segunda-feira, 30 de junho de 2014


30 de junho de 2014 | N° 17845
ARTIGOS - Paulo Brossard*

O IMPREVISTO PRESIDIU OS ACONTECIMENTOS

A circunstância de dois ilustres homens públicos terem anunciado seu propósito de não disputar nova eleição lembrou-me que, com isto, o país ficou privado de personalidades de inegável experiência. Pareceu-me que, com a decisão personalíssima dos dois políticos, a nação sofreu o que se poderia chamar de desperdício, perdendo o que não se encontra no mercado, nem a peso de ouro.

Não preciso lembrar aos gaúchos que Pedro Simon atravessou mais de meio século de vida pública sem ter sido alvo de uma nódoa e com o respeito de seus colegas e inclusive de seus adversários. Quanto ao presidente José Sarney, que encerra sua carreira de quase 60 anos, limitar-me-ei a apreciá-lo como presidente, o que constituiu uma mudança na sua vida e foi a mais exaustiva das provas.

Na eleição congressual na sucessão do presidente general Figueiredo, a chapa da oposição foi composta por Tancredo Neves e José Sarney. Como é notório, o presidente eleito, na noite anterior à posse, foi operado com urgência, vindo a falecer dentro de algumas semanas, razão pela qual o vice-presidente, eleito para substituí-lo nos impedimentos e sucedê-lo na vacância do cargo, viu-se investido na presidência da República.

O imprevisto presidiu os acontecimentos. A meu juízo, e na medida das informações que armazenei, o novel presidente, deixando à margem todos os antecedentes da sua vida, imbuiu-se da singularidade da sua investidura, exercendo o governo como se fora uma espécie de testamentário. De início, manteve o ministério escolhido por Tancredo, só alterado quando as eleições levaram alguns ministros a buscarem novos cargos. Na sua mesa de trabalho, colocou a relação de todos os compromissos assumidos por Tancredo e passou a cumpri-los, rigorosamente, executando-os sem alarde.

Segundo a Constituição da Itália, quem foi presidente da República (e na Itália vige o regime parlamentar, segundo o qual o presidente da República é tão só o chefe de Estado) passa a ser senador vitalício. Cada presidente da República possui também a prerrogativa de nomear cinco senadores vitalícios que tenham “enaltecido a pátria em virtude de elevadíssimos méritos no campo social, científico, artístico e literário”. Atualmente, esses incluem, entre outros, um maestro, um arquiteto, um físico e uma neurobiologista, todos de renome internacional.

Não estou a propor a imitação italiana, mas limito-me a mostrar tentativas de inovar procedimentos benfazejos. Não estou a propor a imitação italiana


*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

30 de junho de 2014 | N° 17845
DAVID COIMBRA

POESIA MEXICANA

Noventa e dois minutos de jogo. Pênalti para a Holanda. O México vencia até os 88, levou o gol de empate e o árbitro deu seis minutos de prorrogação (os árbitros estão sendo generosos na prorrogação, nesta Copa, o que indica uma tendência para as próximas competições).

O pênalti para a Holanda aconteceu numa jogada de habilidade e velocidade de Robben, algo que tem se repetido no torneio. É espantoso. Esse cara passa o tempo todo correndo e, aos 90, 91, 92, ainda tem fôlego para fazer o que fez dentro da área mexicana: dominou a bola, enganou o zagueiro com o corpo, foi ao fundo, impediu que ela saísse, cortou para dentro a fim de ganhar ângulo e então o capitão do México, o bom zagueiro Rafa Marques, esticou a perna e o derrubou.

Pênalti.

O holandês se prepara para cobrar. O goleiro Ochoa abre os braços. O narrador mexicano da rede de TV americana grita:

– Ochoa! Ochoa! Braços abertos como o Cristo, pode sair daqui como salvador!

Poético. Mas não deu. Gol da Holanda. Ochoa bem que fez seus milagres nessa partida, repetindo o que havia cometido contra o Brasil, mas não houve como superar o preparo físico holandês, apesar do calor, e a categoria desse terrível Robben.

SUÁREZ NÃO É UM COITADINHO

Há três anos, Suárez foi suspenso por sete jogos, por ter mordido um adversário.

Há dois anos, Suárez foi suspenso por oito jogos, por racismo.

Há um ano, suárez foi suspenso por 10 jogos, por ter mordido outro adversário.

A pena de Suárez, por mais um desvario, desta feita cometido numa Copa, só poderia ser muitíssimo mais pesada. Suárez talvez seja o melhor centroavante do mundo, mas, em campo, se comporta como um bandido. Ele morde, chuta, cospe e dá socos. E, para mim o pior de tudo, não tem vergonha de manifestar seu racismo.

Suárez não é um coitadinho. Maradona, Mujica e o técnico do Uruguai passaram a mão na cabeça dele depois daquela irresponsabilidade contra a Itália, quando deveriam censurá-lo. A desclassificação do Uruguai está na conta de Suárez. Em vez de reclamar da dura (mas justa) punição, ele deveria se recolher, aprender e, pelo amor de Deus, se tratar.

JOGO BONITO

Porto Alegre vai assistir à melhor seleção do mundo. A Alemanha pode não ganhar a Copa, pode nem ganhar essa partida de hoje, coisas estranhas acontecem no futebol, mas, acredite, não tem time mais bem enjambrado no planeta. Observe, você que vai ao Beira-Rio: a Alemanha joga um futebol de aproximação parecido com aquele do Barcelona de Guardiola. Há sempre pelo menos quatro alemães perto da bola.


Quer dizer: há opção para o passe. É um jogo refinado, escorreito, semelhante ao antigo estilo do Brasil. Aquilo que os estrangeiros chamam de “jogo bonito”. Mas é claro que às vezes o jogo bonito não é suficiente para bater um adversário encanzinado. Então os alemães chamam Klose do banco. E aí o centroavante faz o que tem de fazer: gol.

