na norma, permitindo que o olho eletrônico decida os lances polêmicos, cruciais, decisivos de uma partida, quando o olho humano não conseguir discernir a verdade.

Bastava que o árbitro paralisasse a partida, dirigindo-se à lateral do campo, onde um aparelho de televisão seria acionado e ele poderia consultá-lo sobre o lance discutido, decidindo assim e então com justiça.

O que não pode é uma partida de futebol decidir-se por um erro do árbitro, muitas vezes, mais que um erro, um lance em que o árbitro e o bandeira não possuem aparelho cognitivo que esclareça a jogada.

Por que então não usar o olho eletrônico que já é usado por vários esportes, entre eles o turfe, a natação, as corridas atléticas e o próprio tênis?

Só o futebol não cedeu a essa ânsia de justiça e correção, só o futebol incorre no erro de permitir que a realidade de um lance decisivo seja torcida por erro ou incapacidade de leitura da arbitragem.

Outro lance que teria de ser decidido pelo olho mecânico: o primeiro gol da Argentina contra o México, ontem, quando Tevez estava visivelmente impedido ao fazer o gol.

Como podem permitir tamanha iniquidade? Estava empatada a partida em zero a zero, decidindo uma etapa da Copa do Mundo, talvez o próprio resultado final da Copa, quando o juiz validou um gol ilegítimo da Argentina: nada pode ter influído mais no resultado que aquele gol ilegal!

O mais alarmante de tudo é que, no gol ilegítimo de Tevez, o árbitro correu até a lateral do campo para consultar o bandeirinha. Ou seja, o árbitro estava em dúvida. E o bandeirinha validou o gol escandaloso.

Nesta hora é que eu digo que o árbitro não tem de consultar o bandeirinha, e sim uma televisão. Para que sejam sanadas todas as dúvidas e as grandes injustiças sejam banidas do futebol.

Que coisa escandalosa! Todo o estádio viu que a bola do gol inglês não validado passou a linha fatal, foi o que disseram os jornalistas que estavam lá! Só não viram duas pessoas, o árbitro e o bandeirinha.

E o gol não foi concedido à Inglaterra, mexendo totalmente na voltagem emocional do jogo e até presumivelmente no resultado.

Há anos prego no Sala de Redação que o futebol extinga as injustiças, consultando o recurso eletrônico nos lances de grande dúvida e importância.

Um dia esta medida será tomada, mas até lá vão se somar as injustiças e os escândalos. Por insensibilidade da Fifa, que teima em não moralizar o futebol.

domingo, 27 de junho de 2010


PAULO VINICIUS COELHO

Telhado de vidro

Não estranhe campeões do passado caindo precocemente. A Copa é habitat natural de zebras

A ARGENTINA leva a campo hoje um tabu. Desde o gol de Caniggia contra o Brasil, nas oitavas de final da Copa de 1990, não vence um mísero mata-mata em Mundiais durante os 90 minutos.

Depois do Brasil, para chegar à decisão em Roma, os argentinos venceram Iugoslávia e Itália nos pênaltis. Em 1994, caíram nas oitavas contra a Romênia. Em 1998, venceram a Inglaterra nas oitavas, nos pênaltis, e perderam para a Holanda, nas quartas. Em 2002, eliminação na primeira fase. Há quatro anos, queda nas quartas contra a Alemanha depois de vencer o México na prorrogação.

A situação da Alemanha é inversa. Só em 1938 foi eliminada tão precocemente quanto acontecerá se perder hoje da Inglaterra. É uma gigante.

Igual a ela, só o Brasil, que caiu nas oitavas em 1990, na primeira fase em 1966 e na pré-história das Copas, em 1930 e 1934, quando tinha equipes rachadas. No Uruguai, por cisão entre cariocas e paulistas. Na Itália, entre profissionais e amadores.

Não estranhe uma Copa em que campeões do passado caem precocemente. A verdade é que as zebras passeiam em seu habitat natural. Não a África. As Copas. Difícil é um Mundial com quatro grandes nas semifinais. Em 2006, Portugal chegou. Em 2002, Turquia e Coreia do Sul. Croácia em 1998, Bulgária em 1994. É preciso voltar a 1990 para ver Inglaterra x Alemanha e Itália x Argentina entre os quatro melhores.

A queda italiana causa um choque, exige reflexão, mas só é inédito o último lugar na chave. É a sexta eliminação da Azzurra na fase de grupos. Se você considerar a ausência em 1958, com queda contra a Irlanda do Norte nas eliminatórias, a cada três Copas a Itália dá um vexame.

A França só foi grande em três gerações. A de Kopa levou os Bleus ao terceiro lugar em 1958. A de Platini, às semifinais de 1982 e 1986. A de Zidane, às finais de 1998 e 2006.

A Inglaterra não é eliminada na etapa de grupos desde 1958, mas só chegou a duas semifinais, a menor quantidade entre os campeões mundiais.

A Argentina, que joga hoje seu tabu, deu vexame na primeira fase em 1934, 1958, 1962 e 2002, caiu nas eliminatórias em 1970 e ficou em terceiro lugar no grupo, avançando por índice técnico, em 1990 e 1994. Respeito é bom, todo mundo gosta. Mas só Brasil e Alemanha não têm telhado de vidro.

pvc@uol.com.br

ELIO GASPARI

Dilma e Serra são parceiros de um fracasso

Desde 1998, o governo não consegue receber das operadoras privadas de saúde o ressarcimento do SUS


O CERIMONIAL DAS campanhas eleitorais determina que a oposição prometa rios de mel, os governistas digam que eles já existem e ambos joguem os problemas sobre as costas dos outros.
Dilma Rousseff e José Serra formam uma dupla rara. Compartilham em silêncio pelo menos um desastre e poderiam explicar à patuleia o que pretendem fazer para consertá-lo. Trata-se de discutir a ruína do ressarcimento ao SUS dos custos que caem sobre a rede pública de saúde pelo atendimento dos clientes dos planos privados.

