17
de março de 2015 | N° 18104
DAVID
COIMBRA
O machão gay
Leonardo
da Vinci era um machão gay. Ou gay machão, sei lá. Em Florença, antes de ser
reconhecido por seus talentos como pintor e escultor, tornou-se famoso pela força
física.
Leonardo
gostava de se exibir dobrando uma ferradura com as mãos nuas, como o Super-Homem
faz com as barras de ferro que encontra lá em Metrópolis. Era um temível
espadachim e um exímio cavaleiro e domador de cavalos.
A
natureza dotou-o com todos os predicados másculos que um homem gostaria de ter,
durante o Renascimento. Sentia, porém, aversão às mulheres. Alguns
historiadores afirmam que Leonardo simplesmente não gostava de sexo, e que
canalizava todas as suas energias para a arte. Talvez, mas existem também
registros de que ele chegou a ser preso sob acusação de ter mantido relações
com outros rapazes. Ou seja: não havia dúvidas de que era homossexual.
Másculo
e gay, sensível e brutamontes, trabalhador obcecado pela perfeição mas capaz de
abandonar uma tarefa pela metade sem jamais retomá-la, Leonardo da Vinci era um
homem difícil de ser explicado.
Como
todo grande artista, Leonardo era um produto do seu tempo, e a Renascença
italiana era um tempo tumultuado, tempo de mudanças, de grande explosão
criativa e de grandes dúvidas. Já não existiam mais as certezas da Idade Média,
a época das mais sólidas certezas da história do Ocidente.
Alguns
historiadores chamam a Idade Média de A Longa Noite de Mil Anos. Eu chamaria de
A Doce Manhã de Mil Anos, porque, sem ter muito o que questionar, os homens não
tinham muito por que lutar. Deviam ser mais felizes.
O
Brasil de hoje passa por tempos assim, com mais incertezas do que jamais
tivemos. Qual é o caminho certo para o país? Qual o modelo a seguir? Nem todas
as fórmulas que funcionaram em outros países funcionarão no Brasil – o Brasil
tem suas peculiaridades...
É possível
construir um sistema que seja bom para o país inteiro? Nem todos os nossos
governantes são maus, apesar de o governo não estar indo bem. Nem todos os
petistas trabalham apenas para se manter no poder, embora este tenha se tornado
o projeto do PT. Nem todos os políticos são suscetíveis a negociar seus princípios,
mesmo que o Executivo e o Legislativo estejam sempre barganhando. A maioria dos
brasileiros quer que o Brasil melhore.
Mas
como? Quem está com a razão?
Decerto
que não era melhor, mas era muito mais fácil antes, quando havia tão somente a
ditadura e os inimigos da ditadura, assim como devia ser mais fácil antes do
Renascimento, quando a Igreja dizia o que devia ser feito e ninguém discutia.
Aquele
tempo de incertezas gerou um Leonardo, um Michelangelo, um Pico della
Mirandola, um Botticelli, um Poliziano, um Ghirlandaio, mas também gerou
Alexandre VI, o papa assassino, com seu veneno Cantarella, e sua linda e
perigosa filha Lucrécia Bórgia, irmã e amante do ainda mais perigoso César Bórgia.
O
que produzirá o nosso tempo? Gênios do bem ou gênios do mal? Uns ou outros,
que, pelo menos, sejam gênios.
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