domingo, 31 de agosto de 2014


Entardecer de domingo

Em algum momento, em geral à tardinha, o domingo nos crava os dentes, sem morder…

Os domingos tem dentes. A expressão é da jornalista Eliane Brum em seu último e tocante livro Meus desacontecimentos (Ed. Leya). O significado dessas palavras qualquer um é capaz de sentir na própria carne. Há domingos que até passam suaves, despercebidos, encontram-nos distraídos. Mas em geral, em algum momento, principalmente à tardinha, o sétimo dia nos crava os dentes, sem morder, é só um aperto quase indolor. Acusamos o golpe discretamente, disfarçamos a instalação dessa farpa de medo que nos cutuca a cada passo, até adormecer.

Talvez sintamos assim porque certamente o fim de semana, mesmo que tenha sido maravilhoso, sempre deixa a desejar. Quem sabe porque temos medo das segundas feiras? Quando conseguimos desengatar da locomotiva dos deveres, duvidamos da nossa capacidade de reingressar nos trilhos. Por sorte, de perto o trabalho volta a parecer factível.

A engrenagem cotidiana nos embala numa fieira de dias que vamos vivendo sem pensar, adiará as esperanças de felicidade, que ficam adormecidas até a noite de sexta. O entardecer dos dias úteis desperta a expectativa de prazeres, da merecida recompensa.

A partir desse momento queremos apenas tudo: ficar junto com a família e os amigos, mas evitar compromissos sociais; amar e ser amados, mas não ter que pensar no outro o tempo todo; empanturrar-nos de comer, beber, passear, dançar, mas sem ressacas; dormir bastante e perder tempo, mas ganhar cultura; relaxar, mas organizar nossas coisas pessoais; jogar conversa fora mas ter diálogos transcendentes. Expectativas contraditórias entre si, conflitantes. No fim, a realização de alguns desses desejos acaba sendo pífia frente ao ressentimento pelos que foram preteridos. Um tempo grávido de promessas é condenado ao aborto dos ideais.

A forma como organizamos nosso ócio diz muito de nós, pois é o tempo que liberamos para realizar nossos desejos. Por isso, Eliane Brum tornou-se uma observadora de domingos: Acredito que não se pode conhecer uma pessoa, um grupo, uma aldeia ou um país sem habitá-lo por ao menos um domingo.

Na melancolia dominical, sentimento quase universal, fica provado que tempo livre é como mente vazia, oficina do diabo. As exigências dos desejos podem ser mais inclementes do que as do trabalho. A síntese deles costuma chamar-se de felicidade. Se por ela entendermos a saciedade plena estaremos condenados ao seu antônimo, a insatisfação, ou à sua ausência, a tristeza.

Nos sábados e domingos não temos obrigações: dia de lembrar que não há prescrição ou cota obrigatória de prazeres a serem vividos e ostentados. Felicidade, a possível, é discreta e nunca completa. Bom domingo!

Quanto você pagaria por um abraço de conchinha com George Clooney ou Scarlett Johansson?

Uma ex-personal trainer do Oregon cobra 60 dólares por hora


Renata Honorato - Divulgação/Cuddle Up To Me

Samantha Hess e um cliente durante uma sessão de abraço de conchinha em Portland, nos Estados Unidos (Divulgação/Cuddle Up To Me/VEJA)

Abraçar alguém é, à primeira vista, um ato de generosidade. Nos Estados Unidos, porém, há gente que faz disso um negócio. É o caso do site Cuddle Up To Me, de Samantha Hess, uma ex-personal trainer de 30 anos. Depois de sofrer com o fim de um namoro e assistir a um vídeo de um comediante vendendo abraços em uma praça, ela decidiu transformar calor humano em dinheiro. Deu certo. Ao oferecer "pacotes" de uma hora de abraço de conchinha (cuddle, em inglês, aliás) por 60 dólares, ela fatura mais de 7.000 dólares por mês — isso inclui abraços, treinamento para futuros "profissionais" e a venda de exemplares de seu livro. "É como manter um contato próximo com uma pessoa sem estar saindo com ela", diz.

Samantha afirma que a venda de abraço não tem conotação sexual. "Se alguém procura sexo ao contratar o Cuddle Up To Me, certamente ficará desapontado." Para evitar problemas, ela disponibiliza em seu site as "políticas de uso", normas que devem ser seguidas antes de fechar o negócio. Isso inclui regras de higiene. Samantha sempre pede aos seus clientes que escovem os dentes, tomem banho, lavem o cabelo, usem perfumes leves e, é claro, vistam roupas limpas antes de encontrá-la ou recebê-la em casa.

Os potenciais clientes também passam por uma entrevista prévia, por e-mail, e por uma pequena investigação, pela qual Samantha tenta afastar criminosos, por exemplo. Em seguida, ela marca uma conversa pessoalmente em algum lugar público. Se ambos se sentirem confortáveis, é marcado horário e local do grande dia. O abraço de conchinha pode acontecer na casa do cliente ou em um parque, por exemplo. Por ora, Samantha atende a clientela de Portland, cidade de Oregon, mas é possível fechar acordos especiais em outros Estados americanos.

Talvez Samantha não tivesse clientes entre brasileiros, pródigos na distribuição de beijos e abraços. Entre os americanos, contudo, os abraços são garantia de o que cliente é amado e aceito, aposta a "abraçadora". É comum, por exemplo, que deficientes físicos ou pessoas muito tímidas procurem seus serviços. "Eu gosto de chamar o meu serviço de massagem para a mente. Meu objetivo é fazer com que meus clientes se sintam parte da minha família e renovados após uma sessão", diz. Em tese, a terapia de Samantha não é reconhecida pela comunidade médica.

Outro americano, Steve Maher, de Los Angeles, oferece serviço similar: com ele, o abraço é premium. Ele é dono do site The Ecstatic Embrace, que cobra 120 dólares por uma sessão de 90 minutos. Do outro lado do planeta, no Japão, existem os chamados kyabakuras, estabelecimentos em que os clientes tomam drinks enquanto são mimados por garotas bonitas — relações sexuais são proibidas. Algumas histórias já chegaram ao cinema, com sexo. Em As Sessões, do diretor Ben Lewin, a personagem Cheryl Cohen Greene é uma "sexual surrogate", alguém que faz sexo com seus pacientes sem envolvimento romântico. O filme é inspirado em uma história real.

Na entrevista a seguir, Samantha Hess fala ao site de VEJA sobre o negócio do abraço de conchinha:

Vender abraços é uma atividade inusitada. Como descobriu esse nicho e decidiu transformar o abraço em negócio? Isso faz parte da minha personalidade. É uma maneira de manter contato físico com alguém mesmo sem me envolver emocionalmente com essa pessoa. Olhei ao meu redor, percebi que tinha muitos amigos, mas ainda assim sentia falta de alguma coisa. Um dia, vi um vídeo de um comediante que oferecia abraços por dois dólares em uma feira. Foi aí que pensei: "Eu posso fazer isso!" 