Essa questão está aí desde 1995, no início da gestão tucana, e é lei desde 1998.

O fracasso prosseguiu durante os oito anos petistas. Segundo o Tribunal de Contas, entre 2003 e 2007 a Viúva deixou de coletar pelo menos R$ 2,6 bilhões das operadoras de planos de saúde cujos clientes são atendidos na rede pública. A conta pode ter chegado a R$ 5 bilhões.

O governo entendeu que, se um cidadão paga um plano privado, a operadora ganha dinheiro bancando custos de sua saúde.

Caso um cliente do melhor plano do país sofra um grave traumatismo craniano num acidente de automóvel, deve ser levado para a emergência de um pronto-socorro público. (Se for para o melhor hospital privado da cidade, arrisca morrer antes da chegada da equipe de neurocirurgia, pois só há esse plantão em alguns pontos na rede do SUS.)

A vida desse paciente será decidida nas primeiras 24 horas, a um custo de pelo menos R$ 20 mil. Noutro exemplo, um cidadão precisa fazer hemodiálise, vai para a rede pública e, novamente, nada de reembolso.
As operadoras surram a Viúva há 12 anos. Marcando em cima no Congresso, na nobiliarquia médica e na Agência Nacional de Saúde Complementar, desossaram todas as iniciativas dos governos. Quatro mil cobranças estão travadas na Justiça. Teatralmente, o ministro José Gomes Temporão enganou quem lhe dava crédito, inaugurando um novo sistema de cobrança que simplesmente não existia.

A ANSS tem agora cerca de 200 funcionários trabalhando na cobrança do ressarcimento. Estimando-se em R$ 4.000 o salário de cada um, custarão R$ 10 milhões anuais. Em 2008, no auge da ruína, a agência coletou R$ 2,6 milhões.

Dilma e Serra podem responder: noves fora platitudes, o que tenho a propor? Recomeçar do zero, mobilizando a opinião pública, como fez o companheiro Obama, pode ser uma boa ideia.

RECORDAR É VIVER

O poderoso banco de investimentos Goldman Sachs está lutando bravamente para entrar na engenharia financeira da capitalização da Petrobras. Dos grandes, é o único que está fora do negócio.

Deveria ser chamado a participar, desde que seu principal executivo, o doutor Lloyd Blankfein, peça desculpas públicas por uma molecagem e por um mau conselho que seu banco deu aos brasileiros.

A molecagem: No início da campanha presidencial de 2002, quando o dólar começou a subir, o Goldman Sachs criou o Lulômetro. Era uma elegante equação onde cada interessado podia prever o preço do dólar depois da eleição, mudando as variáveis de acordo com suas expectativas políticas. Num resultado otimista, a vitória de Lula levaria a moeda americana de R$ 2,70 para R$ 3,04. Caso José Serra fosse eleito, ela cairia para R$ 2,52. Terrorismo eleitoral, do bom.

O mau conselho: Em janeiro de 1999, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso estava afogado numa crise cambial, o Goldman Sachs recomendou uma "medida de grande impacto", a privatização da Petrobras, da Caixa Econômica e do Banco do Brasil.

Paulo Leme, diretor de mercados emergentes do banco, acreditava que o bota-fora aumentaria a credibilidade do país, e a Petrobras renderia até US$ 60 bilhões. O valor de mercado da empresa estava em US$ 15,4 bilhões. Hoje está em US$ 165 bilhões. Leme era um queridinho da ekipekonômica tucana, que desejava colocá-lo numa diretoria do Banco Central. Foi abatido em voo pelo então ministro José Serra.

FERREIRA GULLAR

A arte de enganar

Vejo Lula como o oposto de tudo o que seu partido prometia trazer à vida política brasileira

ÉTICA NA política é coisa rara, qualquer que seja o partido. É surpreendente, no entanto, que o partido que nasceu empunhando a ética como bandeira tenha se tornado a expressão da antiética. Certamente, haverá, no próprio PT, exemplos louváveis de políticos que não se deixam seduzir, seja pela esperteza, seja corrupção, mas não são estes que dão as ordens na equipe do presidente Lula.

Não quero cometer injustiças mas, se não é mera impressão minha, vejo o presidente Lula como o oposto de tudo o que seu partido prometia trazer à vida política brasileira. Posso estar enganado, mas, se bem o percebo, ele, com a sua esperteza sindicalista, induz os que atuam sob seu comando a pôr de lado todo e qualquer escrúpulo: manipulam informações, falseiam a verdade dos fatos, forjam dossiês com falsas acusações, acusam vítimas de os estarem caluniando.

Esses são alguns dos procedimentos comuns ao governo do atual presidente.

Os exemplos não faltam. Todos sabem que um dos objetivos de Lula, no plano internacional, é conseguir, para o Brasil, um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. Em face de sua desastrada aliança com Ahmadnejad, de que resultou o isolamento do país, uma repórter perguntou ao ministro Celso Amorim se esse isolamento não inviabilizaria aquela pretensão do governo brasileiro.

A resposta dele não foi própria à de um ministro de Estado, que tem a obrigação de prestar contas à opinião pública. Disse ele: "É engraçado, os que consideravam tolice do governo pretender um lugar no Conselho de Segurança, agora lamentam a possibilidade de o perdermos". Ora, não importa o que certas pessoas pensavam da pretensão do governo; importa, sim, que o governo pretendia alcançar aquele objetivo e o inviabilizou por se ter aliado a uma ditadura belicista. Admiti-lo seria aceitar que errara e Lula, claro, não erra...

