15
de março de 2015 | N° 18102
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Sair para festa
Quando
nossa mulher está mais linda, não podemos nem chegar perto.
É ela
se arrumar para uma festa, absolutamente desconcertante e sensual, que não
podemos tocá-la.
É uma
contradição: no instante em que ela se produz, perdemos a chance de namorá-la.
O
romance é suspenso, estaremos apartados de sua beleza por algumas horas,
afastados do templo, expulsos de qualquer chamego.
Uma
parede de vidro desce entre o casal. Um biombo baixa entre os corpos.
Podemos
enxergá-la, admirar de longe, elogiar e bater palmas, não nos aproximar.
É um
divórcio simbólico, sentimental, justamente quando está maravilhosa, nos
enchendo de orgulho por sermos os escolhidos de sua vida.
Trata-se
de uma Cinderela para os olhos, não para as mãos. Um pavão com alma de porco-espinho,
armada para se defender da gente.
Não
podemos beijá-la na boca senão vamos borrar o batom.
Não
podemos roçar os lábios nas bochechas senão vamos corromper a maquiagem e sujar
a roupa.
Não
podemos cheirar o pescoço senão levaremos todo o seu perfume.
Não
podemos abraçá-la senão vamos abarrotar seu vestido.
Não
podemos acariciar seus cabelos senão vamos estragar o penteado.
Não
podemos alisar as coxas senão vamos desfiar as meias.
Não
podemos andar naturalmente de mãos dadas já que estará de salto. E precisamos
cuidar de suas unhas para não fazer nenhum movimento brusco e lascar as pontas.
Viramos
amigos no momento de sair para um evento. Repentinamente amigos.
Éramos
maridos um pouco antes, sem nenhum receio de envolvimento e tato, e agora os
caminhos são inacessíveis.
Estamos
impressionados, excitados, seduzidos, loucos para nos agarrar como na primeira
vez, girar a chave da boca pelo segredo do coração, mas não existe como, temos
que nos controlar e nos prevenir de silêncios, ela demorou o dia inteiro para
se vestir e se esmerar, não há como jogar fora a produção e a longa vizinhança
do espelho.
Somos
cúmplices da beleza. E também vítimas da beleza.
As
mulheres não compreendem por que os homens buscam sair da festa mais cedo, o
quanto ficam emburrados, embirrados, de canto, mudos e paspalhos, o quanto são
estraga-prazeres no melhor dos brindes e das músicas.
Não é
ciúme, mas saudade. Não é inveja, mas nostalgia. É o desejo mais banal de ter
sua esposa de volta.
Respeito
os sentimentos masculinos. Só que, no fim das contas, agimos de modo egoísta e
machista. Temos a mulher todo o tempo conosco, e não percebemos que, naquela
noite, ela se arrumou para si, para brilhar sozinha, é um momento dela e para
ela. Não atrapalhe com sua ansiedade.
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