26
de março de 2015 | N° 18113
L. F.
VERISSIMO
Rock Hudson e o compadrio
Sou
de uma geração que nunca se recuperou da revelação de que o Rock Hudson era gay.
Entende? Nada contra ser gay, declarado ou disfarçado. Cada um use seu corpo e
siga suas preferências sexuais como quiser, ninguém tem nada com isso. Mas é que
o Rock Hudson representava, na sua época, um ideal de masculinidade inquestionável.
Até o seu nome inventado – Rock – transmitia uma ideia de macheza esculpida em
pedra, para sempre.
E de
repente descobrimos que até as coisas mais evidentes podem não ser o que parecem.
Se o Rock Hudson era gay, todas as nossas certezas estavam ameaçadas. (Abro parênteses
para sugerir que eu talvez seja uma das últimas pessoas do mundo que sabem quem
foi o Rock Hudson.
Ator
americano. Trabalhou em alguns filmes com a atriz e cantora Doris Day, de quem
o Groucho Marx disse, certa vez, que a conhecera antes de ela ser virgem, outra
desilusão.) Enfim, dizia eu quando me interrompi tão rudemente, nunca mais
acreditamos inquestionavelmente em mais nada.
Com
uma exceção. Entre as poucas certezas que sobreviveram ao choque de saber que o
Rock não era tão rock assim, estava a da inviolabilidade das contas numeradas
na Suíça. Podia-se especular sobre quem tinha ou não tinha conta numerada num
banco suíço, mas jamais esperar que se descobrisse quem. Agora ruiu mais esse
mito. Os nomes estão saindo nos jornais.
Temos
o direito de nos sentirmos um pouco como aquele irmão Karamazov do romance do
Dostoiévski que, no meio de uma bebedeira, proclama: “Se Deus não existe, tudo é
permitido!”. Anos mais tarde, o Nelson Rodrigues se apropriou da frase e
escreveu: “Se Vinicius de Moraes existe, tudo é permitido!”. Podemos propor uma
terceira versão: se não se pode mais confiar nem na discrição fiduciária dos suíços,
nada é sagrado!
No
Brasil, há mitos ruindo por todos os lados, incluindo alguns que o PT criou
sobre si mesmo. O mito neoliberal da competição como tônico de um mercado livre
e autorregulável só sobrevive porque seus pregadores desdenham do óbvio.
O
que estamos vendo nessa meleca toda, empreiteiras formando cartéis para
participar de licitações combinadas e comprando favores e contratos de
corruptos com propinas milionárias, senão uma espécie de apoteose feérica do
capitalismo de compadres em ação? O compadrio odeia a competição. Talvez, na próxima
passeata, uma das faixas possa aludir a isso.
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