Mas assim é esse governo, só assume como coisa sua o que lhe dê prestígio, ainda que sua não seja, como no caso da defesa do meio ambiente. Alguém já viu, no plano internacional, uma comédia semelhante à representada por Lula e Dilma durante a reunião do clima em Copenhague?

O país todo sabe que Marina Silva deixou o Ministério do Meio Ambiente porque Dilma, então ministra da Casa Civil, seguindo as ordens de Lula, impunha a aprovação, a toque de caixa, dos projetos do PAC, ainda que atentassem contra a preservação do meio ambiente. No entanto, em Copenhague, ambos, apareceram como defensores da preservação ambiental. O tema é tão distante das preocupações de Dilma que ela, num ato falho, soltou uma frase reveladora do que realmente pensa da ecologia.

Nesse terreno da farsa descarada, um dos últimos episódios foi o do novo dossiê que o PT preparava para caluniar o candidato José Serra, mais um dentre outros, como aquele que foi escandalosamente flagrado num quarto de hotel, em São Paulo, quando a polícia apreendeu, em mãos de uma quadrilha petista, uma montanha de dinheiro.

Em face de tão incontestável flagrante, Lula imediatamente chamou os responsáveis pela falcatrua de "aloprados", ou seja, tendo de admitir que era gente sua, tratou de desqualificá-los, como se agissem por conta própria. Como sempre, ele e seu partido nunca sabem de nada, desde que vire escândalo.

Surgiu, recentemente, outro dossiê e, de novo, contra Serra. Um dos convidados a armar a falcatrua abriu a boca e a denunciou, voltando a confirmar a denúncia numa CPI da Câmara de Deputados. A reação de Lula e seu partido não podia ser outra: afirmam que o dossiê foi inventado para acusar o PT e, assim, mais uma vez, o vilão se torna vítima e a vítima, vilão.

Um exemplo, para concluir. A equipe econômica do governo afirmara que, se aprovado pelo Congresso, o aumento de 7,7% para os aposentados comprometeria o equilíbrio orçamentário do país.

Mas Lula, que só pensa na eleição de Dilma, contrariando a opinião de seus ministros, sancionou o aumento e alegou: "Não é isso que vai levar o país à bancarrota". Só que ninguém afirmara tal coisa.

Como sempre, ele responde a uma afirmação que ninguém fez, para escamotear a verdade. A verdade é que esse aumento eleitoreiro agrava o déficit da Previdência, que já chega a R$ 50 bilhões.

CARLOS HEITOR CONY

Verdades históricas

RIO DE JANEIRO - No final dos anos 60, Zé Kéti fez a marchinha que ficou sendo, senão a última, uma das últimas expressões deste gênero carnavalesco. Inspirando-se à sua maneira nos personagens clássicos da "commedia dell'arte", ele inverteu o triângulo amoroso formado pelo pierrô, pelo arlequim e pela colombina.

Como se sabe, o Pierrô é o traído, a face branca de alvaiade banhada de luar, chorando pelo amor da Colombina. O Arlequim, servidor de todos os senhores, é o alegre aproveitador da desdita do Pierrô.
Como disse Noel Rosa, "um grande amor tem sempre um triste fim, com o Pierrô aconteceu assim, levando este grande chute, foi tomar vermute com amendoim".

Zé Kéti inverteu o triângulo. Mais de mil palhaços no salão, o Arlequim é quem está chorando pelo amor da Colombina no meio da multidão.

A crítica desceu o malho no compositor. Então ele não sabia que o Arlequim é quem ri e o Pierrô é quem chora? Zé Kéti deu uma resposta genial: "A letra é minha e nela quem manda sou eu". E assim o Arlequim chora até hoje pelo amor da Colombina.

Volta e meia, um cronista de qualquer quilate pode cometer um atentado contra aquilo que o Ruy Castro chama de "rigor histórico". Competente biógrafo de pessoas, como Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda, e de movimentos coletivos como a bossa nova e a cultura de Ipanema, ele se esmera em apurar tudo direitinho.

Nunca me perdoou por ter alterado a verdade histórica de um célebre Fla x Flu, a famosa partida das "bolas na Lagoa".

Num livrinho sobre o assunto, dei um resultado que não agradou ao Ruy. Ele me pediu que corrigisse o erro na segunda edição. Não o fiz. Mantive a minha versão. Tal como aconteceu com o Zé Kéti, invoco a meu favor o direito de mandar naquilo que escrevo.

sábado, 26 de junho de 2010



27 de junho de 2010 | N° 16379
MARTHA MEDEIROS


O viagra feminino

A disfunção sexual masculina é, geralmente, física, enquanto que a da mulher é cerebral e emocional

Ainda não será desta vez que a pílula cor-de-rosa, contraponto ao comprimido azul que revolucionou a vida sexual de homens com disfunção erétil, será comercializada. O nosso viagra feminino, produzido a partir da droga flibanserin, prometia facilidade de lubrificação e maior interesse sexual da mulher, mas apresentou efeitos colaterais indesejáveis, como depressão, tontura e desmaios, e não foi aprovada pelo FDA, órgão americano que aprova e fiscaliza remédios e alimentos.

Analisando superficialmente, talvez isso confirme a velha máxima de que os homens são simples e as mulheres complicadas, ao menos quando se trata de sexualidade. E a razão é óbvia: a disfunção sexual masculina é, geralmente, física, enquanto que a da mulher é cerebral e emocional. Sem relaxamento, sem autoestima, sem romantismo e com a cabeça pilhada de preocupações, como ficar predisposta ao prazer?

Dizem que antes do movimento feminista, a qualidade das relações era insatisfatória por causa da repressão machista. Será? Nunca esqueço de uma tia minha que, do alto dos seus quase 80 anos, uma vez disse que essa história de mulher não ter orgasmo era coisa da modernidade, no tempo dela todo mundo tinha orgasmo e ninguém perdia tempo com essa conversa.