30 de junho de 2014 | N° 17845
VERISSIMO NA COPA

VERISSIMO NA COPA CRAQUES E CRAQUES

O que define um craque é a quantidade de jogadores necessária para detê-lo. Por este critério, Neymar é um craque indiscutível. Ele nunca estará sozinho em campo, terá sempre a companhia de dois ou mais adversários tentando lhe tirar a bola.

Mas a definição de craque pode ser dita de outra forma: craque, craque mesmo, é o jogador que tem sempre dois ou mais marcadores para detê-lo e não o detém. Neymar não tem passado nesse teste, nesta Copa. A não ser contra Camarões, que tinha a desculpa de ser Camarões, ele não tem conseguido se livrar do séquito inimigo.

Muitas vezes, no segundo tempo do jogo contra o Chile, me vi contando o número de jogadores de camiseta amarela em campo, porque a impressão era de que vários deles tinham desistido do jogo e ido para o vestiário, onde estava mais fresco. E um dos desaparecidos era o Neymar. Que ele é craque todo o mundo sabe. Contra a Colômbia, Neymar terá mais uma oportunidade de provar que é craque mesmo.

Nas notas baixas que todo o time mereceu depois do jogo com o Chile – com exceção do Julio César, que desagravou não só a si mesmo mas o seu homônimo romano e voltou à vida depois de abatido –, acho que fizeram uma injustiça com o Hulk. Ele merecia pelo menos um sete e meio. Foi o melhor do Brasil, depois do imperador, e apareceu nas duas áreas, ajudando na defesa e sendo o nosso atacante mais perigoso.

E continua o mistério do sumidouro no meio-campo brasileiro. A troca de inhos – o Paulinho pelo Fernandinho – não deu certo. Ramires e Willian foram vistos pela última vez fazendo sinais frenéticos para serem salvos da areia movediça, mas no fim também foram engolidos. O problema da Seleção não é técnico nem tático, é geológico. O chão está se abrindo aos pés dos jogadores. Ninguém consegue ficar de pé no nosso meio-campo!

Vendo o México dar um susto na poderosa Holanda, ontem, pensei: o que falta ao Brasil, além de um meio-campo estável, é esse atrevimento mexicano. Essa confiança, mesmo diante de réplicas de Thor, como são os holandeses, que podiam vencê-los. Confiança, convencimento, até um pouco de arrogância – é o que nos falta. E, claro, um Neymar disposto a calar a boca dos seus críticos.



30 de junho de 2014 | N° 17845
PAULO SANT’ANA

Lei da palmada

Foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff uma lei que pune os pais ou responsáveis por crianças que vierem a impor maus-tratos às pessoas sob seu poder pátrio.

Quero dizer que sou a favor desta lei e vou explicar adiante a minha posição.

Ocorre que, se a lei permite a palmada, os licenciados para aplicarem-na avançarão o sinal e imporão maiores castigos a seus filhos. A fúria humana não tem limites.

Vejam meu caso. Meu pai era cruel e desumano. Enquanto eu era criança, meu pai me esbofeteava com tal raiva de mim, que só cessava as bofetadas quando o sangue escorria pelo meu nariz.

Além de surras por bofetadas, meu pai me castigava, justa ou injustamente, com surras colossais, a maioria delas com laçaços de cinta.

Meu corpo ficava, após as surras desferidas em mim pelo meu pai, crivado de equimoses.

E se entendia naquele tempo, como até pouco tempo atrás, que o poder pátrio não tinha limites nos castigos que infligia a seus filhos.

Nem a Justiça podia punir os pais que aplicavam surras cruéis nos seus filhos.

Meu pai contava como meu avô fazia contra ele e seus irmãos, os meus tios.

Quando queria surrar meu pai e meus tios, meu avô sempre os chamava na varanda e mandava que eles fossem buscar um rebenque, chamado de rabo de tatu.

Ao menino que ia ser castigado era imposto que ele caminhasse até a sala e de lá trouxesse o rebenque.

Imagine o terror de que eram possuídos meu pai e meus tios quando tinham de andar até a sala e voltar de lá com o rebenque que seria o instrumento de seu suplício.

E ali eram supliciados. Deve ter sido por essa prática e tradição que meu pai herdou o costume de me torturar fisicamente.

Costume não, era uma tara.

Porque eu não tenho dúvida de que meu pai tinha um prazer hedonístico ao me surrar, eu via isso nos seus olhares sádicos.

Então, eu aplaudo a Lei da Palmada. Porque fui vítima de uma época inteira que licenciou entre nós as surras dos pais.

Agora, num avanço civilizatório, a presidente Dilma sancionou a Lei da Palmada, que adverte, encaminha a programas de proteção à família e orientação psicológica os pais faltosos.

Se quando do castigo decorre ato tido como infração penal, responderão os pais pelo delito correspondente.


Os meus aplausos mais fartos a essa lei.

30 de junho de 2014 | N° 17845
NILSON SOUZA

Mentalidade monarquista

Por coincidência, terminei de ler ontem as 415 páginas de 1889, exatamente no dia em que este jornal publicou uma bela entrevista com o autor do livro, Laurentino Gomes. O jornalista paranaense que virou escritor de sucesso, e que vem recontando de maneira deliciosa a história do Brasil, disse ao repórter Alexandre Lucchese que a herança monárquica é mais forte do que a republicana na formação do caráter do brasileiro.

O que isso significa? Segundo o escritor, que parcela expressiva da população prefere acreditar que o soberano, o monarca, agora representado pelo Estado, lhe dará tudo o que necessita, sem que precise se envolver e participar da vida do país. Do mesmo teor é o pensamento mágico de que todos os políticos são corruptos e que é preciso entregar a um ditador (imperador?) a tarefa de moralizar a nação.

Seríamos, portanto, uma República com mentalidade monarquista. Realmente, o próprio Laurentino conta em seu livro que os brasileiros nunca tiveram muito apreço pela República, na verdade um golpe militar na carcomida monarquia de Dom Pedro II, ele mesmo um simpatizante do regime republicano. Outra assustadora constatação, essa atribuída ao abolicionista Joaquim Nabuco, é a de que a escravidão prolongada fez com que os brasileiros desprezassem o trabalho, pois quem trabalhava era o escravo.

