08
de março de 2015 | N° 18095
L. F. VERISSIMO
Paciência
O
que eu estou fazendo, pergunta você, jogando Paciência no computador em vez de
trabalhando?
Sua
pergunta inclui dois pressupostos enganosos. O primeiro é que Paciência seja um
jogo. Não é. Um jogo seria um embate entre forças equivalentes: você e um ou
mais adversários e suas respectivas habilidades, o acaso, a lei das probabilidades
e a sorte de cada um. Na Paciência de computador, você pensa que está
enfrentando você mesmo numa máquina pretensamente neutra, e não está. A máquina
não é neutra.
Foi
programada para frustrar suas repetidas tentativas de derrotá-la – justamente
para testar sua paciência – e eventualmente deixá-lo ganhar. Você não ganha
porque acertou, ganha porque o computador, depois de humilhá-lo bastante, lhe
concedeu o prazer fugaz de uma vitória. Computadores, apesar do que pensam
alguns, não têm alma. Mas, se tivessem, seria maligna.
Outro
engano é pensar que eu estou, vá lá, “jogando” Paciência “em vez de”
trabalhando. A Paciência – é o que eu vivo me dizendo, para me justificar – faz
parte do trabalho. Gosto de pensar que Paciência é uma maneira de ocupar a
superfície do cérebro enquanto lá no porão, onde estão as caldeiras e o
canteiro de ideias, o cérebro profundo produz sem ser distraído. O único
problema com essa analogia é que muitas vezes a Paciência ocupa quase uma tarde
inteira sem que o porão produza uma boa ideia sequer.
De
qualquer maneira, a Paciência substituiu os rituais a que muitos escritores se
dedicavam antes de começar a escrever em tempos pré-eletrônicos. Paciência é a
versão moderna de afiar o cálamo e fazer rabiscos, à espera da inspiração.
Paciência
também serve para pensar na vida, esse assunto inesgotável. Pela superfície do
cérebro passa de tudo enquanto perseguimos mais uma ilusão de vitória sobre o
computador, dos buracos negros ao meio-campo do Internacional. Eu estava pensando
em como a Paciência nos dá uma falsa ideia de que podemos controlar resultados
que, na realidade, já estão programados na máquina e me lembrei de uma frase
ótima, acho do Bashevis Singer: o homem está condenado ao livre-arbítrio.
É
uma frase que se contradiz, portanto uma verdade e uma mentira ao mesmo tempo.
Estar condenado é não poder controlar seu destino, mas estar condenado ao
livre-arbítrio é estar condenado a escolher seu destino, o que também é
assustador. Não temos a certeza de que o destino da nossa espécie está escrito
nas estrelas, o que torna o livre-arbítrio um inferno solitário, uma
condenação. Melhor acreditar que foi a maestria com que movimentamos as cartas
eletrônicas na tela que nos deu a vitória sobre o computador, mesmo sabendo que
não foi.
O
que eu estou fazendo, jogando Paciência neste computador? Adiando o máximo
possível a hora de parar e escrever esta crônica.
TROCA
(Da
série “Poesia numa hora dessas?!”)
Ó
Cantareira
Cantareira...
Todos
os carros do Eike
e
toda a fortuna de um sheik
por
um banho de banheira!
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