22 de março de 2015 | N°
18109
FABRÍCIO CARPINEJAR
Carta para José Klein
– Quando amamos, é lindo olhar a
cascata, mas é muito melhor quando nos jogamos na cascata.
Meu amigo, eu respeito o que diz.
Mas defende uma forma única de amar. Uma forma intempestiva, passional,
impulsiva. Se ela não aparece desse modo, não compreende como amor. Observar o
horizonte seria uma vivência inferior a mergulhar. Assim pode cometer um engano
e desmerecer uma grande mulher.
Quem é viciado na paixão – nos
sintomas truculentos da paixão – corre o risco de nunca conhecer o amor. Vi
febre que era apenas gripe.
A verdade é que o amor nos muda
para mudarmos o amor.
Antes queria testar os limites,
hoje talvez queira proteger os limites. Antes se orgulhava da fúria, da
provocação e da dependência nervosa, hoje talvez busque uma relação que ofereça
paz e cumplicidade.
Atualmente, o entendimento e a
serenidade a dois podem ser mais difíceis e excitantes do que a loucura que
vivia quando se apaixonava.
Pular a cascata não será uma
aventura inédita, não vai surpreendê-lo, ainda mais para você que saltou várias
vezes.
Já pulou a cascata para entender
como a cascata funciona e onde precisa cair. Já absorveu modos de segurança e
mecanismos de defesa. Já treinou a queda. Não tem graça. A queda é voo, é
acrobacia, é técnica. Não será mais a adrenalina do tombo inaugural.
Educamos o amor a ser
progressivamente resistente, a ponto de transformar o nosso temperamento e
alterar as nossas exigências.
Não terá mais o arrebatamento, a
volúpia e o descontrole anterior. Não porque o amor é mais fraco, mas porque se
tornou mais forte pelos amores que enfrentou.
Não pode esperar encontrar um
amor de tirar o fôlego, como já experimentou, pois respira na altitude e
encorpou o fôlego.
Não pode regrar seus próximos
envolvimentos por uma receita. Seu raciocínio segue uma lógica perigosa, tem
que ser igual ao que deu certo, que deve perder a cabeça, senão não é amor.
Talvez o maior amor seja aquele que devolve a cabeça.
Você não é mais o mesmo para amar
como antes. Criou anticorpos, será sensibilizado com o dobro de atenção.
Não repetirá a crise de ciúme, a
taquicardia, o balbucio. Mas reconhecerá a disposição, a saudade e o bom humor
que existem em todo encantamento.
É um crime amar de novo
boicotando as experiências. Como se o amor fosse alheio, pronto. Como se
houvesse uma fórmula eternamente igual para si, feita de desequilíbrio e
suspensão do tempo.
Você amará superando o que amou
e, inclusive, o que deixou de amar.
Garanto que há também esse amor
que começa suave e tranquilo, para depois ganhar violência e arrebatamento. Não
precisa ter sempre, de início, o salto no escuro.
Aquele que enfrentou a vertigem,
a incerteza, o precipício, pode ter construído uma ponte para a nova relação. O
amor de ponte não é menor do que o amor de rio e correnteza, pois está agora no
alto de suas lembranças.
Isso não é covardia. Covardia é
repetir o passado absolutamente conhecido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário