sábado, 7 de março de 2015


08 de março de 2015 | N° 18095
 L. F. VERISSIMO

Paciência

O que eu estou fazendo, pergunta você, jogando Paciência no computador em vez de trabalhando?

Sua pergunta inclui dois pressupostos enganosos. O primeiro é que Paciência seja um jogo. Não é. Um jogo seria um embate entre forças equivalentes: você e um ou mais adversários e suas respectivas habilidades, o acaso, a lei das probabilidades e a sorte de cada um. Na Paciência de computador, você pensa que está enfrentando você mesmo numa máquina pretensamente neutra, e não está. A máquina não é neutra.

Foi programada para frustrar suas repetidas tentativas de derrotá-la – justamente para testar sua paciência – e eventualmente deixá-lo ganhar. Você não ganha porque acertou, ganha porque o computador, depois de humilhá-lo bastante, lhe concedeu o prazer fugaz de uma vitória. Computadores, apesar do que pensam alguns, não têm alma. Mas, se tivessem, seria maligna.

Outro engano é pensar que eu estou, vá lá, “jogando” Paciência “em vez de” trabalhando. A Paciência – é o que eu vivo me dizendo, para me justificar – faz parte do trabalho. Gosto de pensar que Paciência é uma maneira de ocupar a superfície do cérebro enquanto lá no porão, onde estão as caldeiras e o canteiro de ideias, o cérebro profundo produz sem ser distraído. O único problema com essa analogia é que muitas vezes a Paciência ocupa quase uma tarde inteira sem que o porão produza uma boa ideia sequer.

De qualquer maneira, a Paciência substituiu os rituais a que muitos escritores se dedicavam antes de começar a escrever em tempos pré-eletrônicos. Paciência é a versão moderna de afiar o cálamo e fazer rabiscos, à espera da inspiração.

Paciência também serve para pensar na vida, esse assunto inesgotável. Pela superfície do cérebro passa de tudo enquanto perseguimos mais uma ilusão de vitória sobre o computador, dos buracos negros ao meio-campo do Internacional. Eu estava pensando em como a Paciência nos dá uma falsa ideia de que podemos controlar resultados que, na realidade, já estão programados na máquina e me lembrei de uma frase ótima, acho do Bashevis Singer: o homem está condenado ao livre-arbítrio.

É uma frase que se contradiz, portanto uma verdade e uma mentira ao mesmo tempo. Estar condenado é não poder controlar seu destino, mas estar condenado ao livre-arbítrio é estar condenado a escolher seu destino, o que também é assustador. Não temos a certeza de que o destino da nossa espécie está escrito nas estrelas, o que torna o livre-arbítrio um inferno solitário, uma condenação. Melhor acreditar que foi a maestria com que movimentamos as cartas eletrônicas na tela que nos deu a vitória sobre o computador, mesmo sabendo que não foi.

O que eu estou fazendo, jogando Paciência neste computador? Adiando o máximo possível a hora de parar e escrever esta crônica.

TROCA

(Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

Ó Cantareira

Cantareira...

Todos os carros do Eike

e toda a fortuna de um sheik


por um banho de banheira!

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