E as pessoas encaram com naturalidade a sua profissão? Algumas pessoas ficam curiosas sobre o meu trabalho, mas a maioria delas encara a ideia como um serviço real e disponível a todos. Entre meus clientes estão jovens, velhos, talentosos, altos, magros, baixos. Eles são operários, prestadores de serviços, CEOs, desempregados, homens e mulheres, gente de todo o tipo. Os mais jovens têm aproximadamente 20 anos e os mais velhos, 70 anos.

O que eles buscam ao contratá-la? Todos têm a necessidade de se sentir amados e aceitos. Eu ofereço um serviço totalmente voltado ao cliente, então eles não têm que se preocupar comigo. É diferente de um relacionamento, porque às vezes as pessoas não estão preparadas para sair com alguém. Os clientes só precisam aproveitar o momento (risos).

Quantas pessoas já contrataram seus serviços desde junho de 2013, quando você começou a trabalhar com isso? Já atendi centenas de pessoas.

Você ganha dinheiro suficiente para levar a vida somente abraçando pessoas? Essa é a minha única atividade e é com esse trabalho que levo a vida. Em abril, lancei um livro, Touch: The Power of Human Connection (Toque: o poder da conexão humana), que também rende alguma receita.

Divulgação/VEJALivro 'Touch: The Power of Human Connection'
Sobre o que fala o livro? Decidi escrever o livro porque recebo milhares de e-mails todas as semanas, especialmente quando apareço nas publicações aqui nos Estados Unidos.

Muitas pessoas queriam saber mais sobre a minha história e por que decidi trabalhar com isso. Meu livro aborda um pouco da psicologia por trás do toque, casos de pessoas que contrataram meus serviços, além de 19 dicas de posições que tornam o abraço mais confortável.

Algum cliente já achou que você fosse uma garota de programa? Há algumas regras de segurança que devem ser seguidas. Antes de fechar um contrato, a pessoa entra em contato comigo e trocamos alguns e-mails. No meu site há regras que qualquer pessoa pode baixar e ler. Depois, agendamos um encontro em um lugar público para que eu possa entender por que a pessoa deseja contratar meus serviços. A ideia é identificar qualquer sinal de alerta.

Se a pessoa estiver em busca de serviços sexuais, ela certamente não ficará contente com a minha proposta. Se tudo der certo, o contrato é assinado e então eu peço uma cópia de um documento de identificação. Todas as informações, além do local do encontro para a sessão, são encaminhadas para uma terceira pessoa. Trata-se de uma forma de zelar pela minha segurança. 

Você toma algum cuidado adicional? Fiz aulas de defesa pessoal. Também carrego comigo uma arma não letal.

Você mora em Portland. Existem planos de oferecer seus serviços em outras cidades? Abrimos uma loja física em Portland para que as pessoas conheçam o serviço. Nesse espaço oferecemos um programa de treinamento de 40 horas para interessados em aprender as técnicas do abraço. A ideia é criar centros de treinamento em diferentes países e abrir "lojas" em todo o mundo.


O que é ensinado nesse curso? Você é a professora? Eu sou a professora. Ensinamos técnicas de como tocar outra pessoa e quais as melhores posições para o abraço. Também temos aulas de marketing, desenvolvimento web e todo e qualquer assunto relacionado ao negócio.
RENATA AGOSTINI - FLÁVIA FOREQUE - JOHANNA NUBLAT DE BRASÍLIA

Cursos-relâmpago inflam vitrine eleitoral de Dilma

Matrículas para formar técnicos com diploma são só 28% de programa exaltado para suprir empresas e indústrias

Há mais alunos para ter noções de manicure (2 a 4 meses) do que para ser técnico em mecânica (1 a 3 anos)

Alardeada pela campanha da presidente Dilma Rousseff (PT) como "o maior programa profissionalizante do mundo", a iniciativa federal para formar técnicos e melhorar a qualificação do trabalhador vem sendo impulsionada por inscrições em cursos rápidos, como de vendedor, recepcionista e manicure.

Segundo levantamento inédito do Ministério da Educação, feito a pedido da Folha, o programa tem atraído menos interessados em cursos verdadeiramente técnicos, como de enfermagem, eletrotécnica e mecânica.

Quando lançou o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), em 2011, o governo já previa uma maior procura pelos cursos que duram de dois a quatro meses. Na campanha, porém, Dilma tem ignorado essa distinção ao entoar dados da iniciativa ao eleitor.

"No que se refere à educação considero que tivemos um grande salto. Vou citar o Pronatec: 8 milhões de jovens e adultos com acesso ao ensino técnico", afirmou durante o primeiro debate entre candidatos à Presidência, promovido pela Band.

Os cursos mais céleres e simples, chamados de Formação Inicial e Continuada, são o que garantirão a Dilma Rousseff alcançar neste ano a meta de 8 milhões de matrículas no Pronatec.

A formação técnica, que é o principal objetivo do programa, representou apenas 28% das matrículas registrada até o final de julho.

Os cursos técnicos têm duração mínima de um ano e há casos que chegam a três anos. Podem ser feitos enquanto o jovem cursa o ensino médio ou após formar-se na escola.

São cursos práticos voltados para o mercado de trabalho e dão direito a um diploma em sua conclusão.

Já os de formação inicial e continuada, com duração média de três meses, têm exigência de escolaridade mais baixa e servem para dar noções básicas sobre uma função ou aperfeiçoar o conhecimento do aluno que deseja reingressar no mercado de trabalho. Não há diploma, apenas um certificado de participação.

No total, os dez cursos de Formação Inicial e Continuada mais procurados receberam 890 mil matrículas. Já os dez cursos técnicos mais populares tiveram 390 mil.

Dilma sempre fez questão de pontuar que o mote do Pronatec era a formação de técnicos capazes de suprir a demanda das empresas e das indústrias brasileiras.

"Com o Pronatec, queremos que o país, cada vez mais, tenha uma geração de jovens com formação técnica de qualidade, capazes de melhorar nossos produtos e serviços", disse em outubro de 2012 no programa de rádio "Café com a Presidenta".

Desde o ano passado, o governo tem intensificado a propaganda do Pronatec. Em 2013, ele foi de longe a iniciativa com a qual o Ministério da Educação mais gastou em publicidade --R$ 15,7 milhões, mais da metade do aplicado pela pasta em propaganda.


Que loucura isso! mais de quinze milhões gastos com propaganda. Quantas escolas poderiam ser construídas..Quantos postos de saúde..? Cadê a gestão dos recursos públicos...E fica assim..Cadê nosso TCU?
IVAN MARTINS
27/08/2014 10h27 - Atualizado em 27/08/2014 10h48

Desilusão

Às vezes é preciso uma bofetada que – pleft! – nos devolva de volta à vida

Desilusão é uma experiência terrível. Num momento qualquer, você está cheio de esperança. No outro, seu mundo veio abaixo. Como uma repentina bofetada, a desilusão machuca, desnorteia e humilha. É o evento dramático que, na vida amorosa, separa a realidade do sonho, os homens dos meninos e os tolos dos sábios. A desilusão é nosso diploma. Quem não passou por ela é um inocente. Ainda não sabe de nada.

Você, apaixonado, sugere à namorada que talvez seja hora de fazer planos e morar juntos. Ela responde, cheia de dedos, que talvez não esteja assim tão envolvida com você. Pleft!

