22 de março de 2015 | N°
18109
ANTONIO PRATA
Fábulas monterrosianas
Era uma vez um camaleão daltônico. Quando a folha era
verde, ele ficava vermelho, na terra vermelha se pintava de verde, comendo
bananas se besuntava de azul e, entrando na água, se amarelava todo. Um dia, os
outros camaleões o chamaram para uma conversa. “Aí, parceiro, a gente não tem
garra, não tem veneno, não tem juba, a nossa parada é disfarce. Com você na
área, geral tá correndo perigo. Vaza.”
O camaleão daltônico pegou sua
trouxinha e, azul de raiva, foi morar do outro lado da floresta. Acontece que,
justamente naquele dia, nos confins da mata, havia um fotógrafo da National
Geographic, clicando umas borboletas. O fotógrafo da National Geographic pirou
no camaleão daltônico, que, cor de abóbora, sobre uma vitória régia, estampou
as capas da revista nos quatro cantos do globo. Pouco tempo depois, todos os
camaleões da floresta entraram numas de contraste, pra imitar o camaleão
daltônico.
Quem gostou muito da novidade,
além dos fotógrafos da National Geographic, foram os gaviões, as cobras e os
quatis: numa única tarde, boa parte dos camaleões foram extintos. Entre os que
sobraram, os mais à direita culpam o camaleão daltônico, os à esquerda culpam a
mídia – e seitas apocalípticas pregam que a semiextinção dos camaleões é prova
irrefutável do fim dos tempos e da chegada iminente do Grande Camaleão.
Um dia, um patinho viu um ganso e
ficou apavorado. Toda noite, a partir de então, ele sonhava que o seu pescoço
crescia, crescia, crescia e que os outros patinhos riam, riam, riam.
Um dia, um potro viu uma girafa e
ficou apavorado. Toda noite, a partir de então, ele sonhava que o seu pescoço
crescia, crescia, crescia e que os outros potros riam, riam, riam.
Se o patinho e o potro se
encontrassem e ficassem amigos e compartilhassem seus anseios mais íntimos eles
talvez falassem desse mesmo sonho e se reconfortassem com a similaridade dos
medos e passassem a sonhar sonhos melhores, cheios de minhocas e milho, no caso
do patinho, cheios de feno e capim, no caso do potro.
Acontece que o patinho morava em
Limeira, SP, e o cavalinho morava no Quênia, África, de modo que eles tiveram
que lidar sozinhos com as suas angústias até que a vida lhes mostrasse que pato
é pato, ganso e ganso, cavalo é cavalo, girafa é girafa, e os pescoços não
costumam variar muito dentro de uma mesma espécie.
Na sala de espera do Dr. Corujo,
psiquiatra especializado em distúrbios alimentares, aguardavam: um elefante
anoréxico, um abutre vegetariano, uma sucuri cristã, uma hiena viciada em ração
pra gato, uma lesma fissurada por sal e uma molécula de glúten com intolerância
ao glúten – imediatamente posta numa maca e levada para o hospital.
No divã do dr. Morsa,
psicanalista especializado em dupla personalidade, a zebra da Ku Klux Klan
acaba de se dar conta, aterrorizada, de que nos períodos de amnésia é
vice-presidente do comitê regional dos Black Power.
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