Faz sentido. O fato de hoje sermos donas do próprio nariz e demais partes do corpo ainda não nos tornou maduras o suficiente para relativizar essa cobrança de agir feito uma bombshell, a mulher explosiva e infalível.

Recebemos tantas referências de símbolos sexuais e escutamos tantos depoimentos pretensamente verídicos a respeito de noitadas das arábias que acabamos por nos sentir sempre abaixo da expectativa. Mulher brocha também.

Brocha mais pelo excesso de informação do que pela falta dela. É um avanço sermos livres e independentes, mas ainda precisamos aprender a obedecer apenas ao próprio desejo, e não ao desejo globalizado que invadiu o quarto de todas nós.

Não estou querendo dizer com isso que a disfunção sexual feminina seja um mito. É uma realidade para inúmeras mulheres, e para tratá-la existem desde géis vasodilatadores até excelentes psicoterapeutas, e a pílula cor-de-rosa um dia há de ajudar também.

Mas creio que, para se manter ativa e feliz, o ideal ainda é se sentir amada e desejada por um homem com quem se tenha afinidade física e, principalmente, deixar de se pautar pelas pesquisas que decretam quantas vezes e de que forma os casais “normais” transam.

O que está nos deprimindo, cansando e inibindo é essa idolatria do orgasmo, esse campeonato aberto de quem exibe o maior potencial erótico. É muita tensão pra pouco tesão.


27 de junho de 2010 | N° 16379
L. F. VERISSIMO


Estereótipos

Os ingleses espalharam algumas coisas boas pelo seu império, como o futebol e o rúgbi, além do parlamentarismo e o chá das cinco. Em compensação, também inventaram e propagaram o críquete, certamente o esporte mais aborrecido do mundo depois do beisebol americano, aquele em que os jogadores passam mais tempo ajeitando o boné do que jogando.

Era compreensível que, no futebol e no rúgbi, algumas ex-colônias inglesas acabassem jogando melhor do que a metrópole, mas também no críquete – um jogo feito para cavalheiros ingleses vestidos de branco se exibirem para suas namoradas, todas elas chamadas Fiona – os nativos tomaram conta. Hoje é jogado por gente de todas as cores, do Paquistão à Nova Zelândia. Aqui mesmo, na África do Sul, ocupa um bom espaço do noticiário esportivo e tem suas celebridades, festejadas como as do futebol e do rúgbi.

O que só prova como os estereótipos raciais e culturais valem pouco. Houve um tempo em que, no Brasil, se atribuía a superioridade do nosso futebol à nossa mistura racial (elasticidade natural do negro, herdada da sua convivência ancestral com feras na África, aquelas bobagens) e à cintura dura do resto do mundo.

Quando o Brasil perdia para um time de cintura dura, era porque não jogara brasileiramente, não fizera valer o seu ritmo e a sua ginga. O estereótipo não explicava a habilidade argentina, por exemplo, nem a surpresa da seleção húngara do Armando Nogueira, como o Nelson Rodrigues chamava a seleção que assombrara todo o mundo, e o Armando mais do que todos, na Copa de 54. Mas persistia.

Persiste até hoje, e não apenas entre brasileiros. Não é raro ver o time do Brasil chamado aqui de “The Samba Kings”. Geralmente como prelúdio para a pergunta: “Que fim levou o samba?”

O espanto que causa ver uma Eslováquia jogando como joga é o mesmo que deve ter causado a primeira visão de um paquistanês jogando críquete como um inglês. O jogo da Holanda contra Camarões, na quinta-feira, não valia nada, mas valeu pela estreia na Copa do jogador Robben, que estava lesionado.

Robben, mais branco do que a rainha da Holanda, com sua careca precoce e sua cara de professor de trabalhos manuais, seria o protótipo do jogador sem cintura que nunca poderia jogar futebol. Joga muito.


27 de junho de 2010 | N° 16379
MOACYR SCLIAR


A rótula e a sinaleira

Não são apenas duas maneiras diferentes de encarar o trânsito. São duas formas de encarar a vida

Nosso prefeito José Fortunati está anunciando para fevereiro a retirada da rótula da Avenida Nilo Peçanha, um local que, em entrevista a ZH, ele classificou como gargalo do trânsito. Adequadamente, aliás: quem passa por ali, sobretudo no final da tarde, fica espantado com o tamanho da fila de veículos. Vamos esperar que agora o problema seja resolvido.

A medida enseja uma reflexão. Rótula e sinaleira não são apenas maneiras diferentes de orientar o trânsito: são duas formas de encarar a vida, da qual o trânsito hoje é, infelizmente, parte importante. Dois símbolos, para dizer a verdade.

A sinaleira (o termo é um gauchismo; em outros lugares o pessoal fala de “sinal” ou “semáforo”) representa, em primeiro lugar, a autoridade. Dá-nos ordens: para, fica atento, pode passar.

E o faz através da tecnologia, que permite a troca dos sinais de maneira automática, neutra; isso, naturalmente, quando não falta energia, ou quando a sinaleira não está estragada. De qualquer modo a sinaleira é uma evidência de progresso. Para uma localidade pequena, a primeira sinaleira equivale a um reconhecimento de sua importância, ao ingresso no rol das grandes cidades.

A rótula é diferente. Também tem atrás de si a autoridade, representada pelas placas de “Pare” e “Dê preferência para quem está na rotatória”, mas a partir daí tudo depende do motorista. E este é o problema. Os motoristas não são todos iguais, não são produtos de uma tecnologia, não são previsíveis.

São pessoas, são seres humanos, e nos seres humanos o processo decisório (acelerar? Frear?) resulta de uma combinação de elementos racionais com elementos emocionais, em proporções muito variáveis, isso sem falar de fatores outros, até de natureza fisiológica, como a visão, a velocidade de resposta motora.