Encantada com o sujeito, você pergunta, toda bonitinha, se o que rola entre vocês é um namoro – e ele diz, sem hesitar, que também sai com outra garota e não quer compromisso. Pleft!

Depois de cinco anos de casamento, as coisas esfriaram ao ponto de congelamento. Você tem esperança e propõe uma segunda lua de mel – então seu marido conta que tem saído com uma colega, que está apaixonado e vinha se preparando para contar que pretende morar com ela. Pleft!

Com essas histórias, quero dizer, ao contrário das lamúrias frequentes, que desilusão é bom. Quem nos desilude nos abre os olhos e nos descortina o mundo verdadeiro. Por isso, nos presta um grande serviço.

O iludido acredita, essencialmente, que o outro sente por ele o mesmo que ele sente pelo outro. Vive a fantasia de ser amado ou, pelo menos, tem esperança de um dia ser correspondido. É um sonhador que pode passar anos caminhando no interior do seu sonho, vendo apenas o que deseja ver. A desilusão é o despertar. Deveria ser saudada como libertação, mas costuma ser recebida com ressentimento. A pena de si mesmo é maior que a gratidão.

Na verdade, o inimigo é quem nos ilude. Faz mal aquele que, por fraqueza ou piedade – muitas vezes por vaidade – alimenta nossos sentimentos infundados. Quem nos olha nos olhos e diz a verdade merece nosso respeito. Demonstra respeito por nós, ainda que nos magoe.

A verdade, é importante que se diga, nem sempre é nítida. Quando se trata de afeto, somos criaturas confusas, habitadas por dúvidas e contradições. Por isso, mais importante que aquilo ouvimos é o que vemos. Mais importante que sentimentos, são ações. Se o sujeito parece ter por você o maior carinho, mas é sua amiga que ele chama para sair, parece que é da amiga que ele gosta – embora talvez nem saiba. As decisões dele contam tudo que você precisa saber, desde que você as conheça. Quem diz o que sente, mas esconde o que faz, ilude.
Eis uma boa máxima: não me diga o que você sente, me conte o que você faz.

Da minha parte, tendo vivido ilusões e desilusões, prefiro as últimas. Elas me salvaram de vexames profundos, me tiraram de enganos demorados, me abriram portas que eu desconhecia e me puseram no caminho certo. Tem sido assim com todos que eu conheço. Os mais tristes, os mais dignos de piedade, são os que se agarram a ilusões que todos em volta reconhecem, menos eles. A esses faz falta uma desilusão. Uma boa bofetada – pleft! – que os devolva de volta à vida.

Ivan Martins
ELIANE CANTANHÊDE

A derrota de Dilma

BRASÍLIA - Ganhe ou perca a reeleição, Dilma Rousseff não escapa mais de uma derrota no seu primeiro mandato: na economia. Não foi por falta de aviso. Até Lula alertou.

Enquanto Dilma usa a propaganda de TV, debates e entrevistas para falar de programas pontuais, como o Pronatec, que qualquer gerente faz, a economia brasileira continua dando uma notícia ruim atrás da outra.

O desafio da oposição não é bater na tecla de PIB, controle fiscal e contas externas (a maioria das pessoas nem sabe o que é isso), mas ensinar que não se trata só de números nem atinge só o "mercado" e a "elite". Afeta o desenvolvimento, a indústria, os investimentos, a competitividade e, portanto, a vida de todo mundo e o futuro do Brasil.

O super Guido Mantega, que sempre prevê PIBs estratosféricos e acaba se esborrachando com os resultados, conseguiu adicionar uma pitada de ridículo nas novas notícias ruins. Na quinta (28), ele disse que os adversários de Dilma levariam o país "à recessão". Na sexta (29), o governo anunciou que o risco já chegou: o recuo da atividade econômica pelo segundo trimestre consecutivo caracteriza... "recessão técnica". Ou "herança maldita", segundo Aécio. Não há Pronatec que dê jeito...

Para piorar as coisas, vamos ao resultado fiscal anunciado na mesma sexta: o governo federal (Tesouro, BC e INSS) teve o maior rombo do mês de julho desde 1997. A presidente candidata anda gastando muito.

Passado o trauma da morte de Eduardo Campos e assimilada a chegada triunfal de Marina Silva, a economia retoma o centro do debate eleitoral. Não há uma crise, mas há má gestão. Como Campos dizia, Dilma é "a primeira presidente a entregar o país pior do que encontrou".


Dilma e Mantega culpam o cenário internacional. Marina, rumo à vitória, e Aécio dizem que não é bem assim e apontam quem vai arranhar o joelho, cortar o cotovelo e talvez machucar a cabeça se a economia for ladeira abaixo. O eleitor, claro.

sábado, 30 de agosto de 2014


31 de agosto de 2014 | N° 17908
MARTHA MEDEIROS

Histórias de amor

Você vive um amor ou uma história de amor?

Tem diferença, sim. Um amor é a realização plena de um sentimento recíproco. Passa por alguns ajustes, negociações, mas desliza. Pode perder velocidade aqui, ganhar ali, mas não é interrompido pelas dúvidas, não permite a entrada de terceiros, tem a consistência das coisas íntegras, duráveis. O amor, amor mesmo, é uma sorte que se honra, uma escolha em que se aposta diariamente, o amor é algo que nasce e frutifica.

Já uma história de amor é, como diz o termo, uma invenção. Algo para ser contado ao analista, desabafado para os amigos, uma narrativa chorosa e trágica, um acontecimento beirando o folclórico, um material bruto pedindo para ser transformado em obra de arte. Toda história de amor está impregnada de obstáculos que lhe conferem um status de ficção.

Amor proibido pela família, rejeitado pela sociedade, condenado por preconceitos, amor que exige fugir de casa, pegar em armas, trocar de identidade: virou história de amor. Perde-se um tempo enorme roteirizando o dia seguinte. Se fosse amor, simplesmente amor, o dia seguinte amanheceria pronto.

Amor que coleciona mais brigas que beijos, mais discussões que declarações, mais rendições que entrega: virou história de amor. Pode subir aos palcos, transformar-se em filme, faturar na bilheteria: tem enredo. Mas não tem continuidade. Sai de cartaz rapidinho.

Amor que sobrevive à distância, que se mantém através de cartas e telefonemas (permita-me a nostalgia, sobreviver pelo whattsapp não combina com literatura), o amor sem parceria, sem corpo presente, o amor que não se pratica, que não se lubrifica, que enferruja por falta de uso: virou história de amor. Sofrido como pedem os poemas, glorificado pela vitimização, até o dia em que a ausência do outro deixa de ser um ingrediente pitoresco e você descobre que cansou de dormir sozinha.

Amor que exige insistência, persistência, paciência: virou história de amor. Se fosse amor, nada além de amor, navegaria em águas mais tranquilas, não exigiria tanto de seus protagonistas, o entendimento seria instantâneo, sem exagero de empenho, desgaste, sofrimento. Aff. Histórias de amor são fantásticas na primeira parte, tiram o ar, movimentam a vida, mas da segunda parte em diante viram teimosia dos autores, que relutam em colocar o ponto final na saga que eles próprios criaram.

Amor ou história de amor, o que se prefere?


