22 de março de 2015 | N°
18109
L. F. VERISSIMO
28 anos
Lembrando aquele tempo, o que me
parece mais incrível é que eu tinha 28 anos. Como foi que eu passei pelos meus
28 anos sem me dar conta, todos os dias, do privilégio? A gente deveria poder
voltar ao passado só para nos encontrarmos mais moços, nos darmos uma boa
sacudida e gritarmos: “Cara, isto nunca mais vai te acontecer! Você nunca mais
terá 28 anos!”. Descontado o susto que levaríamos ao ser atacados aos gritos
por um velho desconhecido, o encontro nos alertaria para o valor daquela
raridade – estar vivo e ter 28 anos!
É verdade que eu não tinha muitas
razões para festejar a idade. Tinha uma razão para estar eufórico – minha
mulher e eu ficamos noivos no dia em que assassinaram o Kennedy, e a caminho da
loja para comprar as alianças éramos as únicas pessoas alegres na rua –, mas,
sem dinheiro e sem perspectiva de ganhá-lo, muitos motivos para estar
preocupado com o futuro. E o país naquela agitação. O governo do Jango Goulart
atacado por todos os lados, tentando sobreviver, e a oposição, a imprensa,
radicais de direita e de esquerda competindo para encurtar sua sobrevida.
Casamos no dia 8 de março de
1964. Poucos dias depois, houve a primeira Marcha da Família com Deus pela
Liberdade. Milhares de pessoas foram às ruas protestar contra o governo, cujas
“reformas de base” eram chamadas de comunizantes e uma ameaça à liberdade no
Brasil. Alugamos um quarto e sala perto do Túnel Velho, em Copacabana. A janela
do quarto dava para a Rua Siqueira Campos, por onde ainda passavam bondes. Mas
quem liga para o barulho de bondes (e para a agitação política) no começo de um
casamento? E ainda por cima com 28 anos?
As marchas da família com Deus
eram impressionantes. Você tinha a ideia de que o país inteiro se sublevava,
com velas acesas contra o bolchevismo. E, no dia 31 de março, os tanques
puseram-se em marcha.
Um hipotético esquema militar do
Jango para resistir ao golpe provou ser mais hipotético do que se pensava.
Jango foi deposto. E, mesmo na chamada fase branda da ditadura que se
instalava, sob o comando do marechal Castelo Branco, começaram as perseguições
e as cassações. Minha tia Lucinda trabalhava no governo do Rio.
Não tinha nenhuma atividade
política, mas suas opiniões eram de esquerda, em contraste com o pensamento da
maioria das suas colegas de repartição. Montamos um esquema, que esperávamos
fosse mais confiável do que o do Jango, para ajudá-la a fugir caso a coisa
apertasse. Não foi preciso acionar o esquema – que foi minha única participação
na resistência ao regime ditatorial, fora o ritual de ler as crônicas do Cony
no Correio da Manhã todas as semanas.
Vivemos dois anos no apartamento
sacudido pelos bondes da Siqueira Campos. Nossa primeira filha, a Fernanda,
nasceu lá. Acostumada com o ruído dos bondes, é, até hoje, dos nossos filhos, o
que tem o sono mais tranquilo. Minha condição econômica continuava a mesma:
pouco dinheiro, menos perspectivas. O resultado foi que desistimos do Rio e
fomos morar na casa do pai, em Porto Alegre. Prometi à minha mulher, carioca,
que seria por pouco tempo, mas estamos em Porto Alegre há quase 50 anos.
Estávamos quando veio o Ato Institucional nº 5 e começou o período mais
criminoso do regime militar.
Às vezes, penso naquela fase de
nossas vidas, e da vida do país, quando morávamos no Rio. Me pergunto se
aquelas pessoas que marcharam com Deus e recolheram ouro, do qual nunca mais de
ouviu falar, para ajudar o país, imaginavam que suas marchas cristãs e
bem-intencionadas dariam no que deu. Li que nas recentes manifestações contra o
governo Dilma surgiram faixas pedindo “intervenção militar já”. E me senti, de
novo, com 28 anos.
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