Quando vamos entrar na rótula temos de resolver: dá para entrar agora? Tenho de esperar mais um pouco? Aquele cara que vem ali vai me deixar passar? Na imensa maioria das vezes a gente decide certo (não fosse assim a rótula não existiria) mas acidentes acontecem, e no caso da rótula da Nilo dão prova disso os cacos de vidro sobre o asfalto que a gente volta e meia ali encontra.

No Brasil o problema é grandemente complicado pela relação das pessoas com o automóvel, no passado visto como um símbolo de status, de riqueza e de poder. É verdade que houve uma democratização desse mercado: muita gente está comprando carro. De qualquer forma, existem pessoas que mudam de personalidade ao volante, uma espécie de fenômeno Dr. Jeckyll-Mr.Hyde, que Robert Louis Stevenson descreveu em O Médico e o Monstro.

E aí a arrogância, a ansiedade, o descaso passam a formar uma combinação muito perigosa. A rótula poderia desempenhar um papel educativo e até terapêutico, mas para isso seria preciso que em cada acesso houvesse um psicanalista de plantão, ao lado de um divã; o motorista pararia, desceria, deitaria no divã, discutiria seus problemas e depois voltaria ao tráfego.

Mas isso, claro, agravaria ainda mais o fenômeno do gargalo. Deve ser esta a razão pela qual a prefeitura (como está acontecendo em muitos lugares) optou pela sinaleira; agora os motoristas não terão mais de se debater em dúvidas. Eles simplesmente obedecerão.

Aquilo que, num regime político seria uma alternativa autoritária, talvez represente uma solução prática para o tráfego. Mas vamos esperar que, no dia do Juízo Final, o acesso ao paraíso se faça por meio de uma virtuosa e sensata rótula.

Agradeço as mensagens de Gilda Machado, Samuel Breitman, Nelson Gehm, Janete Cantergi, Adair Philippsen, Vanderlino Ramage, Sirley Bewian, Marta Chaves e Renato Lampert.

A Candice Soldatelli manda um nome que condiciona destino e que ela descobriu na revista Vogue: trata-se de uma arquiteta baiana que se chama Adriana Varandas. Quando vocês tiverem uma varanda para decorar, já sabem: chamem a Adriana.


A vergonha nacional dos "pas fanas, pas fanas"

27 de junho de 2010 | N° 16379
PAULO SANT’ANA


A Esquina do Pecado

Devem estar os leitores cônscios de que ultimamente devoram-me recordações da infância, da adolescência e da juventude.

Esses dias, fui até ali, à esquina das ruas Barão do Triunfo com 20 de Setembro, na Azenha, fiquei a meditar sozinho debaixo do poste em que nos reuníamos todas as noites, os jovens camaradas, para conversar.

Foi ao mesmo tempo feliz e sofrida a recordação. Parecia que eu estava cercado pelo mesmo alarido das conversas e dos gritos, das brincadeiras, das ursadas, da roda que ia crescendo debaixo do cinamomo.

Faz 50 anos isto, lembro-me que uma das nossas grandes caçoadas era gozar com o Pacífico, uma rapazinho loiro metido a cantor.

Ficávamos horas incentivando o Pacífico a cantar, ele que não cantava nada, mas era uma delícia ficar com ar sério a ouvi-lo, como se fosse um grande intérprete.

A Esquina do Pecado, como chamávamos aquele templo de humanidades que nos entretinha todos os dias, regurgitava de gente todas as noites.

A esquina tinha um pendor musical. Ali na Barão do Triunfo morava um mulatinho simpático que cantava na Rádio Farroupilha, o Valdir do Carmo. Ele era, assim, o mais ilustre participante da nossa roda, tínhamos orgulho de ter um cantor profissional, um artista, entre nós.

Como é que entre as minhas recordações da Azenha deixei escapar os churrasquinhos que o Peleja – que saudade, Peleja – fazia na beira da calçada, os cuidados com que ele assava a carne para nós?

E como é que não dei valor para a figura inesquecível do Coró, o barbeiro, também cantor de boa voz, com seu permanente bom humor? O Coró, Ivon Bernardes, cortando cabelos na barbearia do seu pai, Arduíno Bernardes, conseguiu mais tarde a façanha de se formar em Direito e antes de morrer foi advogado por largo tempo.

Como é que deixei passar nas minhas recordações o João Pirilo? Concunhado do Dilamar Machado, que era da nossa turma e morava na frente do Bar do Paizinho, ali mesmo na Rua Barão do Triunfo, onde havia e funcionava incrivelmente uma ferraria que ainda ferrava cavalos.

Como é que fui esquecer a figura célebre do Nilo Abel Piazza, que trabalhava em necropsias no Instituto Médico Legal? Todas as pessoas que necropsiavam cadáveres se atiravam à bebida, e nós caçoávamos do Nilo, que, delirantemente, queria se candidatar a vereador.

E nós todos, numa galhofa, fundamos na casa do Nilo um comitê e fazíamos a encenação de que iríamos trabalhar na sua eleição (utópica) e nos reuníamos na casa dele para tratar dos planos para o pleito.

Lembro-me que na ocasião compus um hino para a candidatura do Nilo, que nós cantávamos de pé, em torno da mesa de reuniões, com solenidade. Tudo gozação:

Nilo Abel Piazza
Já é vencedor
Nilo Abel Piazza
Já é vereador
Nilo Abel Piazza
Nele todos vamos votar
Pela Azenha e Barão
De todo o coração
Ele irá batalhar.

Como fui me esquecer do Antônio Carlos Sena e seus bonecos do Teatro Infantil de Marionetes, que sua mãe confeccionava com devotamento? Do Aníbal Damasceno, do Marco Aurélio Garcia, hoje importante assessor para política internacional do Lula.

Era a nossa esquina, hoje tesouro da nossa memória. Recordar é viver, talvez porque recordar seja sofrer, eis que não se pode mais, terrivelmente, voltar no tempo.


A vergonha nacional dos "pas fanas, pas fanas"

A humilhante desclassificação da França mobiliza o país e vira crise de Estado
Milton Gamez, de Paris

Um carro oficial do governo francês saiu em disparada do Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, em direção ao Palácio do Eliseu. Seu ocupante era aguardado, com urgência, pelo presidente Nicolas Sarkozi. O visitante entrou, falou, ouviu e saiu sem ser visto. O conteúdo da conversa virou segredo de Estado.

Na quinta-feira 24, dia em que a França vivia uma greve geral em protesto contra um projeto governamental para cortar gastos com a Previdência, só o assunto foi revelado: futebol. Sarkozi mudou toda a sua agenda

(sob protestos da oposição) para receber o atacante Thierry Henri, estrela do time que protagonizou um dos mais retumbantes fracassos da Copa da África. Humilhada no campo, a França fez da eliminação uma questão nacional.

O CAPITÃO

Evra chorou e prometeu contar detalhes da baixaria nos bastidores

Dramático por natureza, o povo francês assistiu, atônito, à eliminação da seleção de Raymond Domenech. Em Paris, diante do imenso telão instalado nos jardins do Trocadéro, com a torre Eiffel ao fundo, torcedores cobriam o rosto com as mãos ou com a bandeira tricolor enquanto os Bleus perdiam por 2 a 1 da África do Sul. Na terça-feira 22, a França saiu da Copa da maneira como entrou, após o infame gol de mão de Henry contra a Irlanda na etapa classificatória, em novembro de 2009: desonrada.

Horas depois do jogo, um escocês tocava melancolicamente sua gaita de foles sobre a ponte d’Léna, que liga a torre ao Trocadéro. Enquanto isso, os jogadores e dirigentes franceses saíam à francesa e tomavam o caminho de volta, envergonhados com o maior papelão da história do esporte no país.

Não faltou baixaria: o atacante Nicolas Anelka xingou a mãe do técnico e foi expulso da seleção. No dia seguinte, um domingo, os colegas fizeram greve de solidariedade e se recusaram a treinar, numa rebelião possível somente numa equipe que carrega a Revolução Francesa no inconsciente e continua revoltada contra a ordem dominante. O capitão Evra chorou prometeu revelar detalhes da baixaria nos bastidores.

O governo fran­cês prometeu fazer uma auditoria sobre a seleção, a última colocada do Grupo A. Espantada, a ministra dos Esportes, Roselyne Bachelot, falou duro e classificou o jogo como a conclusão inevitável de um desastre.

“A seleção francesa é um campo de ruínas, tanto em termos físicos como técnicos e morais. Será preciso reconstruir tudo”, afirmou. A imprensa também caiu matando. O jornal “Libération” fez trocadilho com o apelido da seleção sul-africana, os bafana bafana.

Num título, estampou: “Les Français, pas fanas, pas fanas” (Os franceses não fanáticos, não fanáticos). O final da história é previsível. A guilhotina vai prevalecer sobre todas as cabeças dos jogadores e dirigentes.

sexta-feira, 25 de junho de 2010


CARLOS HEITOR CONY

Pernas de pau e cabeças de bagre

Considero Garrincha e Pelé jogadores excessivamente individuais, sem noção de homogeneidade do jogo

Tempos atrás qualifiquei Garrincha e Pelé, principalmente Garrincha, como praticantes de um futebol provinciano, de pelada suburbana. Se tivesse metido o malho nas instituições pátrias ou no Verbo Unigênito teria ofendido a menos gente.

Não me preocuparia com isso, não fosse a opinião de alguns amigos a quem muito quero e que passaram a rosnar bons dias cavernosos, de cabeça baixa, sem o calor gostoso e habitual.

Não vou revogar o que disse. Considero Garrincha e Pelé jogadores excessivamente individuais, sem noção de homogeneidade do jogo que é, acima de tudo, associação.

Considero Didi o maior jogador que o futebol brasileiro produziu. Se seu nome não constar na enciclopédia britânica, ela não valerá nada.

Mas além de enciclopédias, há o futebol. E nele, pela observação de alguns anos, quando atravessava a baía para ver Carlyle fazer gol de bicicleta no Canto do Rio ou quando despencava com a arquibancada de Bariri -percebi o que qualquer um perceberia: as duas vertentes do futebol nacional.

Uma, de raízes populares, onde o indivíduo se sobrepõe ao conjunto; outra, onde o indivíduo se sacrifica, e muitas vezes chega à mutilação, em favor do conjunto. Nasci nas proximidades do campo do América, e vi Carola driblar defesas inteiras, voltar ao meio de campo, driblar o time contrário todo.

Vi Tim, Elba de Pádua Lima no civil, driblar toda a defesa da seleção argentina e dar um passe para Hercules digno de antologia. Tomás Soares da Silva, celebrado e famoso como Zizinho, empolgava essa mesma parcela de torcedores que mais tarde dedicaria a Garrincha seu generoso incenso.

Não se pode qualificar de prejudicial o jogo de Garrincha-Pelé. Seria mais que uma injustiça: uma tolice. Mas pode-se contar pelo número de dedos as vezes em que, em partidas duras, com fatores adversos, esses dois resolveram qualquer coisa. Se o jogo é fácil, o show é inevitável, eles fizeram ou ajudaram a fazer um resultado empolgante.

Mas quem nunca viu Pelé inerte no meio do campo diante de um marcador mais rigoroso? Sem o conjunto, Pelé era um pássaro ferido. Em Montevidéu, vi uma vez o Peñarol encher o Santos. Os torcedores uruguaios saíram de campo sem entenderem a fama de Pelé.