Aventureiros, notívagos, hereges, rabugentos, sedutores, inquietos, fetichistas, insaciáveis, pecadores, estrangeiros, narcisistas, intrépidos, dramáticos, agradecemos cada verso e cada noite mal dormida que vocês deixaram de lembrança, mas um dia a gente cresce e a fantasia cede lugar à sensatez: um amor está de bom tamanho.

31 de agosto de 2014 | N° 17908
FABRÍCIO CARPINEJAR

O enigma da bolsa das mulheres

Homem carregando bolsa de mulher é cavalheirismo ou o cúmulo da submissão? 

Eu fico sempre baratinado. Costumo carregar a bolsa de minha esposa no shopping quando leva minha carteira e algum livro. Eu me vejo culpado pelo peso extra.

Mesmo quando não sou beneficiado diretamente, bate uma compaixão em vê-la se esforçar com os ombros. Ela trocará de braço a cada dois quilômetros na esteira das lojas.

Toda bolsa de mulher é uma mala sem rodinhas. Mas tampouco entendo por que ela não faz uma limpeza pontual para aliviar o chumbo.

Não tem sentido dispor de um secador de cabelos, por exemplo, naquele passeio. Ou tem? Ou ela acredita que será disparado um alarme de incêndio acionando as mangueiras do teto em nossa cabeça? Será que ela pensa nisso (é de dar medo se prevê a vida com tanto engenho e longevidade)?

Não custaria nada, antes de sair, eliminar o que não é essencial. E não é que ela esqueceu o que havia dentro da bolsa, mulher somente faz faxina na bolsa quando adquire uma bolsa nova.

Enquanto usa, acumula o mundo em suas profundezas de couro. É sua impressora 3D, imprime objetos na hora. Não acho correto o trabalho masculino, pois ela poderia ter sido mais econômica. Deveria aprender a lição arcando com as consequências.

Até porque o homem que aceita transportar a bolsa da mulher não será valorizado por nenhuma estranha no caminho. É muita submissão. Ele se apagará para ser um caddie – carregador de tacos de golfe.

Ninguém repara no caddie, apenas no golfista. O caddie desaparece nas corcovas do gramado.

Além da invisibilidade imediata para a concorrência, não nos vestimos para combinar com a bolsa dela. De repente, estaremos de azul marinho com uma bolsa marrom. É o fim da harmonia. Então, teríamos que mergulhar de vez na vassalagem e perguntar para a mulher qual bolsa pretende colocar para definirmos nosso figurino.

– Amor, tenho que me vestir, já escolheu a bolsa?

E também não é justo carregar algo em que não poderemos mexer. Jamais deixará que a gente pegue coisa alguma de dentro do seu conteúdo. Somos menores de idade diante de qualquer bolsa feminina.

Vejo que não permite a ação de nossa curiosidade para evitar o estresse dos interrogatórios. Questionaremos o motivo de ela estar com metade das tralhas. A conversa não desembocaria em nenhum acordo. O que é dispensável para o homem é fundamental para a mulher.

Entro em parafuso se é correto ou não fazer esta gentileza. Seremos favorecidos, por outro lado, com o acervo surpreendente. A bolsa é um pequeno ambulatório, é um toalete ambulante, é uma oficina de costura.

Sem papel higiênico no banheiro, onde encontrará um rolo salvador? Na bolsa dela!Na primeira pontada de uma enxaqueca, onde encontrará o medicamento redentor? Na bolsa dela!

Descosturou a camisa, onde achará linha e agulha? Na bolsa dela!Somando os prós e os contras, o problema existencial resultará num empate.


Como voto de minerva, sugiro não carregar a bolsa, porém realizar um curso de massagem para aliviar as dores nas costas de sua esposa.

31 de agosto de 2014 | N° 17908
 ISMAEL CANEPPELE

Redução da maioridade penal: um tiro no pé

Não é pouco o debate em torno da redução da maioridade penal, principalmente em época de eleições. Munidos da certeza de que penalizando o menor infrator boa parte da complexa problemática em torno da segurança pública estará resolvida, certos políticos prometem lutar com unhas e dentes pelo cidadão de bem, refém desses delinquentes beneficiados por uma legislação omissa. Mas é importante estar atento aos números. Afinal de contas, você já se perguntou, qual o percentual de homicídios cometidos por adolescentes no Brasil?

Segundo estimativas da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp), apenas 0,5% dos crimes envolvendo morte são cometidos por menores de idade. Somando-se todos os crimes, incluindo homicídio, furto, roubo e tráfico de drogas, o índice de participação de adolescentes sobe para 0,9%, no Brasil. De todos os adolescentes cumprindo pena em instituições assistenciais, 43,7% respondem a crimes por furto e roubo, e 26%, por crimes relacionados ao tráfico.

Importante também levar em consideração que a maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea na legislação. Diminuir essa maioridade exigiria uma nova Constituição ou uma revisão constitucional ampla. Isso significa que, sempre que um candidato prometer lutar pela redução da maioridade penal para os 16 anos, essa luta exigirá um esforço homérico. Em curtas palavras, trata-se de uma promessa praticamente impossível de ser cumprida.

Nesse contexto, o pensamento do Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, acrescenta bastante ao debate: “Nossos presídios são verdadeiras escolas de criminalidade. Muitas vezes, pessoas entram na prisão por terem cometido delitos de pequeno potencial ofensivo e, pelas condições carcerárias, acabam ingressando em grandes organizações criminosas. Porque, para sobreviver no cárcere, é preciso entrar para o crime organizado.

Reduzir a maioridade penal significa negar a possibilidade de dar um tratamento melhor para um adolescente. Boa parte da violência no Brasil, hoje, tem a ver com essas organizações que comandam o crime de dentro dos presídios. Quem não quer perceber isso é alienado da realidade. Criar condições para que o jovem vá para esses locais, independentemente do delito cometido, é favorecer o crescimento dessa criminalidade e dessas organizações. É uma política equivocada e que trará efeitos colaterais gravíssimos”.

A Fundação Casa, de São Paulo, apresenta dados ainda mais contundentes, mostrando que 41,8% do total de jovens infratores cometem crimes ligados ao tráfico. Esses dados comprovam que a ampla maioria dos adolescentes que seriam encarcerados não estaria presa por atentado à vida, mas por roubo e envolvimento com o comércio de drogas. Frente a essa problemática, o senador gaúcho Paulo Paim apresenta um pensamento interessante. Segundo ele, deve-se dobrar ou triplicar a pena de adultos que jogam no jovem menor a responsabilidade por um crime. Esse pensamento dá continuidade a um projeto já apresentado pelo então senador Aloísio Mercadante, e que hoje se encontra parado nas comissões.


Em época de eleições, em que a maioria dos candidatos parece possuir a fórmula mágica para complexos problemas sociais, é importante estar atento aos números que configuram realidade. Do contrário, entregaremos importantes comandos do país, não a quem elaborar um projeto viável de governo, mas uma promessa milagrosa de campanha.

31 de agosto de 2014 | N° 17908
ANTONIO PRATA

Dupla personalidade

Eu descobri, doutor, eu entendi finalmente por que que os meus namoros não dão certo, o problema... O problema é que eu e o meu pinto não temos a mesma formação. Não, muito pelo contrário, são duas visões de mundo radicalmente diferentes. Eu sou professor universitário, sou fã do Truffaut, eu voto no PSOL, já o meu pinto... Ele gosta de umas mulheres de argolão dourado, salto alto e muito perfume. Umas mulheres que eu não consigo aguentar por três meses e que me acham um mala, também. Eu sou de esquerda, doutor, mas o meu pinto é de direita.

É como se, tipo, todo dia, durante a infância e a adolescência, antes de eu pegar a perua e ir pra Waldorf, a escola antroposófica que eu estudei, meu pinto tivesse sido desatarraxado de mim, tivesse entrado em outra perua escolar, tipo uma peruazinha de controle remoto, só pra pintos, e ido estudar no Dante, no Bandeirantes ou, sei lá, no Santo Américo. Só pode ser, doutor. Senão, como é que explica?

Pra você ver como a gente é diferente: um dia, se eu tiver uma filha, eu quero que ela chame Luiza, em homenagem ao Tom. Mas as mulheres que o meu pinto escolhe são todas Waleskas ou Jéssicas ou Tábathas, dessas com agá no segundo T. É no segundo T, o agá de Tábatha? Ou é no primeiro? Não sei. O meu pinto sabe, com certeza, mas adianta perguntar pra ele? Ele não me ouve. Quantas vezes eu já não apresentei mulheres pra ele, mulheres bacanas, eu disse, amigão, essa é pra casar, pra ter uma filha chamada Luiza, pra comprar o pacote completo da Mostra e ir até na animação muda do Uzbequistão, domingo de manhã, mas ele se finge de morto, nem tchuns. Aí eu vou no shopping trocar um presente que eu ganhei de aniversário, chega a vendedora de unha vermelha, rabão de cavalo loiro, diz, “bom dia, eu sou a Kátia, posso tá te ajudando?” e pronto, ele parece um cachorrinho quando os donos voltam de viagem.


Eu tava pensando: e se a gente tentasse uma terapia de grupo, eu e ele? Ou melhor, uma terapia familiar. É, porque às vezes eu acho que esse negócio de ele querer me contradizer em tudo é uma fase de negação, tipo um complexo de Édipo, se a gente pensar que eu sou o pai do meu pinto e que, tipo, ele precisa me matar pra achar a individualidade dele. Será que é isso? Não, não pode ser fase: eu tô com trinta e cinco e ele é assim desde a adolescência, não vai mudar.

Quem eu tô querendo enganar, doutor? O erro foi meu, claro. Fui eu que eduquei o meu pinto e eu sei o que ele leu na juventude. Leu Playboy e Sexy e Penthouse. E como eram as mulheres na Playboy, na Sexy e na Penthouse? Tinham cara de quem quer ter uma filha chamada Luiza em homenagem ao Tom e ir na Mostra ver animação muda do Uzbequistão? Não, eram todas loiras platinadas, com unha vermelha e rabão de cavalo, tinham cara é de quem quer ir pra Vegas andar de conversível vermelho. Vegas, doutor! Conversível! Eu voto no PSOL!

Todo dia eu vou pra faculdade pela ciclovia e todo dia o meu pinto quase me faz cair da bicicleta, porque ele tira a minha atenção do caminho e me obriga a olhar as mulheres dentro dos SUVs, na rua. Aquelas mulheres pequenininhas dentro daqueles carrões enormes, tem alguma coisa ali... Ele pira.


É grave, doutor?

31 de agosto de 2014 | N° 17908
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

O MAC MACIO, O JAZZ LEVE E O RAP DURO

Bateu-me uma saudade trepidante do sabor da comida brasileira, então peguei o B pela mão, tomamos um trem e fomos ao McDonald’s mais próximo.

Ah, a textura macia daquele Big Mac fez com que me sentisse de novo na pátria amada idolatrada salve salve. Sim, porque comer McDonald’s, só no Brasil. Aqui, você não vai acreditar, mas é verdade, aqui é difícil de encontrar um. Por Deus. Você tem de se programar: vou lá num McDonald’s. E, como não sou muito de sanduíche e menos ainda de lanchonetes, jamais vou a um McDonald’s.

Nos Estados Unidos, imagine.

Nunca pensei.

O que tem, quase que em cada esquina, é Dunkin’ Donuts, que é empresa daqui, do nordeste americano, e seu furioso concorrente, o Starbucks. Li esses dias que o Dunkin’ Donuts está tentando abrir filiais na Califórnia, onde reina absoluto o Starbucks. Quer dizer: vão brigar no país inteiro. Na Nova Inglaterra, já é raro caminhar duas ou três quadras sem pechar num Dunkin’ Donuts, tendo em frente um Starbucks a desafiá-lo. De manhã cedo, você pode ver uma fila de americanos no Dunkin’. Eles pegam um donuts, um copo gigante de café e saem caminhando e comendo.

O B está viciado em Donuts. Preocupante.

Mas comemos os nossos muito mais saudáveis e brasileiríssimos Macs e tocamos até o centro de Boston. Eu queria ir a uma igreja do século 17, a Old South Church, porque lá há um exemplar do primeiro livro impresso nos Estados Unidos, um livro de salmos que os puritanos traduziram diretamente do hebraico e publicaram em Cambridge em 1640. Cambridge é uma das localidades da Grande Boston. É onde fica a maior parte do campus da Harvard e, igualmente importante, onde há bons restaurantes portugueses, que os prefiro às lanchonetes.

A Old South Church foi plantada bem no coração pulsante de Boston. Entrei na igreja e, antes de perguntar pelo livro, fui atraído por algo que acontecia numa capela: um culto com jazz. Era um grupo de jazz com todos os instrumentos, piano, bateria e tudo mais, e cantores que enchiam a capela com sua voz. Eu e o B paramos para ver. Um sujeito nos apontou gentilmente para duas cadeiras vazias, mas preferimos permanecer de pé, ouvindo. E foi encantador. Por pouco não me torno membro da congregação.

Saímos da igreja enlevados, flutuando, até esqueci do livro. Então, percebi que, do outro lado da avenida, na praça, havia um show.

– Vamos lá, B?

Fomos. Atravessamos a rua. Em volta da praça, barraquinhas vendiam comida, havia inclusive uma do Dunkin’ Donuts, o que não me surpreendeu. No centro, na grama, as pessoas se espalhavam, muito descontraídas, as mulheres com shorts mínimos, algumas deitadas em toalhas, outras de pé, ondulando ao ritmo da música. Lá na frente, diante de um palco, um grande grupo pulava de braços erguidos. Sobre o palco, uma banda tocava rap. Levei o B pela mão até o meio da praça. Ficamos observando. Olhei para ele:

– Que tal, B?

Ele fez uma cara de quem engoliu o dente de leite e suspirou:

– É a pior música que já ouvi na minha vida.

Pisquei. Pensei por um momento. E tirei-o de lá, procurando por um bar que tocasse blues. Nada como o bom blues para comover crianças na primeira infância.

A LIBERDADE DOS GANSOS

Chegamos, eu e o B, a um parque cheio de gansos. Ou seriam patos? Não sou bom em aves. Invejo aquelas pessoas que, ao ouvir um piado, esticam a orelha e dizem:

– Que lindo o canto do curió...