Corta para esta segunda-feira que assinala a metade do ano. Neste momento, avança no Congresso um projeto do deputado mineiro Newton Cardoso que pretende extinguir exatamente o feriado da Proclamação da República, o 15 de Novembro, sob o argumento de que o movimento comandado por Deodoro da Fonseca não teve participação popular.

Não teve mesmo. O projeto de Newtão é absurdo, mas pode ter um efeito positivo para a economia do país. Caso seja aprovado, neste ano só voltaremos a ter feriado no Natal. Julho e agosto não têm feriados, o 7 de Setembro cai num domingo, como também 12 de outubro (Nossa Senhora Aparecida) e 2 de novembro (Finados).


Nada mais republicano – para usar a linguagem da moda – do que trabalhar, não é verdade?

domingo, 29 de junho de 2014

JOSÉ SIMÃO

Ueba! A Copa não pode acabar!

O Felipão dando coletiva parece aquele touro que fica preso e só soltam na arena pra derrubar peão

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Pausa na Copa: Sarney vai se aposentar! Não pode! Não pode abandonar a piada no meio! Diz que vai se dedicar à família. Mas não tem ninguém em casa. A família tá toda em Brasília! Rarará!

E hoje é a coluna do retardado. Entrego a coluna sem saber o resultado do jogo do Brasil! Só sei que morri! Rarará!

E só sei que Vincent van Gogh cortou a orelha pra não ouvir o Galvão gritando.

E que o Felipão dando coletiva parece touro de rodeio: aquele touro que fica preso e só soltam na arena pra derrubar peão! E que os paletós da Patrícia Poeta encolheram!

E adorei Colômbia X Japão! Okubo X Cuadrado. Um jogo de pontas. E adorei Portugal X Grana! Quem nasce em Gana é ganense e quem joga por Gana é ganancioso!

E a Aaarghentina? Jogador argentino pensa que é modelo da Calvin Klein, passa o jogo inteiro arrumando a cueca!

E o slogan do ônibus da Argentina: "Sem o Messi, nosso time é uma bosta". Rarará!

E o Messi é venerado, mas continua com cara de garçom de puteiro. Aquele que leva a bandeja de uísque! Rarará!

E a sobrancelha do Cristiano Ronaldo parece o logo da Nike!

E o lema da França: "Egalité! Liberté! Beyoncé! E Vancifudê!". Rarará! E aquela maca da Fifa parece maca do IML!

E duas piadas prontas: 1) "Americanos da ESPN no Rio comem 200 rosquinhas por dia". Tá Tendo Cópula! Turismo Sexual!

2) "Mulher morde PM em blitz da Lei Seca em Natal". Efeito Suárez. É o legado da Copa! Epidemia de mordida em Natal! Rarará! Suárez suspenso por nove jogos.

Ele vai morder o Blatter! Carne de segunda! Se ele mordesse a bunda do Hulk, ficava banguela. Rarará! Ele foi eleito o mordilheiro da Copa!

Esta Copa não pode acabar nunca! Aderi ao movimento "Vamos trocar a Olimpíada por outra Copa". Vamos trocar as eleições por outra Copa! E a Fifa libera a mordida!

E olha o que um menino vendedor de bala disse em frente a um hotel de luxo em Fortaleza: "Moço, quando eu crescer, eu quero ser turista". Fofo! Abaixo a Fifa e Viva o Fofo! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!


FERREIRA GULLAR

Da vaia ao papo furado

Que Dilma Rousseff, indo ao jogo de estreia da Copa, seria vaiada, ninguém duvidava, nem nós nem ela

Insultar quem quer que seja é coisa que não se pode aceitar, muito menos quando se trata de uma senhora e senhora essa que exerce o cargo de presidente da República. Quem fez isso, qualquer que tenha sido o motivo, cometeu um ato indefensável.

É indiscutível. O outro lado dessa tolice é oferecer argumento aos partidários da ofendida, que é também candidata a novo mandato presidencial. Quem age sem pensar ajuda o adversário, como ocorreu agora neste episódio que envolveu Dilma Rousseff. Que ela, indo ao jogo de estreia da Copa do Mundo, seria vaiada, ninguém duvidava, nem nós nem ela.

Tínhamos certeza de que ela jamais apareceria ali, depois das vaias que já havia tomado, ao mostrar-se em público. Mas desta vez estava obrigada a ir ao Itaquerão, uma vez que vários chefes de governo de países que participam da Copa estariam presentes ali.

Mesmo temendo ser vaiada, na qualidade de anfitriã, não poderia estar ausente. Por isso foi e, como temia a reação do público, ficou quietinha no seu canto, não discursou, não saudou o público das arquibancadas. Sucede que a televisão revelou a sua presença e a projetou no telão: a vaia inevitável aconteceu e, infelizmente, os insultos também.

Vaia é uma manifestação pertinente com que a massa popular costuma expressar sua desaprovação, por exemplo, ao modo como um governante governa. A legitimidade da vaia apoia-se no fato de que ela expressa o descontentamento da maioria, o que não significa que seja sempre justa.

Por exemplo, a vaia contra Diego Costa, o brasileiro que integra a seleção espanhola, foi simplesmente idiota. A verdade é que, se a maioria não apoia a vaia, ela não ocorre e, se ocorrer, mixa. Aliás, isso raramente acontece, porque, ao que tudo indica, quem vaia acredita que expressa o sentimento de todos. Quem vaia não duvida.

Daí por que a vaia, quando se trata de um (ou uma) governante, é um fato político importante, pois demonstra que o descontentamento dos governados chegou ao limite. E frequentemente expressa também certa impotência dos descontentes em face do governante que tanto lhes desagrada.

É como se gritassem: "Chega! Vai embora!". Mas, para que esse desejo se realize, é necessário derrotá-lo nas urnas. Não basta vaiar, nem muito menos insultar.