Garrincha foi, fora de qualquer dúvida, o maior driblador que o futebol já gerou. Mas futebol e drible são coisas diferentes. Principalmente quando o drible busca as laterais ou procura mais um adversário para mais um drible. Isso é província.

Durante anos ele ia driblando até esbarrar na bandeirinha do corner, depois melhorou, tinha noção de área, quando corria, procurava entrar onde realmente interessava entrar, mas ainda se dispersava em jogadas laterais que empolgavam os torcedores, mas prejudicavam "os soberanos interesses do seu quadro" -como diria um cronista esportivo que gostava de falar difícil.

Esse tipo de futebol está em decadência. As recentes Copas do Mundo provaram, entre outras coisas, uma constatação elementar: futebol é associação. Sou daqueles que consideram este tipo de esporte uma ciência onde devem entrar, pela ordem, a cabeça, o coração e o jeito.

Jeito apenas não basta, ainda que aliado ao coração. Somente com estes três elementos se obtém o verdadeiro jogador, aquele que alia o artesanato específico (o jeito) ao amor e, sobretudo, à cabeça. Quando um jogador é muito ruim, não se diz que se trata de um entrevado ou de um apático. Diz-se que é um "cabeça" de bagre.

Sob certos aspectos, futebol é tão racional quanto o xadrez. Assim o Brasil pode se dar ao luxo de produzir Garrinchas e Pelés. Pois seu futebol já possui uma infraestrutura que coloca um Didi na mesma linha em que há um Garrincha, na mesma linha de um Pelé. (Falo de jogadores antigos para não ferir as preferências atuais.)

E já que estamos com a mão na massa, um lembrete: a coisa na África do Sul não vai ser mole. Todos estão motivados para vencer, joga-se o fino quando se pode e o grosso quando se faz necessário. No fundo, os finalistas serão os mesmos de sempre: Brasil, Itália, Alemanha e Argentina. Haverá sempre um azarão e uma decepção. Que não seja o Brasil.

JOSÉ SARNEY

Canção da Copa

Nenhuma Copa empolgou tanto o Brasil quanto a de 70. Ela marcou o nosso povo e o povo mexicano. Quinze anos depois, quando presidente da República, visitei Guadalajara; as casas estavam enfeitadas com a bandeira de nossa pátria e eles gritavam: "Viva Brasil! Viva Brasil! Pelé!".

Mas eu queria relembrar o motor da mobilização nacional, cantada pelo país inteiro, que foi o "Hino da Seleção", feito por Miguel Gustavo, este pioneiro do jingle, esse gênio do gosto popular -"Noventa milhões em ação / Pra frente Brasil / Salve a seleção!".

Os jingles de Miguel Gustavo invadiam as mentes das pessoas, que ficavam com eles na cabeça, cantarolando todo o tempo, e eram transformados em marchinhas de Carnaval. Dois exemplos: os porquinhos das Casas da Banha, que ele criou e popularizou, e a "Revista do Rádio", que arrasou no Carnaval de 58: "Ela é fã da Emilinha / Não sai do César de Alencar / Grita o nome do Caubi / E depois de desmaiar / Pega a "Revista do Rádio" / E começa a se abanar...".

Elegeu o Jango com o célebre "Jangar". "Pra vice-presidente / minha gente eu vou jangar / é Jango, é Jango / é o Jango Goulart". Era uma mensagem subliminar de juntar o Jânio da UDN com o Jango do PTB, o famoso Jan-Jan. Resultado (naquele tempo podia), o presidente de um partido e o vice do outro lado.

Desfrutei do seu talento, tornei-me seu amigo e senti profundamente sua perda prematura. Nas 12 eleições em que concorri, não abandonei o seu slogan, repetido num baião nordestino: "Meu voto é minha lei / Pra deputado José Sarney", cantado por Luís Vieira e Elizeth Cardoso.

Nesta Copa da África do Sul, confesso que não acho graça nas vuvuzelas. São sem gosto e interferem, indigestas, na alegria e nas cores que enfeitam e explodem dos torcedores. Mas tudo muda, e de mudanças são feitos o mundo e as Copas.

A alegria do Brasil, identidade do povo brasileiro, veio numa contradição infame da África, que do sofrimento dos negros tirou a única coisa boa de que podiam desfrutar, a força da alegria, para enfrentar a tragédia.

A alegria da África do Sul, vibrando mesmo depois da derrota, mostra que ela é mais forte do que o próprio destino. Não quero fazer uma crônica nostálgica. Quero a vitória do Brasil, agora 200 milhões em ação, vibrando com a seleção. Que venha o Hexa.

Se não vier de Johannesburgo, virá de outro lugar. Quem viver verá. E sempre seja lembrado Miguel Gustavo, o cancioneiro das Copas.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


25 de junho de 2010 | N° 16377
DAVID COIMBRA


Tudo vale a pena, se a alma não é pequena

O último suspiro de Fernando Pessoa, as palavras que escreveu para morrer logo depois de lhes pingar o ponto final, contrastam, dramaticamente, com o lema da sua vida. Porque um dia o poeta declarou, como uma profissão de fé:

“Minha pátria é a língua portuguesa”.

Mas a derradeira mensagem deixada pelo maior poeta da língua portuguesa depois de Camões, a frase que lhe brotou do leito de morte foi escrita na língua de Shakespeare.

Por causa de Durban.

Isso mesmo: essa cidade onde as seleções de Portugal e Brasil se enfrentam hoje, no novíssimo Estádio Moses Mabhida, teve grande influência na vida de Fernando Pessoa. Aqui ele viveu durante parte da infância e da adolescência. Aqui ele estudou, fez o Ensino Médio na Durban High School, escola pública de alto nível que visitei ontem pela manhã.