Os passarinhos que consigo identificar são o pardal, o quero-quero, o tucano e o canarinho – fui dono de alguns canarinhos de lindo repertório. O papagaio também sei quem é, embora ele seja muito parecido com as araras várias. Minha avó criou galinha, peru e eu mesmo tive um galo, o Alfredo, de trágico fim. Mas confesso, cheio de vergonha, que confundo patos e gansos. Não deveria. Os gansos têm sua importância na história da Humanidade, os que moravam no Capitólio já salvaram Roma dos bárbaros. E os patos estão na minha memória afetiva: o Tio Patinhas, o Donald, o Peninha, o Patacôncio...

Então, deveria saber bem quem é um e quem é outro, e não sei. De qualquer forma, o que interessa é que aquele parque é habitado por dezenas de gansos (ou patos), que andam livres por lá. Dezenas! Ficam caminhando pela grama, soltos, podendo a todo instante cruzar a avenida movimentada. Perguntei a um americano quem cuida deles. O americano achou graça na minha pergunta. Eles cuidam de si próprios, respondeu.

Não sabia que gansos podiam usufruir de tanta independência, assim, no meio da urbe fremente, sem colocar em risco sua integridade física ou atacar transeuntes a bicadas. Estou mais acostumado a vê-los a certa distância, nadando nos laguinhos plácidos, como os de Gramado.


Ou aqueles lá são cisnes? Maldita ignorância aviária.

31 de agosto de 2014 | N° 17908
L. F. VERISSIMO

Álgebra e fogo

Na recente comemoração do centenário de nascimento do Julio Cortázar, escreveu-se muito sobre metalinguagem, que ele usou em alguns dos seus textos mais conhecidos, como O Jogo da Amarelinha, que eram para ser lidos como jogos de armar. Cortázar seria um pioneiro do pós-modernismo, definido como uma literatura autoconsciente ao extremo, uma literatura com os andaimes à mostra, que convida o leitor a ser cúmplice dos seus artifícios.

Italo Calvino descreveu o pós-modernismo como “a tendência de usar, ironicamente, imagens padronizadas da cultura de massa, ou injetar o fascínio herdado da tradição literária numa narrativa que acentua o seu artificialismo”. Segundo essa definição, o pós-moderno é a continuação do moderno como paródia, jogo ou desmistificação.

Mas você pode, com alguma boa vontade, identificar o início do pós-moderno no pré-moderno, ou no próprio nascimento da tradição literária de que fala Calvino: o Dom Quixote, de Cervantes, que já era na sua origem, no começo do século 17, uma literatura autoconsciente e parodística.

A segunda parte de Dom Quixote acontece num mundo em que já aconteceu a primeira parte, e o Quixote e suas aventuras malucas são conhecidas. Cervantes incorpora sua fantasia e seu personagem fictício à realidade do dia, confiando na indulgência do leitor com o truque – e pode dizer, antes de todos os pós-modernistas que virão: “Primeirão!”.

O livro mais revolucionário da história da Literatura, o Jogo da Amarelinha do seu tempo, se chama A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, do irlandês Laurence Sterne. Foi publicado em nove volumes – começando em 1760! É a história, contada na primeira pessoa, de um personagem rocambolesco, Tristram, que recorre a todas as convenções literárias da época, fazendo pouco delas, para narrar sua vida, e quando as convenções e as palavras não bastam, recorre a grafismos (como o desenho no meio do texto de uma linha em espiral para descrever o movimento de uma bengala no ar) que devem ter sido um desafio para os tipógrafos de então. Sterne foi outro pós-moderno antes do moderno.

O americano John Barth, este um pós-moderno de hoje, escreveu sobre dois pós-modernos contemporâneos que admira, Calvino e Jorge Luis Borges, e tomou emprestada de Borges uma definição de dois valores que, combinados, descrevem a arte da dupla, Álgebra e Fogo. Álgebra significando a engenhosidade formal de uma obra, o truque que surpreende ou desafia o leitor, e fogo o que o comove.


Álgebra sem fogo acaba em malabarismo técnico sem alma, fogo sem álgebra acaba em literatura enjoativa, porque alma demais também enjoa. Para Barth, Calvino e Borges são os dois grandes escritores do nosso tempo porque, na sua ficção, atingiram como ninguém mais a fusão de álgebra e fogo. Barth descreve o que eles fazem – ou fizeram, pois já se foram – como “virtuosismo passional”. Perfeito.

RUTH DE AQUINO
29/08/2014 21h07

Transmarina e a “zelite”

Marina considera a “luta de classes” velha e ruim. Sua ideia de elite é outra. É quem inspira e lidera

"O problema do Brasil não é sua elite, mas a falta de elite. Não tenho preconceito contra a condição econômica e social de quem quer que seja. Quero combater essa visão de apartar o Brasil, de combater a elite. Essa visão tacanha de combater as pessoas com rótulo. Precisamos fazer o debate envolvendo ideias, empresários, trabalhadores, juventudes, empreendedores sociais. Com pessoas de bem de todos os setores, honestas e competentes.”

Essa resposta desconcertante de Marina Silva no debate  da Band entre os candidatos à Presidência mostra que Dilma Rousseff e Aécio Neves terão de dar um duro danado para dinamitar – ou “desconstruir” – a rival.

O Brasil do PT tem reforçado o maniqueísmo entre pobres e ricos, ou “proletariado” e “burguesia”, expressões caras da esquerda caviar-champanhe. Como se os pobres fossem todos bons, puros, generosos e vítimas – e os ricos fossem todos safados, cruéis, desnaturados e bandidos. Em nosso país, quem ganha mais de seis salários mínimos é rico.

Nos últimos tempos, sobrou fel até para a classe média. Vimos com espanto o vídeo com o discurso histérico da filósofa da USP Marilena Chauí no ano passado. Era uma festa do PT para lançar o livro 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. “Odeio a classe média”, afirmou Chauí, sob aplausos, risos e “u-hus” da plateia. “A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante. Petulante, arrogante, terrorista.” Presente no palco, Lula ria e aplaudia a companheira radical petista, embora dificilmente concordasse. “A classe média é uma abominação política porque é fascista. É uma abominação ética porque é violenta”, afirmou Chauí, fundadora do PT e adepta da luta de classes.

É uma luta que Marina considera antiquada e ruim para o país. Sua ideia de elite é outra: quem se sobressai no que faz, quem inspira e lidera. Neca Setubal, socióloga, educadora, autora de mais de dez livros, defensora do desenvolvimento sustentável e herdeira do banco Itaú, é o braço direito de Marina. Com seu discurso de união e um plano de governo de 244 páginas, costurado com Eduardo Campos, Marina ameaça tornar-se presidente do Brasil, segundo as pesquisas de intenção de voto.

Ela não passa de uma amadora, diz Aécio Neves. Marina responde: “Melhor ser amador do sonho que profissional das escolhas erradas”. Ela faz uma campanha da mentira, afirma Dilma. “Mentira”, responde Marina, “é dizer que os adversários não estão comprometidos com políticas sociais”.