De qualquer modo, no caso da presidente Dilma, a vaia é sinal de uma crescente impopularidade, que se expressa também nas pesquisas de opinião.

É igualmente significativo que, sendo ela, dentre os candidatos à presidência de República, quem está permanentemente na televisão, discursando, prometendo benesses ao setor mais carente do eleitorado, inaugurando obras realizadas ou por realizar, a verdade é que, apesar disso, a cada dia que passa, ela cai nas pesquisas.

Embora isso não signifique que já tenha perdido as eleições, trata-se, sem dúvida, de um fato preocupante, que assusta também Lula e a direção do PT.

Lula, que afirmara, faz pouco tempo, que não permitiria a volta do PSDB ao governo do país, sabe muito bem que, mesmo sem sua permissão, isso pode ocorrer. Por isso mesmo, saiu da sombra em que se mantinha para assumir a defesa de sua candidata e indicar o rumo da sua campanha pela presidência da República, que se encontra em plena marcha, mesmo desrespeitando a lei eleitoral.

"Se em 2002, fizemos uma campanha da esperança contra o medo, agora é da esperança contra o ódio", afirmou ele, deixando claro, descaradamente, que vai repetir o mesmo truque de antes: fazer-se de vítima de um inimigo que odeia o lulismo por este defender os desamparados; como nas histórias em quadrinhos, trata-se do mal contra o bem, do ódio contra a esperança.

Sucede que nenhum político pregou tanto o ódio contra seus adversários quanto Lula que, ao ver que assim nunca se elegeria presidente da República, mudou o discurso para se tornar o "Lulinha paz e amor".

O ódio contra a esperança? Parece piada. Que esperança pode representar um partido que, após doze anos de governo, levou o país à inflação e paralisou o crescimento econômico?


A esperança não pode estar em reeleger quem fracassou e, sim, em mudar o que não deu certo.
ELIANE CANTANHÊDE

Direto das Papudas

BRASÍLIA - Diante da "suruba", como diz o deputado Alfredo Sirkis, ou da "bacanal", como prefere o prefeito Eduardo Paes, tratou-se com estranha naturalidade o fato de alianças partidárias serem comandadas ou avalizadas por condenados, diretamente das prisões.

Da Papuda, o ex-deputado Valdemar Costa Neto mandou o PR botar a faca no pescoço da presidente da República: se ela não trocasse o ministro dos Transportes, o partido é que trocaria... de candidato.

Na convenção do PT, Dilma foi muito aplaudida ao dizer que "não fica de joelhos para ninguém". Bastaram quatro dias e lá estava ela de joelhos para o PR de Costa Neto.

Depois de ter batido várias vezes a mão na mesa, jurando que não trocaria de ministro, Dilma acabou se rendendo à pressão não apenas do PR, mas principalmente de Lula e do PT. Tudo por causa de um minuto e uns segundinhos de TV a mais na campanha eleitoral.

Foi assim que César Borges caiu dos Transportes pelas suas virtudes, não pelos seus defeitos. Técnico sério, Borges tinha a aprovação da presidente e muito respeito no setor. Seu problema é que não era chegado às "surubas" do partido.

Do outro lado, foi do Presídio Ary Franco, no Rio, que o ex-deputado Roberto Jefferson avalizou que o PTB saísse da base aliada de Dilma e fosse para a campanha de Aécio.

Um reluzente pôster de Jefferson ilustrou a convenção que formalizou o apoio ao tucano, e partidários sorridentes puderam fazer "selfies" junto à foto do condenado famoso.

Enquanto Dilma ganha disparado a corrida pelo tempo de TV, Aécio e Eduardo Campos colhem as dissidências, principalmente do PMDB, para chapas e palanques estaduais.


Ao largo da "suruba" e da "bacanal", a economia continua produzindo farto material para a oposição. Em maio, o deficit do governo bateu recorde e o aumento do emprego formal foi o pior para o mês em 22 anos. Mas quem se interessa por isso?

sábado, 28 de junho de 2014


29 de junho de 2014 | N° 17844
VERISSIMO NA COPA | L.F.VERISSIMO

UFA!

É conhecida a história daquele editor de jornal que se lembrou em cima da hora que no dia seguinte era Páscoa e o jornal precisava se referir à data. Entrou na redação e pediu a um repórter:

– Escreve aí cinco linhas sobre o martírio de Jesus Cristo.

E o repórter: – A favor ou contra?

Também faz parte do folclore jornalístico a matéria feita antes do fato, que vale para qualquer eventualidade. Considerações sobre o nada, à prova de desmentido. Outro recurso do jornalista na sua eterna luta com os prazos de fechamento do jornal é fazer duas matérias, uma prevendo uma coisa e outra prevendo o seu oposto. Este é perigoso, pois há sempre o risco de haver confusão e sair a matéria errada. No caso do futebol, a matéria dupla feita antes de se conhecer o resultado do jogo – por que ganhamos, por que perdemos – requer uma dose ainda maior de sangue-frio.

A verdade é que entre todos os avanços tecnológicos disponíveis, hoje, para jornalistas e palpiteiros ainda não inventaram o que realmente precisamos. Lembro a sensação que foi, entre nós, subdesenvolvidos, a aparição de jornalistas europeus com computadores portáteis, ainda primitivos mas já anos na frente das nossos humildes blocos de notas e canetas, na Copa do México em 86.

Transcrevíamos nossas notas com máquinas de escrever pre-históricas e depois picotávamos nossas matérias em fitas de Telex, para transmiti-las. Hoje temos tudo na palma da mão e na ponta dos dedos – celulares, tabletes, satélites e etceteras eletrônicos – para transmissões instantâneas – mas ainda não temos bolas de cristal. Nada mais antigo, do tempo de magos e feiticeiras, do que bolas onde se enxerga o futuro. Mas falta a versão para jornalistas. Assim não dá.


Confissão: o texto acima foi escrito antes do jogo. Agora eu sei qual foi o resultado do jogo. E cada vez me convenço mais que decisão nos pênaltis deveria ser proibida pela Convenção de Genebra. Quanto ao jogo, minha analise abalizada é a seguinte: UFA!