A escola estava fechada, os alunos estão em férias, mas os administradores concordaram em abri-la em nome da informação jornalística.

Nota-se, por sua estrutura, que a escola é de alto nível: prédios limpos, amplos e bem cuidados. Um campo oficial de futebol e um de rúgbi, ambos prontos para sediar jogos da primeira divisão. Piscina olímpica. No pátio há um busto de Fernando Pessoa feito em 2005. O poeta está sem óculos na escultura. Não parece com ele.

Quase não há registros da passagem de Fernando Pessoa pela escola, mas os sul-africanos reconhecem que um grande poeta estrangeiro viveu entre eles no começo do século 20. No centro de Durban existe outro busto de Pessoa, este com óculos e chapéu, correspondente à imagem que a posteridade tem dele. Na placa de identificação, além do nome do homenageado, estão impressos, em inglês, alguns de seus mais famosos versos, colhidos do imortal poema Mar Português:

“Oh, mar salgado
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal?”

Por essa poesia, bem como por tantas outras, nota-se a força do sentimento lusitano de Fernando Pessoa. Mas será que torceria para Portugal, se estivesse vivo e assistisse à partida de hoje? Afinal, ele disse que sua pátria era a língua, e o Brasil é o maior país de língua portuguesa do mundo.

Mas talvez o poeta não estivesse sendo completamente sincero. É possível. Foi ele mesmo quem um dia escreveu:

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.

Há lógica nesta hipótese, porque Fernando Pessoa alfabetizou-se em inglês e até escreveu poesias em inglês. Como:

“A kiss is more than a touch of lips –
it is a touch of two hearts,
of two souls,
of two glowing portions of the life spirit.”

Na tosca tradução de minha lavra:

“Um beijo é mais que um encontro de lábios –
É um encontro de dois corações
De duas almas
De duas luminosas porções de espírito da vida”.

Fernando Pessoa, portanto, sabia amar em inglês. Mais do que isso: soube morrer em inglês. Precisamente às 20h30min de 30 de novembro de 1935, aos 47 anos de idade, o poeta deve ter pressentido que não resistiria aos efeitos da cirrose hepática que o afligia. Pediu os óculos redondos e, pouco antes de expirar, escreveu:

“I know not what tomorrow will bring”.
“Eu não sei o que o amanhã trará”.

Dunga também não.

Os três segredos de Fátima

Conversei ontem com Fátima Bernardes, com quem deparei no Centro de Imprensa do Estádio Moses Mabhida, em Durban, onde o Brasil enfrentará Portugal hoje. Estava com boa aparência, a Fátima, cabelo preso por uma tiara, blusa verde da Globo, calça preta justa, botas pretas de cano alto, voz maviosa, como se ouve todas as noites no Jornal Nacional.

Perguntei-lhe sobre os boatos que incendeiam a internet: que ela teria sido expulsa da concentração por Dunga; que ela teria perdido a voz; que estaria voltando derrotada ao Brasil. Fátima balançou a cabeça:

– Não posso acreditar que quem inventou tudo isso foi um colega nosso…

Fátima Bernardes, portanto:

1. Não voltou nem está voltando ao Brasil.

2. Não perdeu e não parece prestes a perder a voz.

3. Não se encontrou com Dunga, não discutiu com ele, não foi expulsa por ele de lugar algum.


25 de junho de 2010 | N° 16377
L. F. VERISSIMO


Em Durban

O Mario Quintana dizia que as guerras eram métodos práticos de se aprender geografia.

Lugares dos quais jamais se ouvira falar ficavam famosos, e entravam para a História, por serem os locais de batalhas decisivas. Nada de muito importante aconteceu em Waterloo antes ou depois da derrota do Napoleão, mas seu nome não só nunca será esquecido como faz parte da linguagem simbólica de todo o mundo.

As seleções do Brasil e de Portugal disputando o primeiro e o segundo lugares na sua chave não decidirão os destinos da humanidade, mas Durban ficará na história das nossas participações na Copa e na nossa história pessoal para sempre, como aquele lugar em que... Em que o quê? Hoje saberemos. De qualquer jeito, aconteça o que acontecer em Durban, teremos tido uma lição de geografia sem guerra.

Durban fica a menos de uma hora de avião de Joanesburgo, na costa oriental da África do Sul, no Oceano Índico. As águas do Índico são quentes, ao contrário das águas do Atlântico, no outro lado do país, que são geladas. Por isso, Durban, além de ter um porto importante, é um lugar de veraneio muito procurado.

A sua Golden Mile, ou Milha Dourada, é um trecho à beira-mar cheio de hotéis e restaurantes, e entre a avenida e a praia da Golden Mile há vários parques de diversão lado a lado, com movimento e música constantes. O mais movimentado e musical parece ser o que fica exatamente na frente do nosso hotel, mas quem vem a uma Copa para dormir?

Durban tem uma grande população indiana (a maior fora da Ásia) e uma das maiores mesquitas do continente africano. Mas o que mais deve nos interessar na sua demografia e na sua história é a quantidade de portugueses e descendentes de portugueses que aqui vivem e o fato da cidade ter sido fundada por Vasco da Gama, com o nome de Porto Natal.

Quer dizer: há um certo, digamos, pendor português no ar de Durban. No jogo de hoje, a torcida dos portugueses será grande maioria. E não serão apenas portugueses. Serão portugueses com vuvuzelas. Que Deus nos proteja.

Ainda não se sabe o destino da Espanha, mas, se esta Copa significou alguma coisa, até aqui, foi o declínio do que o ex-secretário da Defesa americano Donald Rumsfeld chamava, desdenhosamente, de A Velha Europa, para ele a Europa irrelevante. França e Itália se foram, a Alemanha passou para as oitavas ali, ali. Enquanto isso, a Eslováquia...