28
de março de 2015 | N° 18115
CLÁUDIA
LAITANO
Visita oportuna
Um
deputado federal chamado Cabo Daciolo, bombeiro evangélico eleito pelo PSOL do
Rio, protocolou quarta-feira na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) que altera o parágrafo único do artigo 1º: em vez de “todo poder emana do
povo”, o deputado gostaria de fazer constar na carta magna do país que “todo poder
emana de Deus”.
Diante
de uma notícia desse tipo, nossa porção cínica e fleumática tende a balançar a
cabeça e quase acha graça da piada involuntária do aprendiz de aiatolá. Já a
parte da nossa consciência formada pelos nossos instintos mais paranoicos,
aqueles que costumam farejar situações de risco antes que elas se tornem
realmente incontornáveis, alertam para a necessidade de reação enérgica e
imediata – ou, na hipótese menos nobre e corajosa, exige uma rota de fuga para
as colinas.
Por
uma daquelas coincidências capazes de restaurarem ânimos combalidos, no mesmo
dia em que a PEC de Deus foi protocolada na Câmara veio a notícia de que o mais
célebre e atuante defensor da causa do Estado laico está a caminho de Porto
Alegre. O biólogo britânico Richard Dawkins, um dos mais influentes
intelectuais do mundo nos dias de hoje, vai abrir a programação do Fronteiras
do Pensamento no dia 25 de maio.
Com
um discurso que não costuma fazer concessões, esse intelectual formado na elite
acadêmica de Oxford atrai para suas conferências multidões de pessoas que se
sentem representadas pela sua visão de mundo radicalmente racional e humanista.
Essa fama de estrela do rock, porém, tem seu custo. Dawkins costuma ser
criticado pela ênfase com que critica a influência da religião na esfera
pública.
É
verdade que não foram poucas as vezes em que ele sacrificou a diplomacia em
nome da firmeza de posições. Por outro lado, é preciso reconhecer que são cada
vez mais raros os intelectuais que, como ele, ousam abandonar o conforto e a
proteção da vida acadêmica para sujar as mãos nos ásperos embates da vida real.
A
oportuna visita de Dawkins ao Brasil, neste momento em que a liberdade para
crer e deixar de crer está sob ameaça, é um ótimo pretexto para que todos nós,
paranoicos ou não, celebremos o Estado laico mandando um recado simples e claro
para a vanguarda do retrocesso: no pasarán!
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