29 de junho de 2014 | N° 17844
FABRÍCIO CARPINEJAR

Separações líquidas

Casar virou namorar, namorar virou ficar, ficar virou provar.

Acredito que todo mundo casa fácil porque é também muito fácil se separar.

Nos anos 70, o casamento era medido por décadas. Mesmo quando um casamento fracassava, durava no mínimo duas décadas.

Nos anos 80, o casamento era medido por anos. Mesmo quando um casamento desmoronava, durava no mínimo cinco anos.

O casamento hoje é por dia. Como se fosse hotel.

Agora, o matrimônio cobra diária. Todo dia é dia de se separar. E por qualquer coisa.

Las Vegas do divórcio é aqui.

Você pode sair de manhã, eufórico e confiante, extremamente disposto, seguro do romance, e quando voltar à noite não encontrar mais ninguém ao seu lado.

Se cometeu uma falha, nem terá oportunidade de se explicar. Se não errou, nem terá chance de entender e desfazer confusões.

É tão simples se divorciar que ninguém mais pretende se estressar. Não há nem o civilizado e educado aviso de despejo. É dar as costas, largar o passado e seguir adiante. Quebrou o amor, troca! Quebrou o amor, compra outro! Quebrou o amor, não vale investir consertando!

Os casais não brigam mais até cansar para, então, se separar. Não brigam mais até esgotar as possibilidades para, então, se separar. Não tentam durante semanas e semanas expor as dores, as feridas e a raiva para, então, se separar. Não recorrem ao choro, à histeria, ao perdão, ao abraço, ao exorcismo, aos centros religiosos, aos amigos, aos parentes para, então, se separar.

A separação vem antes. A separação é a regra. A separação é o hábito. A separação é seca, definitiva, sem explicações.

As pessoas se separam primeiro para depois discutir. As pessoas se separam primeiro para depois conversar. As pessoas se separam primeiro para depois desabafar o que incomoda.

Elas arrumam todas as malas, esvaziam os armários, realizam a limpa no apartamento e depois, se houver vontade, se encontram e sentam frente a frente para resolver as diferenças.

São uniões interrompidas com silenciadores, distante de estampidos e gritos.

Ninguém se separa de fato, todo mundo deserta, todo mundo abandona a convivência.

É uma irresponsabilidade extraordinária com o outro, é uma indiferença tremenda ao que foi construído com o outro, é um desprezo ao que foi sonhado a dois.

E os motivos podem ser os mais loucos e insignificantes. O desenlace não ocorre mais por justificativas duras como adultério e deslealdade.

Há gente que se separa por incompatibilidade de gênios (expressão que denuncia megalomania, o correto seria incompatibilidade de burros).

Há gente que se separa porque não suporta o medo de ser traído.

Há gente que se separa porque estava muito feliz e não aguentava tamanha pressão.

Há gente que se separa porque se viu entregue ao relacionamento e estava perdendo a identidade.

Há gente que se separa porque não sabia mais o que estava fazendo da vida.

Há gente que se separa porque não esperava que fosse assim.


Atualmente entra-se numa relação e não se fecha a porta – a porta permanece encostada o tempo inteiro.

29 de junho de 2014 | N° 17844
PAULO SANT’ANA

Deus salvou o Brasil!

De cada dez disputas pelo alto, dentro ou fora das duas áreas, o Brasil ganhou nove. Isto quer dizer que fisicamente o Brasil levou uma grande vantagem.

O que quer dizer também que no restante, a técnica e a tática, o Brasil levou a pior, pois teimava em ficar empatado com o Chile.

Ir para a prorrogação com o Chile é desonroso para o Brasil. Porque temos mais time que o Chile, porque jogamos em nossa casa ontem com apoio de 90% dos torcedores.

Neste momento, escrevo antes de começar o segundo tempo da prorrogação. Só isso basta para que o Brasil não se inscreva como um dos favoritos ao título, se bem que o futebol é imponderável.

Paro o computador para ver a segunda fase da prorrogação.

Com 119 minutos de partida, portanto aos 29min de prorrogação, estourou no travessão brasileiro uma bola chutada pelo Chile, lembram?

Agora imaginem como eu me sentia: no bookmaker, eu tinha só uma aposta, ou seja, só ganharia a bolada se o Brasil vencesse na prorrogação.

Eu me sentia eletrizado, não pelo jogo, mas pela quantia que estava em jogo para mim. É emocionante.

Finalmente, depois de desperdiçar dois pênaltis, o Brasil passou para as quartas de final.

Há uma confusão em mim, será que estou eufórico porque o Brasil ganhou ou porque levantei R$ 60 mil no bookmaker.

Há uma confusão dentro de mim e uma profusão no meu bolso.

O Brasil passou a ser um dos oito candidatos ao título, mas perdeu a condição de favorito, ganhar do Chile nos pênaltis, até o Felipão considera uma vergonha.

Aos 119 minutos de jogo, em plena prorrogação, faltando um minuto para terminar o jogo e ir para os pênaltis, o Chile mandou um canhonaço no travessão brasileiro.

E, no último pênalti cobrado pelo Chile, a bola chutada por Jara foi na trave brasileira.


É muita coisa!

29 de junho de 2014 | N° 17844
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

A franja da Farrah Fawcett

Se tem algo de que os brasileiros deveriam se orgulhar são as novelas da Globo. Estão empoleiradas em um nível muito superior a quaisquer outras, de qualquer outro lugar. As redes de TV americanas com programação em espanhol passam novelas da Globo e, é claro, novelas mexicanas. A diferença entre umas e outras é do tamanho do Atlântico.

Fico pensando. Será que os mexicanos não se sentem empulhados por quem faz as novelas deles? Aqueles atores mexicanos. Eles não são verossímeis. O jeito que se comportam, o jeito que falam. Os gestos afetados. E as roupas! Todas aquelas joias, todos aqueles lenços e echarpes e saltos altos e camisas abertas ao peito e, Jesus Cristo!, todo aquele cabelo. É muito cabelo. As atrizes mexicanas parecem a Farrah Fawcett.