Marina virou o sujeito da mudança. Colhe em sua rede indecisos, revoltados, idealistas, anarquistas e também aecistas e dilmistas. Isso não é elogio, só a constatação de um fato provado em pesquisas. Os “marineiros” são um caldeirão de eleitores de diversas ideologias, ou avessos a pregações ideológicas. Quando Marina diz que “a polarização PT-PSDB já deu o que tinha que dar”, ou que “o Brasil não precisa de um gerente, mas de um presidente com visão estratégica”, isso bate forte em milhões de brasileiros de todas as idades.

Marina não tem resposta para uma enormidade de questões – entre elas, como a “nova política” poderá ser diferente da “velha política”, se concessões e alianças são essenciais para aprovar reformas, governar o país e transformar em realidade seus sonhos. Marina tem convicções pessoais que precisará reavaliar ou abandonar se quiser mesmo colocar o país nos trilhos do futuro, abraçar as novas famílias e os estudos de células-tronco.

Mas seu discurso de grandes linhas, abstrato e utópico, empolga e atrai. Os adversários a ajudam. De um lado, temos o desfile chato, emburrado e claudicante de percentagens e estatísticas infladas. Do outro, um rosário sorridente de êxitos discutíveis em Minas Gerais.
Nos Estados Unidos, Barack Obama ganhou uma eleição no discurso, na oratória, no simbolismo – não no preparo ou na experiência administrativa. Guardadas as proporções, Marina busca o mesmo.

Nas redes sociais, a ascensão de Marina provocou uma campanha de ódio e ironias. Ela foi chamada de “segunda via do PSDB” – porque defendeu a estabilidade iniciada por Fernando Henrique Cardoso e porque os tucanos votariam nela, jamais em Dilma, num confronto direto. Chamaram Marina de “segunda via do PT” – porque defendeu a política de inclusão social de Lula. Traíra, oportunista e coisas piores. Fizeram uma montagem de seu rosto com o corpo nu da mulata Globeleza. Disseram que ela tem “cara de macaco”. Um show de racismo e de pânico.


Os arautos à esquerda e à direita a chamam de “novo Collor” ou de “Jânio de saias”. A Transmarina, ao acolher a “zelite” do bem, veio para confundir. E incendiar uma eleição antes morna, entediante e previsível.

30 de agosto de 2014 | N° 17907O
PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Folias ortográficas

É MELHOR CONVIVER com a complexa ortografia do que destruir a nossa apreensão da realidade

Quando o doutor Simão Bacamarte construiu o seu hospício, conta-nos Machado, “de todas as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos... Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito”. Felizmente naquela época ainda não se manifestavam essas pobres mentes que de vez em quando saem do anonimato para anunciar uma solução mágica para nossa ortografia; caso contrário, tenho certeza de que nosso bom alienista os mandaria internar na Casa Verde.

Como certos fenômenos meteorológicos, aparecem e desaparecem ciclicamente. Sentem-se iluminados por uma inspiração genial e inédita; com aquele olhinho brilhante que tão bem conhecemos, anunciam uma verdade que ninguém, antes deles, em todo o planeta – nem os filólogos, nem os linguistas, nem os lexicógrafos do mundo inteiro – ninguém, repito, havia percebido: para eliminar as dificuldades inerentes à escrita, basta criar um sistema em que a cada letra corresponda um só fonema! Puxa, que simples!

Como não são especialistas no tema, pouco se lhes dá que nenhum país tenha adotado essa ortografia fonêmica ou que os linguistas reprovem unanimemente essa ideia. Para eles, nada disso conta; afinal, alguém que viu a luz não deve dar ouvidos aos que vivem na treva.

O problema é que esta mesma ignorância que os deixa felizes impede que entendam a real importância da ortografia. Ela é que deixa visível o DNA das palavras; ao realçar as semelhanças e diferenças entre elas, agrupa-as em famílias que nosso cérebro pode reconhecer. A grafia diferente do fonema /s/ em obsceno, obcecado e obsessão nos informa que se trata de três conceitos distintos; escrever essas três palavras da mesma forma levaria, em poucas gerações, a um mingau semântico irreversível. Todas as sociedades civilizadas já fizeram essa conta: é melhor conviver com a complexidade da ortografia, com todos os problemas e custos que isso traz, do que destruir a própria essência de nossa apreensão da realidade.

Falo tudo isso porque uma dessas sumidades se infiltrou na comissão do Senado encarregada de propor ajustes ao Novo Acordo e anda pregando a mesma “simplificação” pedestre que era defendida, em 1940, pelo famoso general Bertoldo Klinger. Trata-se do professor Ernani Pimentel, nome totalmente desconhecido do mundo acadêmico, autor de apostilas para concurso – “com mais de 10.000 páginas publicadas”, diz seu saite, que parece substituir a qualidade pela quantidade.

A comissão existe para sugerir aperfeiçoamentos ao Acordo assinado pelos países lusófonos; ele acha pouco, e quer botar tudo abaixo! Alguns jornalistas apressados caíram no conto do vigário e apresentaram suas ideias como se fossem oficiais (desmentidas pelo senador responsável). O nome do professor Pasquale, outro membro da comissão, deve ter entrado aqui como Pilatos no Credo; pelo bom senso e boa formação que demonstra no que escreve, dificilmente iria embarcar nessa canoa furadíssima.


Cláudio Moreno é professor de Português e escreve quinzenalmente aos sábados

30 de agosto de 2014 | N° 17907
PAULO SANT’ANA

Dois apoiam a tortura

Recebi e-mails de três pessoas – duas delas apoiando a tortura e outra afirmando que Miriam Leitão não foi torturada e se dizendo ex-agente do DOI-Codi –, fruto de duas colunas publicadas por mim referentes à denúncia da jornalista de O Globo de que foi severamente torturada.

Eis as opiniões espetaculares: “Boa noite, caro Paulo. Apenas um comentário sobre Miriam Leitão: que ódio! Era uma guerra. E na guerra não há concessões. Você e eu (por questão da nossa idade) sabemos disso. Havia o perigo do comunismo. A Rússia era poderosa. Alguns brasileiros optaram por essa via. Quem não a queria combateu. Certamente houve excessos, mas dos dois lados. Ou você desconhece que Genoino – para não ser abatido – delatou seus companheiros e todos foram mortos? E os justiçamentos entre os ditos guerrilheiros? Houve. Mas ninguém fala.

Grande abraço. Saúde. E que reencontres tua amiga a Bengala. Sandra Silva”.

Outro e-mail: “Costumo ler, diariamente, seus textos. Inclusive, aproveitei um deles para inserir na segunda edição de meu livro Brasil: Sempre, por julgá-lo oportuno. No entanto – embora não sendo médico –, tenho a convicção de que o senhor está sofrendo de algum distúrbio, próprio da idade avançada, ou até mesmo de uma possível esclerose.

Explico-me: não é possível que o senhor, com o conhecimento e a experiência granjeados ao longo de tantos anos de jornalismo, esteja acreditando nessa estorinha da Miriam Leitão. Ora, 50 anos depois da contrarrevolução de 64, vir uma pestinha dessas dizer que sobreviveu – ela e o filho, este, ainda em gestação – às ‘mais infames torturas’ e que seu torturador foi o coronel Malhães, recentemente assassinado?

