sábado, 21 de março de 2015


22 de março de 2015 | N° 18109
FABRÍCIO CARPINEJAR

Carta para José Klein

– Quando amamos, é lindo olhar a cascata, mas é muito melhor quando nos jogamos na cascata.

Meu amigo, eu respeito o que diz. Mas defende uma forma única de amar. Uma forma intempestiva, passional, impulsiva. Se ela não aparece desse modo, não compreende como amor. Observar o horizonte seria uma vivência inferior a mergulhar. Assim pode cometer um engano e desmerecer uma grande mulher.

Quem é viciado na paixão – nos sintomas truculentos da paixão – corre o risco de nunca conhecer o amor. Vi febre que era apenas gripe.

A verdade é que o amor nos muda para mudarmos o amor.

Antes queria testar os limites, hoje talvez queira proteger os limites. Antes se orgulhava da fúria, da provocação e da dependência nervosa, hoje talvez busque uma relação que ofereça paz e cumplicidade.

Atualmente, o entendimento e a serenidade a dois podem ser mais difíceis e excitantes do que a loucura que vivia quando se apaixonava.

Pular a cascata não será uma aventura inédita, não vai surpreendê-lo, ainda mais para você que saltou várias vezes.

Já pulou a cascata para entender como a cascata funciona e onde precisa cair. Já absorveu modos de segurança e mecanismos de defesa. Já treinou a queda. Não tem graça. A queda é voo, é acrobacia, é técnica. Não será mais a adrenalina do tombo inaugural.

Educamos o amor a ser progressivamente resistente, a ponto de transformar o nosso temperamento e alterar as nossas exigências.

Não terá mais o arrebatamento, a volúpia e o descontrole anterior. Não porque o amor é mais fraco, mas porque se tornou mais forte pelos amores que enfrentou.

Não pode esperar encontrar um amor de tirar o fôlego, como já experimentou, pois respira na altitude e encorpou o fôlego.

Não pode regrar seus próximos envolvimentos por uma receita. Seu raciocínio segue uma lógica perigosa, tem que ser igual ao que deu certo, que deve perder a cabeça, senão não é amor. Talvez o maior amor seja aquele que devolve a cabeça.

Você não é mais o mesmo para amar como antes. Criou anticorpos, será sensibilizado com o dobro de atenção.

Não repetirá a crise de ciúme, a taquicardia, o balbucio. Mas reconhecerá a disposição, a saudade e o bom humor que existem em todo encantamento.

É um crime amar de novo boicotando as experiências. Como se o amor fosse alheio, pronto. Como se houvesse uma fórmula eternamente igual para si, feita de desequilíbrio e suspensão do tempo.

Você amará superando o que amou e, inclusive, o que deixou de amar.

Garanto que há também esse amor que começa suave e tranquilo, para depois ganhar violência e arrebatamento. Não precisa ter sempre, de início, o salto no escuro.

Aquele que enfrentou a vertigem, a incerteza, o precipício, pode ter construído uma ponte para a nova relação. O amor de ponte não é menor do que o amor de rio e correnteza, pois está agora no alto de suas lembranças.


Isso não é covardia. Covardia é repetir o passado absolutamente conhecido.

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