Você se lembra do cabelo da Farrah Fawcett? Da franja dela? Só que a Farrah Fawcett usava aquele cabelo nos anos 80, quando nós nos vestíamos de uma forma estranha. Havia calças baggy nos anos 80. Nós, homens, também usávamos calças baggy pregueadas, com a cintura aqui em cima. Eu não me lembro de ter usado, por Deus Nosso Senhor que acho que não usei. Mas também não garanto, vai que alguém encontre uma foto minha aí no Google, eu de calça baggy pregueada com a cintura aqui em cima.

Maldito Google.

Falando em cabelo, você se lembra do cabelo do cara do Ghost? Digo o herói, aquele que virou fantasma. Um loiro, lembra?

Aquele cara era o galã do filme, e olha o cabelo dele. Tinha mullet.

Como podíamos ser daquele jeito nos anos 80?

O Roberto Carlos, por exemplo, usou uma pena no cabelo nos anos 80, quando ele ainda não comia carne. Imagina um sujeito andando por aí com uma pena no cabelo. E houve um tempo em que homens e mulheres calçavam tamancos de madeira. Eu nunca caminhei em cima de um tamanco de madeira e não tem Google que possa provar o contrário.

Mas o que queria dizer é que os mexicanos ainda vivem nos anos 80. Talvez seja bom para eles, os anos 80 tiveram seus méritos. Nós, da América do Sul, nós com nossas atuais discussões ideológicas parecemos viver nos anos 60. A Coreia do Norte ainda não saiu dos 40. Quem vive no século 21? Possivelmente só alemães e canadenses. Um dia ainda chegaremos aonde estão alemães e canadenses. Como serão as novelas deles?

BRASIL BUNDA LEVANTADA

Aqui no Grande Irmão do Norte tem um brasileiro que é conhecido como “O Mago dos Glúteos”. Por Deus. O cara é um personal trainer que inventou um método de exercícios chamado “Brazil Butt Lift”, que, em tradução livre, pode ser algo como “Brasil Bunda Levantada”.

Numa propaganda de TV, uma TV com programação em espanhol, obviamente, ele promete que, com o método dele, qualquer mulher pode ficar com “a famosa bunda brasileira”, e aparece junto com a Alessandra Ambrosio e a Ana Beatriz Barros. Segundo a propaganda, essas duas devem suas respectivas bundas ao “Mago dos Glúteos”. Será? Vou dar uma reparada melhor nas bundas da Aninha e da Ale para ver se o mago é bom mesmo.

PRÊMIOS NOBEL

Confesso que isso de “as famosas bundas brasileiras” me desagradou um pouco. Não que não sinta orgulho das nossas bundas, não se trata disso, mas, sei lá, acho desconfortável você dizer que é brasileiro e a outra pessoa comentar:

– Ah, lá tem ótimas bundas.

Não, não. Preferia que tivéssemos Prêmios Nobel. Não temos? Bem, que falem das nossas novelas, então. As bundas deixemos para a intimidade.

SANDUÍCHE DE ATUM

Os americanos precisam muito exercícios para as bundas deles porque eles são gordos. Não todos os americanos, é evidente. Tem de tudo por aqui. Mas esse é, definitivamente, um país de gordos. Pudera: todo aquele bacon no café da manhã. E os hambúrgueres gigantescos, recheados com tudo que você pode imaginar.

Os americanos são exagerados. Eles gostam de consumir em grandes quantidades. Outro dia, entrei num café e vi que a estrela do cardápio era o sanduíche de atum. Ora, sanduíche de atum é um clássico da América. Estou aqui também para conhecer os clássicos e contar para você, não é?

Pedi o sanduíche de atum.

Vieram duas fatias de pão separadas por uma pasta de quatro dedos de atum. Cristo, pra que tanto atum num sanduíche? Devia ter umas duas latas de atum ali, dava para alimentar uma família inteira. E nem ficou bom. Ao contrário, enjoei de comer tanto atum e deixei o sanduíche pela metade.

Por isso é que eles são gordos. Tudo é em grande quantidade. Você come e come e pode repetir e come mais. Aí o que eles fazem? Apelam para o Mago dos Glúteos. Chamem o Mago dos Glúteos! Onde está o Mago dos Glúteos? Precisamos do Mago dos Glúteos!


Francamente, os americanos precisam escolher: ou o bacon ou a famosa bunda brasileira.

29 de junho de 2014 | N° 17844
MARTHA MEDEIROS

Coraçãozinho

Quem viaja para um país exótico sempre acaba provando algum prato estranho, fora do seu costume. Nem que seja para fotografar e postar numa rede social com a legenda: sobrevivi.

Escorpião frito em Cingapura, morcego à caçarola no Vietnã, cérebro de macaco na África, sopa de cachorro na Coreia do Sul, ou mesmo uma iguaria chique e nem tão exótica, como o escargot francês – lesma, em bom português. Nada disso mata, mas produz muita cara feia. Minto: algumas refeições matam, sim – o baiacu venenoso da cozinha japonesa, por exemplo. Por mais bem treinados que sejam os chefs que se habilitam a preparar esse peixe, ainda assim 20 pessoas por ano dão adeus à vida depois de ingeri-lo.

Pois o Brasil está tendo a chance de, simpaticamente, dar o troco. Nunca recebeu tantos estrangeiros de uma só vez como no período da Copa, e essa gente toda, de tantas partes do mundo, precisa se alimentar. A caipirinha cai no agrado de todos, mas como eles estarão enfrentando os sólidos? Vatapá não mata, só nocauteia. Buchada de bode dizem que também não mata, mas duvido. E farofa de formiga costuma ser confundida com farofa de amendoim, ou seja, os gringos não devem estar passando muito trabalho no Norte e Nordeste, ao menos nada que se compare com a cena que vi de uns australianos, aqui no Sul, encarando seu primeiro coração de galinha.

“Vocês comem coração de galinha???? Oh, my God!”