Por que essa megera esquerdinha não falou tudo isso antes? Por que, agora, depois que o coronel Malhães está morto e, em consequência, impossibilitado de se defender? Gostaria que o senhor tivesse, pelo menos, a dignidade (própria de sua pessoa) ainda íntegra, sua coragem (sempre demonstrada), no sentido de trazer a público, em seu espaço, este pequeno pronunciamento de quem foi agente do DOI-Codi e se pronuncia com conhecimento de causa. Saudações. Marco Pollo Giordani – OAB/RS 23.781. Porto Alegre, RS”.

E o terceiro e-mail: “Faze-me o favor, pelo menos tu. Está mais do que na hora de dar um basta a esta história de ditadura. Na imprensa e no PT, estão fazendo de tudo para denegrir a era militar no Brasil, para as pessoas com menos de 50 anos, que são a maioria da população brasileira. Tenho 60 anos e vivi, e muito bem, na época da ditadura, daria 30 anos da minha vida para voltarmos à vida tranquila e segura daquela época.


Torturados foram os anarquistas e golpistas, os mesmos que dizem ter sido torturados estão levando agora o país ao caos. Com certeza não houve naquela época ninguém ligado ao governo invadindo casas e torturando famílias como acontece hoje por bandidos protegidos por um governo falimentar e uma imprensa que só está interessada em divulgar tragédias. Façam o favor, assumam de uma vez o papel de terroristas escondidos por trás dos microfones, ou pelo escudo de parlamentares. CHEGA. Delvair Cenci”.

30 de agosto de 2014 | N° 17907
NÍLSON SOUZA

O GOSTO DE AGOSTO

Minha primeira crônica neste espaço, há mais de 10 anos, foi um desagravo a agosto, esse mês vilipendiado até pela rima fácil. Nossos desgostos de agosto, mantenho a convicção, não são maiores nem menores do que aqueles que nos afligem em outros meses do ano. O mesmo vale para nossas alegrias e realizações.

Admito que se trata de uma defesa em causa própria, pois nasci neste mês de azaleias precocemente floridas e geadas imprevistas. Agosto costuma ser todas as estações, o que o faz um representante digno dos demais meses do ano. Isso sob a ótica de quem vive no nosso hemisfério, pois, como se sabe, agosto muda de rosto em outras paragens do planeta.

As mulheres portuguesas, por exemplo, evitam casar-se em agosto desde que o mês, possivelmente por razões climáticas, foi escolhido pelos navegadores do século 15 para a largada rumo ao descobrimento de novas terras. Como muitos não voltavam, elas preferiam ficar solteiras a se tornar viúvas.

Por aqui também existe um certo medo atávico de agosto, infundado a meu ver. A gauchada costuma ser cruel com os velhinhos sem saúde, da música de Chico Buarque, comentando ironicamente sobre um ou outro mais caidinho: “Esse não passa de agosto!”. É tão falso, que muitas vezes quem não passa é o autor do comentário, mas o preconceito com os idosos e com o mês acaba se propagando.

O poeta Caio Fernando Abreu chamava esse sentimento generalizado de angústias agostianas, mas dizia também que são incontroláveis os sonhos de agosto.

Eis aí uma boa definição, que bem poderia substituir os rótulos referentes a desgostos e cães danados: agosto é o mês dos sonhos incontroláveis. Sonha-se em agosto.


Eu, que sou agostiniano nato e convicto, não por causa da respeitável ordem religiosa de Santo Agostinho, mas sim pelo calendário, cultuo um argumento para consolar os angustiados deste mês que se despede amanhã: agosto pode ser visto igualmente como a antessala da primavera.

30 de agosto de 2014 | N° 17907
CLÁUDIA LAITANO

Empatia e raiva

No final da sua conferência no Fronteiras do Pensamento, o psicólogo canadense Paul Bloom anunciou que seu próximo objeto de estudo é a empatia, surpreendendo ao acrescentar: “Sou contra”. A plateia achou engraçado, mais ou menos como se Bloom tivesse admitido que não se comove com fotos de bebês nem morre de fofura com vídeos de gatinhos.

A tese de Bloom é mais ou menos a seguinte. Se você valoriza a compaixão e a bondade, esforça-se para fazer o que é certo e o que é justo e, na medida do possível, gostaria de contribuir para que o mundo se tornasse um lugar melhor para se viver, usar a empatia como bússola moral pode não ser a estratégia mais adequada.

Ainda que a empatia seja uma atitude em certa medida inata (outros primatas demonstram ser muito parecidos conosco nesse ponto) e seus benefícios pareçam óbvios, a capacidade de colocar-se no lugar dos outros nem sempre nos conduz aos melhores julgamentos e às ações mais justas.

O “bem”, argumenta Bloom, está mais relacionado à compaixão, ao autocontrole e ao senso de justiça do que à empatia – enquanto o “mal” costuma decorrer da falta de preocupação com os outros e da inabilidade para controlar impulsos.

Empatia e raiva teriam, segundo o psicólogo, muitos traços em comum. Ambos são sentimentos que emergem na infância e impactam a forma como nos relacionamos uns com os outros. Decorrem de julgamentos morais e são necessários em alguma medida – a raiva, por exemplo, pode nos mover a reagir quando presenciamos um gesto de violência ou uma cena de injustiça.

Mas assim como os pais deveriam ensinar as crianças em que momentos a raiva tem que ser controlada e como temperá-la com o bom senso, também é preciso mostrar a elas que nem sempre uma reação de empatia com alguém com quem nos identificamos conduz à atitude mais justa. Às vezes, é preciso olhar os fatos com distanciamento para saber o que é certo e para não agir de forma estritamente emocional ou tendenciosa.

Considerar raiva e empatia como os dois lados de uma mesma moeda é especialmente útil para analisarmos algumas reações sanguíneas muito comuns no hiperconectado mundo em que vivemos, principalmente nas redes sociais. Uma boa causa – digamos, ser contra qualquer tipo de preconceito ou violência – pode rapidamente degenerar em linchamento moral e agressão. Um exemplo banal: da indignação natural com uma mulher que prendeu um gato em uma lata de lixo (vídeo que se tornou viral há alguns anos), chegou-se, sem muito esforço, às ameaças de morte e ao constrangimento físico.

Lembrei disso lendo algumas manifestações mais violentas em relação à torcedora do Grêmio flagrada em vídeo gritando “macaco”. Por mais que uma reação forte contra o racismo seja necessária, dentro e fora dos estádios, é sempre perigoso personalizar o problema.

Primeiro porque demonizar uma pessoa por uma atitude coletiva não parece a melhor estratégia para evitar que episódios como esse voltem a acontecer. Segundo porque ninguém gostaria de viver em um mundo em que castigos como o linchamento moral – ou coisa pior – são decididos passionalmente, por qualquer um que se deixa levar pela raiva (do algoz) ou pela empatia (com a vítima).


Em uma época em que sentimentos bons e ruins são compartilhados por milhares – milhões – de pessoas ao mesmo tempo, mais do que nunca é preciso saber distinguir emoção e razão, desejos de justiça e linchamento puro e simples.