segunda-feira, 30 de novembro de 2015



30 de novembro de 2015 | N° 18371
PREMIAÇÃO

OS VENCEDORES DA FESTA DO CONHECIMENTO

3º PRÊMIO RBS DE EDUCAÇÃO e Logus A Saga do Conhecimento revelam os vencedores em uma tarde de integração no Araújo Vianna

Foi uma tarde em que os holofotes se voltaram para a educação. O 3º Prêmio RBS de Educação e o game Logus – A Saga do Conhecimento, promovidos pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e pelo Grupo RBS, premiaram seus vencedores no sábado, em Porto Alegre, durante a Festa do Conhecimento, evento que transformou o Auditório Araújo Vianna em uma grande confraternização entre estudantes e professores de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

O 3º Prêmio RBS de Educação reconheceu as melhores ações de incentivo à leitura em escolas dos dois Estados, e o game Logus, que mobilizou mais de 7 mil estudantes, revelou a equipe campeã da saga. Lucia Ritzel, gerente-executiva da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, afirmou que a evolução dos projetos é evidente a cada edição do evento:

– O prêmio dá visibilidade aos educadores, e isso estimula outros profissionais a pensarem em novas estratégias de leitura.

Com um projeto sobre Nelson Rodrigues, Carolina Karro da Piedade foi a primeira vencedora anunciada, na categoria Escola Privada. Professora de língua portuguesa, literatura e produção textual do Colégio Ulbra São João, em Canoas, ela promoveu seis meses de imersão na obra do jornalista e escritor pernambucano com alunos do 3º ano do Ensino Médio.

– O projeto rendeu muitos frutos, os alunos criaram o hábito de ler literatura brasileira. Eu estou muito contente com esse prêmio – comemorou Carolina.

Em Escola Pública, a vencedora foi a professora de língua portuguesa Jessica Colvara Chacon. Ela inseriu a leitura na rotina de duas turmas de 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Stringhini, de Guaíba, com o estudo de obras em formato de diário.

JÚRI POPULAR REGISTRA MAIS DE 700 MIL VOTOS

O júri popular escolheu o professor Francisco Paulo Rodrigues Mestre, que leciona música na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jairo Brum, do município de Guaporé. Ele concorria na categoria Escola Pública com um projeto chamado Audiolivro do Bem, em que duas turmas do 5º ano do Ensino Fundamental transformaram livros infantis em relatos gravados.

Na categoria Jovens Protagonistas, a estudante Roberta Ferrari, 16 anos, da Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais, de Osório, foi a campeã entre os gaúchos.

Pelo projeto, idealizado com outros três colegas, estudantes do Ensino Médio selecionam fábulas de Esopo e de La Fontaine, propõem uma releitura e as apresentam a alunos do Ensino Fundamental. Roberta foi eleita pelo júri popular, que, somado à categoria das escolas, tanto do Rio Grande do Sul quanto de Santa Catarina, contabilizou mais de 700 mil de votos.

– Agora é trabalho duro para colocar nosso projeto em prática – comemorou.

Detalhe zh

No Prêmio RBS de Educação, os educadores vencedores recebem R$ 11 mil e suas instituições, R$ 6 mil. Os jovens protagonistas mais votados ganham R$ 12 mil, e suas escola R$ 3 mil.

PROJETOS INSPIRADORES

ESCOLA PÚBLICA Jessica Colvara Chacon, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Stringhini, de Guaíba ESCOLA PRIVADA
Confira os vencedores do Rio Grande do Sul no 3º Prêmio RBS de Educação e no game Logus
Carolina Karro da Piedade, do Colégio Ulbra São João, de Canoas
JOVENS PROTAGONISTAS
Roberta Ferrari, da Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais, de Osório
JÚRI POPULAR
Francisco Paulo Rodrigues Mestre, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Jairo Brum, de Guaporé
MAIOR TORCIDA
Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais, de Osório
LOGUS
Escola Estadual de Educação Básica José Plácido de Castro, de Relvado



30 de novembro de 2015 | N° 18371 
DAVID COIMBRA

O que salva a vida


Houve tempo em que voejava pelo mundo um bichinho chamado periquito-da-carolina. Era uma incomum espécie de papagaio que se estabelecera no norte do planeta. Você sabe: os papagaios, como os cariocas, não gostam de frio.

O periquito-da-carolina encantava por sua beleza. Tinha penugem verde-esmeralda e a cabeça dourada. Era um passarinho pacífico, que gostava de se empoleirar em bandos nos galhos das árvores. Por isso, tornava-se alvo fácil para os caçadores. Seu comportamento era peculiar: quando um homem atirava num grupo, os sobreviventes voavam, assustados, mas, imprudentemente, davam meia-volta para acudir os feridos. E os caçadores disparavam de novo, abatendo-os às centenas.