Dizer a eles que chamamos carinhosamente de coraçãozinho não minimizou o asco. Entendo: eu também não ficaria comovida se me servissem um filezinho de cobra. Mas cobra é um réptil repugnante, viscoso, traiçoeiro, já a galinha é uma criatura doméstica, pacífica, rechonchuda. Mais arisca do que dócil, é verdade, mas nunca fez mal a ninguém, logo, é tenro seu coraçãozinho.

Tentaram. Mas foi como se estivessem de frente para um olho de cabra, um rabo de camundongo, o músculo de um gambá. Demonstraram absoluto pavor em comer um coração, algo que ainda estava batendo dias atrás, símbolo da paixão e da vida – mesmo de uma galinha.

Uns não tiveram coragem, outros tiveram e fizeram caretas tão repugnantes e sofridas que chegou a me dar pena: coitados, não estava sendo uma experiência cultural, e sim uma tortura impiedosa. Ok, acabou a brincadeira, vamos pedir hot dog para todo mundo – e que ninguém venha comentar as minúcias da fabricação de salsichas.


Dias atrás teve churrasco aqui em casa e vi meus dois pequenos sobrinhos devorarem um quilo de coração sem dó, com uma gula de centroavantes. Por que eles não questionam o que comem? Porque a gente só reluta diante do desconhecido. Se fosse servido um canguruzinho a vapor (que os australianos, aliás, adoram), aí teria que ter preleção antes – e nem gosto de imaginar as caretas.

29 de junho de 2014 | N° 17844
ANTONIO PRATA

É pavê ou pacomê?!

Tem gente que se irrita, que suspira e vira os olhos como um filósofo vendo TV ou um cientista lendo o horóscopo, mas eu, não. Eu sorrio feliz e contente toda vez que escuto alguém perguntar, diante de um pavê, com a certeza do primeiro ser humano tocado pela luz da inspiração: “É pavê ou pacomê?!”.

Que coragem. Veja, vivemos sob a égide do grande Deus Photoshop. Começamos tirando as celulites das bundas, passamos a cortar as estrias dos discursos e, hoje, removemos manchinha por manchinha de nossas facebúquicas personalidades. Nesta era da performance, em que cada ideia é cuidadosamente escanhoada antes de ser posta no mundo, em que cada julgamento é miligramicamente pesado para se avaliar os seus efeitos – seus likes, deslikes e retuítes –, enfim, nestes tempos bicudos em que a canalhice é perdoada, mas a ingenuidade, não, o cidadão me sai com essa: “É pavê ou pacomê?!”. Que coragem.

Trata-se, evidentemente, de um espírito superior. Um homem acima da moral de sua época, que não tem vergonha de baixar a guarda e mostrar-se desprotegido, como aqueles peladões que, antigamente, surgiam correndo no meio de um jogo de futebol.

Como eram felizes os peladões de antanho, livres e despropositados, ziguezagueando entre jogadores perplexos e policiais furibundos. Agora, os peladões têm objetivos, estratégias, método. Desnuda-se pelo fim da corrupção, pelos golfinhos, pela bicicleta. Tudo bem, é sempre melhor ver ativistas ucranianas em pelo (ou sem pelo nenhum) defendendo uma causa nobre do que ruralistas (vestidos, felizmente) atacando as leis ambientais.

Sejamos anarquistas ou sojicultores, despidos ou de burca, contudo, fomos todos cooptados pela cartilha do cálculo. No século 21, até adestrador de cachorro tem assessor de imprensa, pipoqueiro faz coaching, refém de assalto a banco imagina, com uma arma na cabeça, como vai capitalizar a experiência, saindo dali: palestra motivacional? Biografia? Autoajuda? Só nosso amigo do pavê não pensa nos efeitos e consequências de seu ato: simplesmente segue o impulso. É o último romântico, filho temporão de Jacques Tati, neto do Charlie Chaplin, lutando contra as catracas do bom (sic) gosto, da etiqueta, da inteligência.

Ah, a inteligência, superestimada virtude! Goebbels, Stalin, Kalashnikov e o inventor do telemarketing eram todos inteligentíssimos e o mundo passaria bem melhor se, em seus lugares, tivéssemos um punhado de figuras capazes de desafiar a família, os amigos, os chefes e colegas de trabalho, sem medo do ridículo ou de retaliações, em nome de uma piada (dita) infame.

“Bem-aventurados os do ‘pavê ou pacomê’, pois verão a face de Deus”, diria Jesus, na Galileia, se na Galileia já houvesse pavê. Não havia – mal havia pacomê –, de modo que os bravos iconoclastas seguem na luta sem o beneplácito de Deus, enfrentando com a cara e a coragem o desdém da sociedade. Não desanimem, irmãos: saibam que, se não têm o testemunho de Mateus, contam ao menos com o apoio deste modesto cronista, sempre disposto a responder, com a colher em riste e a fé no futuro: “Pacomê!”.

Bem-aventurados os puros de coração.



28 de junho de 2014 | N° 17843
VERISSIMO NA COPA | L.F VERISSIMO

VERISSIMO NA COPA COMO GARRINCHA EM 62

Onde você estava quando o Brasil derrotou o Chile na casa deles, na Copa de 62? Eu sei, você ainda não era nascido. Às vezes tenho a impressão de que ninguém era nascido naquela época, só eu.

O que mudou de então pra hoje? Começando pelo mais sério: hoje o Chile tem um time que não tinha em 62, que provavelmente nunca teve até agora. E não é só o Alexis Sánchez, tem mais gente boa. O Brasil era quase o mesmo que ganhara a Copa de 58. Mas não tinha o Pelé. O Pelé se machucou no começo da Copa. E o Garrincha decidiu que, sem o Pelé, seria tudo com ele. E foi.

Garrincha era o homem de uma jogada só. Mortal, mas uma só. Duvidavam que ele pudesse fazer outra coisa além de entortar seu marcador e mandar para a área, sempre pela direita. Me lembrei de uma história que contavam dos pianistas de jazz Ary Tatum e Bud Powell. Tatum era um virtuose do piano. Pianista de teclado inteiro.

Powell, um dos inventores do be-bop, tocava um piano mais linear, de longas frases com a mão direita. E Tatum espalhou que Powell não tinha a mão esquerda. Uma noite, no Birdland de Nova York, Powell ficou sabendo que Tatum estava na plateia e tocou o tempo inteiro só com a mão esquerda. No Chile, em 62, Garrincha fez coisa parecida. Jogou pelo meio, fez gol de falta, fez até gol de cabeça, talvez o único em toda a sua vida, e só não jogou mesmo pela direita.

O time brasileiro de 62 era melhor do que o time que joga hoje com o Chile? Essas comparações são sempre enganosas. O futebol era outro. Jogadores como Nilton Santos e o próprio Garrincha certamente estariam na Seleção hoje, mas outros talvez não aguentassem as exigências físicas de agora. De qualquer maneira, é bom imaginar que alguém se multiplicará em campo, hoje, como fez o Garrincha em 62. Pode ser o Neymar ou pode ser uma surpresa para todo o mundo, como também foi o Garrincha.

Onde é que eu estava quando o Brasil eliminou o Chile em 62? No apartamento de uma tia, no Leme (de passagem pelo Rio a caminho de Londres, onde estudaria cinema, me tornaria um diretor de sucesso e enriqueceria), ouvindo os jogos pelo rádio. É, isso também mudou. Não tinha transmissão pela TV e eu tinha 26 anos menos.



28 de junho de 2014 | N° 17843
DAVID COIMBRA

DAVID COIMBRA VIVA A FIFA VIVA A FIFA

A Fifa é uma entidade cheia de problemas, que merece carradas de críticas. E, de fato, no Brasil, a Fifa foi muito criticada. Só que pelos motivos errados.

No Brasil, a Fifa foi criticada pelos seus méritos.

Você não se lembra, mas o futebol, até bem pouco tempo atrás, era o que no interior de Cachoeira do Sul se chama de “furdunço”. O torcedor era tratado como aquelas galinhas que passam a vida presas em gaiolas nos aviários. Houve jogos no Olímpico e no Beira-Rio com algo em torno de 100 mil pessoas em cada estádio, imagine (no Beira-Rio e no Olímpico cabe a metade disso). Os torcedores se empoleiravam uns em cima dos outros, os banheiros, pouquíssimos, eram imundos, os corredores de saída estreitíssimos. A tragédia estava sempre rondando os campos de futebol.

Muitos campeonatos não terminavam – iam para o que se chamava de “Tapetão”, termo que nem se usa mais. As fórmulas eram esdrúxulas. Um time era desclassificado numa fase, disputava uma repescagem e voltava na semifinal. Um Campeonato Brasileiro chegou a ter quase cem participantes, divididos em 10 chaves.

Hoje o futebol é organizado. Há padrões de tratamento do público, de respeito a contratos de jogadores, de uniformidade de arbitragem. Uma Copa é um exemplo de planejamento e eficiência. É o maior evento internacional do mundo, e sempre funciona bem. Estão envolvidas multidões de 32 países de todo o planeta, jornalistas, artistas, gente de culturas e comportamentos diversos, mas as coisas sempre saem à perfeição. Observe um jogo de Copa. As multidões se deslocam sem atropelo, entram com facilidade nos estádios, assistem a ótimos espetáculos e voltam para casa em segurança.

Graças à Fifa.

No geral, a Fifa fez bem ao futebol. E a Fifa não cometeu nenhum dos erros a ela atribuídos no Brasil. A Fifa não mandou que ninguém fosse despejado de sua casa, não mandou que a prefeitura de Porto Alegre tirasse o Mek Aurio do seu lugar histórico, não mandou que o governo estipulasse 12 sedes em vez de oito, não determinou que qualquer estádio fosse construído. A Fifa não mandou, não manda nem mandará no Brasil.

O que a Fifa fez foi entregar ao Brasil um caderno de encargos, já que o Brasil queria sediar a Copa. Entre os encargos não estão previstas desocupações, onerações de impostos ou gastos seja lá em que setor for. A Fifa não obriga ninguém a gastar em estádio o que era para ser gasto em hospitais. O Brasil tinha, apenas, de apresentar algumas condições básicas para sediar o torneio. Caso o Brasil não quisesse, outros países o sediariam com boa vontade. Mas o Brasil quis, ganhou e festejou a conquista.

Às vezes o Brasil parece um país habitado inteiramente por adolescentes, rebeldes pela rebeldia, contestadores do mundo adulto do qual não fazem parte.

Os podres da Fifa não estão localizados na organização da Copa, aí estão as qualidades da Fifa. Os podres da Fifa são mais sofisticados. O principal deles é que a Fifa criou uma rede de opressão ao principal protagonista do futebol, que não é o jogador, não: é o clube. Sem os clubes, o futebol não existe, e a Fifa escraviza os clubes com sua estrutura rígida montada a partir de confederações e federações.

Aí, nesse sistema tirânico da Fifa, reside toda a podridão. Mas não é este o meu assunto, por ora. Meu assunto é o que a Fifa faz de bom, e os brasileiros estão experimentando agora o que a Fifa faz de bom. A Copa do Mundo é um show de organização, competência e bom senso. Que o Brasil aproveite a Copa do Mundo. E aprenda com ela.

BRASIL TEM OBRIGAÇÃO DE BATER O CHILE HOJE

Todos nós sabemos que o Chile tem um bom time e tudo mais, mas é inconcebível o Brasil ser eliminado pelos chilenos nas oitavas de final de uma Copa em território brasileiro. Seria o maior fiasco da Seleção Brasileira em todos os tempos.

Portanto, não vou me ater aos perigos do Chile, no Aránguiz, no Vargas, no liso camisa 7 Sánchez. Não. Quem tem de se preocupar com isso é o Felipão e seus jogadores.


Só digo isso: o Brasil tem obrigação de vencer. Obrigação. Não me voltem para casa desclassificados.