terça-feira, 10 de março de 2015


10 de março de 2015 | N° 18097
DAVID COIMBRA

Dilma é quem diz: você não sabe de nada

O inverno está acabando. Esse casmurro inverno da Nova Inglaterra, tão severo quanto os puritanos que queimaram as bruxas de Salém. As pessoas caminham com mais leveza nas ruas e sorriem umas para as outras, levando grandes copos de café nas mãos. Os dias estão mais claros, o ar se adelgaçou e não é mais tão rascante quando inalado. Toda a natureza parece mudar, mas não posso seguir em frente. Como tratarei de amenidades, com o Brasil nesta situação?

Sei que, hoje, os brasileiros estão com os pensamentos confinados entre dois domingos: o domingo passado, por causa do discurso de Dilma, e o próximo domingo, por causa das manifestações marcadas contra Dilma. Sobre o primeiro, dois trechos encadeados da fala da presidente me chamaram a atenção. Estes:

1. “Os noticiários são úteis, mas nem sempre são suficientes. Muitas vezes, até nos confundem mais do que nos esclarecem.”

2. “As conversas em casa e no trabalho também precisam ser completadas por dados que nem sempre estão ao alcance de todos.”

O que a presidente quis dizer com essas afirmações?

Que você não sabe de nada. Que a “verdade” sobre o que ocorre no Brasil não está na casa dos brasileiros, nem em seus locais de trabalho. Não é dita pelos familiares, pelos amigos ou pelos colegas de quem quer que seja. Essa “verdade” tampouco é dita pela imprensa, que, ao contrário, confunde em vez de esclarecer.

Onde e com quem está essa “verdade” exclusiva e preciosa?

Em Brasília. Dentro de um tailleur vermelho. Com ela, Dilma.

Os bajuladores do governo fazem raciocínio semelhante. Segundo eles, os males do governo foram produzidos por seu suposto mérito. Os ricos estariam revoltados porque este é um governo dos pobres. Teria sido essa, inclusive, a divisão das eleições: 50 milhões de brancos ricos votaram contra Dilma, e 50 milhões de negros pobres votaram a favor. Somando-se os dependentes, temos um país com 100 milhões de ricos indignados porque os pobres agora lhes tiram espaços nos shoppings centers.

Eis a “verdade” que só Dilma e seus bajuladores conhecem: os que reclamam das deficiências de saúde, segurança, educação, transporte, infraestrutura e distribuição tributária, os que criticam a política internacional anã que se alia a ditaduras, os que se queixam da corrupção patrocinada pelo governo e cometida pelo governo, os que batem panelas num domingo e que vão às ruas no outro, esses são os mimados do Brasil, os filhinhos de papai, as dondocas. Os ricos. Somos um país de 100 milhões de ricos alienados e egoístas.


A neve está derretendo com as temperaturas que se elevam devagar nas cidades bucólicas da Nova Inglaterra. As ruas estão sempre molhadas, mesmo que não chova. Ouço de novo o canto dos pássaros e vejo, com certa preguiça, que os esquilos voltaram a correr em torno dos troncos das árvores. Tudo se transforma na natureza. É tempo de transformações.

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