Charles Peale, autor do livro Ornitologia Americana, descreveu, no século 19, um episódio em que atirou várias vezes contra esse belo passarinho:

“A cada descarga sucessiva, ainda que montes deles caíssem, a afeição dos sobreviventes parecia aumentar, pois, após algumas voltas, eles tornavam a pousar perto de mim, olhando para os companheiros abatidos com sintomas tão manifestos de compaixão e preocupação, que me desarmaram totalmente”.

O periquito-da-carolina, um bicho que não fazia mal algum ao homem, foi extinto pelo homem. Repare: Peale amava os pássaros. Estudou-os. Escreveu sobre eles. E, ainda assim, os matava. Isso é coisa nossa, dos seres humanos. Estamos sempre procurando motivos para matar.

Agora mesmo, um homem assassinou três pessoas numa clínica de planejamento familiar, no Colorado. Matou por ser contra o aborto e “a favor da vida”. Ou seja: extinguiu vidas para defender a vida.

Alguém haverá de dizer que isso é coisa do homem branco, capitalista, que... Balela.

Pegue o índio brasileiro, que tem fama de ser bonzinho. O índio brasileiro é responsável pela extinção da maioria dos grandes animais do continente. Havia, nas Américas, pelo menos 30 espécies de animais de porte avantajado, maiores do que pumas e ursos, que simplesmente desapareceram, devido à ação dos índios. Preguiças com o dobro do tamanho de um elefante, felinos ferozes, aves imponentes, todos foram extintos pelos indígenas muito antes da chegada do homem branco.

A diferença entre os índios e os europeus era o avanço tecnológico. Como os europeus contavam com armas melhores, conseguiam, em poucas décadas, acabar com espécies que os indígenas levariam centenas de anos para liquidar.

A sede de matar é a mesma em todos os homens, porque todos fazemos parte da mesma espécie, o sapiens.

O que pode preservar a vida de outras espécies, e a da nossa própria, não é um retorno à existência nômade, como levava a maioria dos índios, nem a abdicação à tecnologia.

Ao contrário. O que pode preservar a vida é o desenvolvimento.

Até o século 19, os bichos, as mulheres, as crianças e a natureza eram vistos e tratados de forma diferente (os homens também eram tratados de forma diferente). Foi o aumento do volume de conhecimento que mudou a maneira como o ser humano se vê e a maneira como ele vê o mundo em que habita.

Nunca, em 4 bilhões de anos da história da vida, a vida foi tão defendida, preservada e estudada como agora. Nesse tempo, 99,9% das espécies foram extintas, a maioria delas não por culpa do homem. Mas agora, graças ao homem, a vida tem sido protegida, e a natureza também, como prova a conferência do clima, ora realizada em Paris.

É a ciência que nos empurra para a civilidade, é a ciência que pode nos defender. É a ciência que ilustrará homens primitivos, como o matador do Colorado, ou os fanáticos do Estado Islâmico. A ciência dos países desenvolvidos, das democracias capitalistas, do mundo onde as diferenças são respeitadas. Só a ciência nos salvará.


30 de novembro de 2015 | N° 18371 
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

BAD JESSICA


Jessica Jones é uma mulher poderosa em sua fragilidade emocional. Detetive particular daquelas de catálogo, que tem escritório todo esburacado e muitos casos para resolver, em boa parte, com ela mesma. Ela é durona, sensível, beldade e capaz de enfrentar criminosos e sedutores com o mesmo olhar de quem não está nem aí para nada. Ou seja: Jessica Jones é personagem de quadrinhos.

Os quadrinhos, em suas diferentes formas e estilos, têm uma coisa em comum. São juvenis – no mínimo por conta de quem os cria. Quem desenha as histórias sabe tudo de desenho, quem cria e escreve não sabe nada da vida.

Jessica Jones se diferencia da maior parte dos quadrinhos por ser adulta, pelo menos na intenção. Se você tem idade suficiente para ver a série, vai descobrir que existem cenas de sexo, mesmo que parcialmente cobertas por lençóis e cobertores, no melhor estilo roliudiano. Jessica é uma mulher moderna, e não seduz, declara. O que quer, ela faz, a não ser que seja impedida pelo seu arqui-inimigo, o bad, bad, bad Killgrave.

Killgrave é ruim de doer, de beliscar criancinha no metrô. Ele também controla a mente dela e de outras mulheres, no que Jessica Jones não é assim tão feminista, para este colunista. O mundo gira, mas os culpados de praticamente tudo que acontece são eles, esses seres detestáveis aka homens.

A série é um sucesso, mais um, da Netflix, que os emplaca com uma frequência que deve deixar muito executivo de Roliú enlouquecido. De melhor, na minha opinião, fica ela mesma, Jessica. De pior, de novo na opinião desse que vos atormenta, o fato de a série vir não da vida e de suas convexidades, mas dos quadrinhos, que acreditam que a Terra e todos os seus personagens são planos.

Jessica Jones não tem um pingo de realidade nas veias, o que não quer dizer nada, porque estamos falando de quadrinhos. A série é bacana, se faz ver, e está ali para qualquer um ver. Portanto, veja, uai.

30 de novembro de 2015 | N° 18371 
L. F. VERISSIMO

Darwin desmentido


Richard Nixon, aquele incompreendido, certa vez defendeu a nomeação de um correligionário notoriamente medíocre para um cargo federal com o argumento que a mediocridade também precisava ser representada no governo. Certo o Nixon. No caso brasileiro, por exemplo, uma maioria de congressistas capazes e honestos convive com uma boa amostra da mediocridade nacional, que não pode se queixar de estar sub-representada. 

O que mantém nossa fé na democracia representativa é a esperança, seguidamente frustrada mas sempre renovada, de que os bons prevalecerão sobre os ruins. E que uma elite moral e intelectual acabará vindo à tona, nas duas casas do Congresso, por um processo darwiniano de seleção natural. Mas a realidade política brasileira insiste em desmentir o Darwin. 

A evolução, nos nossos Legislativos, tem produzido não líderes por mérito, mas líderes por esperteza processual, como Eduardo Cunha e Renan Calheiros, e a sobrevivência dos piores. Como é que alguém como o Delcídio Amaral chega a líder da bancada do governo no Senado, se não como um prêmio à mediocridade prestativa?

O bom dessa trama florentina de delações, conspirações nos bastidores e traições em que vive a pátria desde que o juiz Moro pôs-se a campo, é que nunca faltam novidades para nos surpreender. Agora entrou em cena o filho do Cerveró, o ator Bernardo Cerveró, que, leio, fez sucesso recentemente numa peça infantil chamada O Principezinho do Deserto ou coisa parecida, e cujo gravador fatídico registrou tudo que se dizia numa reunião com o Delcídio para combinar a fuga do seu pai antes que ele contasse o que sabe sobre o escândalo da Petrobras. 

Bernardo levou sua gravação ao Ministério Público. O Pequeno Príncipe do Saint-Exupéry jamais imaginou que um dia poderia derrubar uma República. Não sei se Bernardo leu o livro, mas talvez, antes de entregar a gravação, se lembrasse de uma das frases do Príncipe: “Só conheço uma liberdade, a liberdade do pensamento”. Foi a liberdade que Bernardo preferiu para o seu pai.

Não adianta suspirar por um Congresso acima de suspeitas e livre de lideranças lamentáveis, o que equivaleria a suspirar por menos democracia ou por uma humanidade perfeita. Contentemo-nos com eventuais derrotas da mediocridade.

sábado, 28 de novembro de 2015



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
MARTHA MEDEIROS

Sexo casual


Por mais que o sexo seja livre, considero um desperdício utilizá-lo apenas como sessão de aeróbica

A maioria das pessoas com quem convivo é casada ou está num namoro estável, mas outro dia almocei em São Paulo com uma amiga solteira, com pouco menos de 30 anos, e acabamos tendo uma conversa interessante sobre os novos formatos de relacionamentos amorosos, tudo por causa de um livro que ambas havíamos lido. Estou falando de Pagando por Sexo, do cartunista Chester Brown, em que, por meio de uma história em quadrinhos, o autor conta por que desistiu do amor romântico em troca da prostituição. Polêmico, mas um retrato interessante da desilusão atual.

Qual a importância do sexo nas relações? A monogamia ainda se sustenta? Só sexo basta?

Foi quando nós duas começamos a falar sobre rolos, essa modalidade tão em uso atualmente. Relações sem compromisso, sem rotina, sem fidelidade, sem ciúmes. Apenas com sexo de vez em quando. Precisa mais?

Essa minha amiga comentou que conhecia outra garota na faixa dos 30 que dizia já ter transado com 650 caras. Não sou boa em matemática, mas resolvi calcular: supondo que ela tenha vida sexual desde os 15, vem transando com um homem diferente a cada oito ou nove dias, ininterruptamente, sem contar as recorrências. Se não for uma profissional do ramo, é uma boba que gosta de contar vantagem. Se não for uma coisa nem outra, então o mundo mudou mais rápido do que consegui acompanhar.

Em que momento o romantismo morreu?

O rolo é vantajoso. O sem isso e sem aquilo pode ser muito benéfico numa etapa da vida em que a ninguém tem mais paciência para investimentos afetivos sérios, mas essa racionalização não me parece afrodisíaca.

Por mais que o sexo seja livre, pleno e ótimo, considero um desperdício utilizá-lo apenas como sessão de aeróbica. Pode ser sem compromisso, sem rotina, sem fidelidade e sem ciúmes, mas que graça terá se não houver um encantamento mínimo, um brilho se insinuando no fundo do olho?

Sexo casual também é encontro. E, como tal, se torna mais estimulante quando se vale de alguns aditivos que passam longe da cama. Um Whatsapp no meio da tarde dizendo que bateu saudade, um telefonema no fim da noite pra dizer “dorme bem”, uma confidência trocada, um cuidado em não magoar, pequenas gentilezas que fazem parte do jogo. Jogo? Sim, jogo. É ou não é uma relação entre adultos? Então sem falsa inocência. É um jogo.

Não se está falando de amor pra sempre, e sim de um relacionamento sem vínculos, mas que nem por isso precisa evitar pequenas graciosidades que tornam a confluência mais terna. Porque senão passa-se o rodo em centenas e só o que se leva disto é uma boa pontuação no ranking.

Sem apego, sem sentimento, sem exclusividade, sem troca, sem planos. Nada contra, cada um sabe de si. Mas acho mais palpitante com.



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
CARPINEJAR

Fiador da desgraça

O que eu já vi de pessoas que não amam mais acabarem se envolvendo em projetos duradouros como casamento e filhos. Ensaiam o discurso do fim e alteram bruscamente a rota quando confrontados.

Em vez de recuar, apressam os passos. Em vez de soltar as amarras de uma relação problemática, apertam os laços. Em vez de sair, entram ainda mais dentro de casa. Em vez de dizer a verdade, prestam declarações eternas. Em vez de quitar os juros emocionais, realizam mais dívidas.

Estão a um triz da separação e compram anéis de noivado ou marcam igreja ou decidem ter uma criança.

Confundem a porta de saída com a de entrada, e se lançam com unhas e dentes para uma última e redentora chance, que não mudará em nada o desgaste de um longo isolamento a dois.

A boca desmente o desejo e complica o desenlace. A palavra expressa exatamente o inverso das verdadeiras intenções. Se era difícil largar, será impossível a partir de agora.

Sempre me chamou atenção o quanto existem casais caminhando ao contrário de suas decisões. Talvez por culpa. Talvez pela vergonha da solidão. Talvez pela ilusão de se ver mais responsável pela felicidade do outro do que pela própria felicidade. Talvez por comodismo. Talvez para evitar a decepção de quebrar uma promessa. Talvez pela necessidade de ser melhor do que realmente é. Talvez por não admitir que fracassou. Talvez por faltar forças para recomeçar. Talvez por entender o tempo como investimento e achar que se dedicou excessivamente para jogar tudo fora. Talvez por supor que o ruim é, ao menos, conhecido.

Qualquer que seja o motivo, o melindre de decepcionar e desagradar impulsiona os maiores erros. O receio é de quê? Que no fundo ela ou ele fale mal de você? Mas não tem como controlar os pensamentos alheios nem dentro da convivência, muito menos fora.

Trata-se de uma atitude fóbica, parecida com a vertigem: é tanto o medo de cair que a vontade é cair mesmo para terminar logo com o medo.

Você percebe o esgotamento da rotina e assume pendências para os próximos cinco anos. Pretende ir embora e começa uma reforma sem precedentes. Pretende ir embora e adquire um cachorro. Pretende ir embora e interrompe o anticoncepcional.

Não há limites para o boicote. Você se afoga nas lágrimas e nada em direção a uma dor maior. Você tenta disfarçar o que sente fazendo o oposto, e aumenta as expectativas e engrossa as mentiras.

Na vida amorosa, o “não” vive se escondendo perigosamente no “sim”. Até terminar do pior jeito, deixando alguém plantado no altar ou com uma criança no colo.



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
LETÍCIA DUARTE

Amigo-secreto


Meu amigo-secreto disse que os servidores do Estado deveriam dar graças a Deus por terem estabilidade. Veja bem, num momento de tanta crise, tanta gente perdendo emprego... realmente! Que ninguém cometa a ingratidão de reclamar por causa de salários parcelados. Ele já tinha avisado um tempo atrás que os professores que quisessem receber o piso do magistério deveriam ir ao Tumelero. Como ninguém nunca pensou nisso antes? Quem avisa amigo é, amigão da massa!

Meu amigo-secreto é militante do partido que comanda o governo federal há 12 anos. Ele assistiu à prisão de um senador da sua turma nesta semana, com gravações para lá de comprometedoras. Mas o meu amigo não se convenceu. Sabe o que ele descobriu? Que o tal senador não era ver-da-dei-ra-men-te do partido dele, mas um “tucano que militava no PT”. Veja só, quanta injustiça neste mundo! É só por coincidência que o tal senador era líder do governo.

Meu amigo-secreto é banqueiro e foi preso com o senador, também acusado de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato. Há dois anos, ele aparecia na lista dos cem líderes com a melhor reputação no Brasil – e era o 14º homem mais rico do Brasil. E a seu ladinho na mesma lista tão distinta, estava quem? O maior empreiteiro do país, também preso na Lava-Jato. Viva a reputação que faz girar a indústria da corrupção! Será que servem Moët & Chandon na cadeia VIP?

Meu amigo-secreto é taxista em Porto Alegre e tem medo do Uber, acha que o novo serviço é uma afronta a seus direitos. Por isso, ajudou a espancar um motorista da concorrência no estacionamento de um supermercado. Que ninguém venha dizer que eles não oferecem benefícios na corrida! Espancamento grátis exclusivo, que luxo!

Meu amigo-secreto comenta tudo o que vê nas redes sociais. Ele escreveu uma mensagem xingando o médico Drauzio Varella de “fdp” por ser “a favor do aborto”. Deve ser porque o amigo defende a vida, né? O estranho é que em seu perfil do Facebook ele se identifica com uma foto do Estado Islâmico. O mascarado aparece de pé, ao lado de dois prisioneiros ajoelhados, na clássica imagem que antecede as decapitações do grupo terrorista. Com gente que já nasceu o amigo não se importa.

Meu amigo-secreto ocupa o cargo mais importante da Câmara dos Deputados. Ele apresentou projetos para dificultar o acesso das mulheres ao aborto legal e impedir a adoção de crianças por casais homossexuais. Tudo porque é um grande defensor da família brasileira. Defende tanto, que usou o nome da própria mãe como senha das contas que mantinha em segredo na Suíça para receber propina. Mas problema mesmo são as mulheres hereges, né? “Afinal de contas, o povo brasileiro merece respeito!”, como diz o slogan do nobre deputado em seu portal na internet.

Meu amigo-secreto é um cidadão de bem. Distribui rosas no Dia da Mulher, mas quando ouve uma notícia de estupro pergunta se a vítima não estava com roupas inadequadas.

Meu amigo-secreto passa o dia reclamando do país mas não gosta de política, então na hora da eleição escolhe os candidatos que lhe parecem mais simpáticos na televisão. Dorme tranquilo, achando que não tem nada a ver com tudo isso que está aí.



29 de novembro de 2015 | N° 18370 
ANTONIO PRATA

Mexeriqueira em flor


Olivia vem correndo, para na minha frente, mostra o caroço de mexerica e faz a pergunta favorita de seus dois anos e meio de vida: “Papai, o que é isso?”. Quase sem tirar os olhos do jornal – com essa displicência da qual vou me arrepender muito quando ela for grande e já tiver suas próprias respostas –, digo “É um caroço”.

Olivia, porém, continua ali, ansiosa, olhando pro caroço, olhando pra mim. Óbvio, “caroço” não significa nada e ela quer, ou melhor, precisa saber que diabo de bolinha é aquela que estava dentro da fruta. Abaixo o iPad, explico que se a gente puser aquele caroço num vaso nasce uma planta e a planta vira uma árvore e a árvore dá um monte de mexerica. Como um céu nublado se abrindo ao sol em efeito “time-lapse”, a curiosidade dá lugar ao deslumbre. “Papai, vamos plantar o caroço?! Vamos plantar o caroço?! Vamos plantar o caroço?!”. Vamos plantar o caroço.

Saímos pro jardim, enfiamos o caroço num pequeno vaso amarelo, onde jazem os restos semimumificados de uma violeta – e só me dou conta da encrenca em que me meti quando, de volta ao sofá, vejo minha filha acocorada, imóvel, lá fora. “Olivia, que que cê tá fazendo aí?”. “Esperando a árvore.”

Explico que não é assim. Que demora. Que a gente tem que regar e aguardar uns dias, mas a minha suposta calma esconde uma ponta de pânico: e se essa semente não brotar? Será, sem dúvida, a maior frustração daqueles 30 meses de vida. Ao deitar a cabeça no travesseiro, relembro minhas palavras com um eco bíblico: “Se a gente puser o caroço num vaso... aso... aso... Nasce uma árvore... ore... ore...”.

São dias de angústia na Alameda dos Araçás. A cada manhã, Olivia me faz ir direto do berço ao jardim. Voltando da escola, a primeira parada é o vaso amarelo. Regamos juntos. Olhamos a terra de perto, por minutos a fio. Ela metralha perguntas: que tamanho terá a árvore? Vai poder comer mexerica antes do almoço? Vai poder levar mexerica pra escola? Respondo sem olhá-la no olho.

Na terceira noite de tribulação, proponho à minha mulher um esquema fraudulento. Compramos uma muda. Plantamos na madrugada. Ou arrumamos logo uma mexeriqueira em flor, cheia de frutas, já com balanço e casa na árvore. A Julia só me faz uma pergunta: “Caso a semente não germine, será que é a Olivia quem não vai aguentar a frustração?”.

Brigo com a Julia, critico sua psicanálise de botequim e viro pro lado ciente de que ela tem toda razão. Percebo que, desde o apito inicial de Brasil e Alemanha, não acalento nenhuma esperança. De lá pra cá, foi tudo 7 x 1. Sete a um na política. Sete a um na economia. Onde não tem lama, é deserto: uma aridez total. E, de uma hora pra outra, essa semente que vai virar planta que vai virar árvore que vai dar um monte de mexerica. Ou não vai?

Na quarta manhã, nem tenho coragem de ir lá fora. Abro a porta e deixo a Olivia sair correndo. Engulo a seco. Então ouço seus gritos de euforia. Vou apressado até o vaso amarelo: ao lado dos despojos da violeta nasceu, tímida e espalhafatosa, uma Maria Sem Vergonha. “Papai! Você plantou uma flor! Você plantou uma flor! Você plantou uma flor!”. Olivia abraça a minha perna, dá uns pulos pela grama, depois segue pra sala, com passos decididos, para cuidar de outros assuntos.


29 de novembro de 2015 | N° 18370 
L. F. VERISSIMO

Debutantes

As três almoçavam juntas todas as terças-feiras. Amigas antigas, mesma idade (o lado ainda ensolarado dos 30), casadas, sem filhos.

Heloísa fora a última a se casar.

– E então? – quis saber a Carol. – Então o quê?

– O casamento, como vai? – Vai ótimo!

– É tudo que você imaginava? – Que pergunta, Carol! Claro que é!

A Carol parecia amarga, por alguma razão. Logo a Carol, a mais divertida das três. A que organizava as reuniões dos casais. A que cantava nas festas.

– Diz a verdade, Helô – insistiu Carol. – O Rui é tudo o que você esperava?

– É um homem maravilhoso. Eu estou felicíssima.

– Felicíssima, Helô? – Está bem. Felicíssima é exagero. Mas estamos muito bem.

A Maria Helena interveio. – Por que esse interrogatório, Carol?

– Porque eu acho que nós estamos vivendo uma mentira. Três mentiras. Nós três. Nenhum dos nossos maridos é maravilhoso. Nossas vidas não são maravilhosas. No outro dia, eu estava olhando o Edgar roncando na frente da televisão e me dei conta. Então é isso? Minha vida é isso?

– Carol – disse a Maria Helena –, o que mais você quer da sua vida? Você é uma mulher saudável, sem problemas de dinheiro, com um marido que pode não ser um galã, mas...

– Não é o Edgar. Você não entende? O Edgar roncando na frente da televisão é só um detalhe. É tudo. É o futuro que me espera. O futuro que nos espera. É a vida que nós nunca vamos ter.

– Que vida você queria, afinal, Carol?

– Quer saber? Eu queria que minha vida fosse uma comédia romântica.

– Ora, Carol... – Uma comédia romântica americana.

– Mas isso não existe, Carol. Só existe no cinema. Na vida real, ninguém...

– É isso! A vida real. Nós não fomos feitas para a vida real. Nós merecemos mais do que a vida real. Lembra do nosso baile de debutantes? Nós não estávamos lindas? A vida que nos esperava era outra, sorridente, muito diferente da vida real. A vida real não é para debutantes.

Então, Carol levantou-se e disse que iria embora.

– Mas nós ainda não pedimos o almoço! – protestou Maria Helena.

– Eu estou sem fome. E hoje sou uma péssima companhia. Até terça que vem.

Quando Carol se foi, Heloísa comentou:

– O Rui não ronca, eu acho.



RUTH AQUINO
27/11/2015 - 20h11 - Atualizado 27/11/2015 20h17

O PT contaminado


A única bancada que fechou questão pelo voto secreto foi a do PT, para esconder a posição sobre Delcídio

Foi o maior rompimento de barragem de lama na Nova República. As palavras turvas que jorraram da boca do líder do governo Dilma no Senado inundaram o Congresso e o país, mas, especialmente, o PT e suas bases, soterrando esperanças e convicções. O partido está mais dividido que nunca. Quantos anos serão necessários para recuperar a bacia das almas desse acidente ou crime? Onde a lama vai parar? Boias de contenção me parecem em vão.

Os bons petistas, idealistas, não sabem mais em quem acreditar. Eles se contorcem para ficar à margem, para não ser atingidos e contaminados pelos rejeitos tóxicos da bandidagem institucionalizada. O protagonista desse último filme B pertence à “cúpula da turma do Lula”. Lula foi cabo eleitoral de Delcídio do “Amoral”, ops, Amaral. Lula saiu em carro aberto em Mato Grosso do Sul, pediu o voto dos companheiros para o governador, suou a camisa. 

Mais um traidor, ex-presidente? Ou, como o senhor disse, “um idiota” que fez “uma trapalhada”, uma “coisa de imbecil”? Será que, como os já condenados – o ideólogo Zé Dirceu e o tesoureiro João Vaccari Neto –, Delcídio figurará como guerreiro do PT na história revisitada do partido? Ou será sumariamente expulso, como querem os camaradas linha-dura? A expulsão de Delcídio impedirá que a lama tinja de laranja o lago do Palácio do Planalto?

Um guerreiro, quase um terrorista suicida, que não hesitou em tentar calar a todo custo, pelo suborno e pelo tráfico de influência, um delator preso. Com o nobre objetivo de livrar sua cara, a cara do partido e a cara da presidente na compra da refinaria de Pasadena nos Estados Unidos em 2006, Delcídio planejou fugas mirabolantes do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró pelo Paraguai com destino à Espanha. Delcídio se gabou de pressionar juízes do STF. Delcídio prometeu melar a Lava Jato, anular sentenças.

Ah, mas, segundo o PT, Delcídio “agia por conta própria” e não “a mando do partido”, embora fosse o principal articulador de Dilma na mais alta casa de nosso Parlamento. Delcídio não merece compaixão nem solidariedade – ou merece? Nem o PT se decide. 

Na sessão no Senado, a maioria dos senadores do PT quis a volta do obscurantismo e apoiou o voto secreto para que eleitores não soubessem sua posição sobre a prisão de Delcídio. A única bancada que fechou questão a favor do voto secreto foi a do PT. E, mesmo assim, não conseguiu a fidelidade de todos os seus. 

Também entre os poucos que votaram a favor de soltar Delcídio, o PT foi maioria: nove dos 13. Tudo acompanhado ao vivo pelas redes sociais e pela TV Senado. Era um velório, no qual foi enfim desafiada a expressão dúbia “imunidade parlamentar” – usada no Brasil para garantir impunidade para crimes comuns, e não para proteger o direito constitucional do legislador. 

Ganhou a compostura. Ganharam as instituições. Mas, para os senadores, foi “um dia trágico”. De nervos expostos, de vísceras reviradas. E de clara divisão no PT e no PMDB. O presidente do Senado, Renan Calheiros, o grande aliado de Dilma e representante do vice Michel Temer, perdeu em tudo o que votou. Falou indignado contra “o Poder (Judiciário) que prendeu um senador em exercício de mandato sem culpa formada”. O Supremo respondeu, pela emocionada ministra Cármen Lúcia: “Criminosos não passarão sobre juízes”.

No fim, restou a Renan submeter-se ao plenário e atacar o PT por negar qualquer solidariedade a Delcídio. “A nota do PT sobre esse episódio, além de intempestiva, é oportunista e covarde”, disse Renan. Para onde foi o código de ética entre mafiosos? O senador Delcídio está preso. Por crime inafiançável, flagrante e permanente. Não era um dos “nossos”?

Para variar, Dilma não sabe o que faz. Uma hora, a presidente se rende à ala de Rui Falcão e apoia a nota. Outra hora, Dilma se rende a assessores que recomendam cautela. Não vamos abandonar nem isolar nosso querido Delcídio. E se ele também se torna delator premiado? Que “solidariedade” ele mostrará ao PT se for jogado às traças? Nenhuma.

Calou fundo no coração de muitos petistas o que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ex-ministro da Educação, disse na véspera do rompimento da barragem de Delcídio. Uma fala cândida e premonitória.

“Quando você tem um sonho de transformar a sociedade em favor da igualdade e você se desvia para se apropriar de recursos ou para beneficiar quem quer que seja, você está cometendo dois crimes: o primeiro é colocar a mão em recurso público, o segundo, você está matando um projeto político (...) Não tenho nada contra quem quer ganhar dinheiro, mas não venha para a política (...Se vier,) garanta que você não vai matar o sonho das outras pessoas.” O sonho de Haddad virou pesadelo. O prefeito de São Paulo não está sozinho. Tem uma multidão com ele.


28 de novembro de 2015 | N° 18369
EDITORIAIS

PELO RETORNO À NORMALIDADE


A prisão do senador Delcídio Amaral e o dilema político vivido pelo Senado para chancelar a decisão do STF não podem servir de motivo para a paralisação dos trabalhos legislativos no momento em que o país depende do ajuste fiscal para sair da crise. O desafio do governo e das lideranças parlamentares é retornar o mais rapidamente possível à normalidade, deixando o episódio criminal para a Justiça, para o Ministério Público e para a Polícia Federal.

O momento é de compreensível pânico no Congresso, especialmente entre os investigados pela Operação Lava-Jato. Na lista inicialmente divulgada pelo Ministério Público Federal, há 13 senadores e 24 deputados, incluídos os dois presidentes das casas legislativas. Mas a maioria dos parlamentares continua com legitimidade para apreciar matérias que exigem imediata definição.

A principal delas é a aprovação da meta fiscal de 2015, que autoriza União, Estados e municípios a fecharem o ano com um déficit de R$ 119 bilhões.

O projeto, que precisa ser aprovado em sessão conjunta, deveria ter sido votado na última quarta-feira, quando estourou o escândalo em torno do senador Delcídio Amaral. Também o governo teme que o Congresso traumatizado acabe recolocando na ordem do dia a pauta do impeachment.

Só que não se trata de salvar o governo ou o mandato dos parlamentares ameaçados pela Lava-Jato. Trata-se, isto sim, de salvar o país, de superar uma crise econômica que exaure as forças do setor produtivo e causa desemprego crescente. É por isso que deputados e senadores têm que superar a perplexidade e unir esforços no sentido de levar adiante o ajuste fiscal, destravando o Legislativo e proporcionando condições para que a nação supere esse episódio turbulento de sua história.



28 de novembro de 2015 | N° 18369 
NÍLSON SOUZA

IDEIA DE JERICO

Depois de décadas de trabalho escravo pelo desenvolvimento do Nordeste, os jumentos começaram a ser trocados por motos, que são mais rápidas e mais ágeis no transporte de passageiros e mercadorias. Porém, em vez de receberem a merecida aposentadoria, com pasto verde e água fresca, os burricos passaram a ser abandonados por seus donos na beira das estradas, tornando-se um incômodo para o trânsito e para as autoridades. 

Em várias cidades, há milhares de animais vagando pelas várzeas e pelas margens das rodovias. Por isso, quando recentemente um empresário chinês procurou a ministra Kátia Abreu, da Agricultura, manifestando interesse em importar 1 milhão de jegues por ano, cheguei a pensar que na Ásia eles poderiam ter uma vida melhor.

Ledíssimo engano. Ao ler com mais atenção a notícia, percebi que a intenção do mandarim é abastecer os açougues locais e também a indústria de cosméticos. Ainda que me revolte o estômago, até entendo que um país com 1 bilhão e 300 milhões de bocas para alimentar possa consumir sem remorsos qualquer tipo de carne. Mas acho insuportável a ideia de enviar nossos burricos para os laboratórios de tortura dos fabricantes de perfume e maquiagem. Sei que eles já fazem testes com coelhos e outros bichinhos, o que também é execrável, mas o jumento – como rezava o padre Vieira e cantava o Gonzagão – é nosso irmão.

Quem leu Platero e Eu, do espanhol Juan Ramón Jiménez, jamais deixará de olhar com ternura para um jegue. Na prosa poética e sensível do escritor andaluz, o burrinho de aço e prata ganha sentimentos mais do que humanos, ouve, pensa e age como um ser verdadeiramente superior, é paciente e servil, mas também forte e resistente na hora do trabalho. Não são assim todos os jumentos?

É difícil de entender por que a palavra asno virou ofensa. O próprio Jiménez desenvolve a tese de que os homens bons deveriam ser chamados de asnos, e os asnos maus deveriam ser chamados de homens. Uma convicção eu tenho: asnos jamais teriam uma ideia de jerico como essa de lançar produtos químicos nos olhos dos animais para saber se o rímel não causará desconforto às madames.

Nem tudo está perdido, porém. Cresce no Nordeste um movimento de defesa dos jegues, que já conseguiu criar em Petrolina, Pernambuco, o Parque Ecológico de Proteção ao Jumento, destinado a abrigar animais abandonados. Espero que mantenham os chineses à distância.



28 de novembro de 2015 | N° 18369 
DAVID COIMBRA

Muito obrigado

Foram tantas distrações com Delcídios, que nem falei sobre o feriado do Thanksgiving, o Dia de Ação de Graças. É uma data pela qual os americanos nutrem muito apreço, desconfio de que mais do que pelo Natal.

Tudo fecha, todo o comércio, o que é significativo, porque aqui o comércio fica aberto sempre, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Acho uma data muito bonita. Um dia para agradecer...

Sem dúvida, uma demonstração de humildade. E uma atitude positiva em relação à vida. Se você agradece pelas coisas que têm, sejam quais forem, você certamente é uma pessoa feliz.

Nas escolas, as crianças são incentivadas a refletir por um momento e a escrever a respeito do que têm a agradecer. Não raro, a composição é lida para a família antes do jantar de Ação de Graças.

Nessa noite, participamos de um típico repasto americano, na casa de amigos. Sobre a mesa, rescendia um peru de oito quilos que deve ter sido imponente quando ciscava pela vida. Estava dourado como uma Gisele Bündchen. Sim, era da cor de Gisele, e aquilo me fez feliz.

Diante daquele grande peru, e de nós, adultos, as crianças leram seus textos. Meu filho agradeceu pela existência do jogo X-Box 300, o que considerei compreensível, e pelos coalas australianos, o que me deixou intrigado.

Uma menina pegou do violino e dele tirou uma música doce. Ela está aprendendo a tocar o instrumento na escola, e percebi que havia ensaiado diligentemente para a ocasião.

A singeleza da cerimônia e a quarta taça de tinto italiano me deixaram levemente comovido, e eu também fiz meus agradecimentos.

Lembrei de minhas manhãs.

Acordo sempre muito cedo, escuro ainda, e vou até a porta de vidro da sacada e olho para fora e vejo lá longe, na linha do horizonte, a faixa de luz alaranjada que começa a iluminar o céu. As pessoas estão dormindo, a cidade está quieta e o ar é fino. É tão bonito o suave nascer do dia, tão majestosamente silencioso e pacificamente envolvente, que me emociono. É meio piegas isso, sei, mas é verdadeiro: cada novo dia me toca, apenas por ser um novo dia.

Agradeci, pois, pelas manhãs. Em seguida, olhei para o peru. Lembrei de Gisele Bündchen.

E, suspirando, agradeci pela Gisele também.


28 de novembro de 2015 | N° 18369 
CLÁUDIA LAITANO

Cronicamente anacrônicos


Antes de expressar uma opinião, aprovar uma lei, comentar notícias na rede social ou simplesmente reagir a uma novidade, seria útil contar com a ajuda de um conselheiro para assuntos de século 21 – um “facilitador”, para usar o jargão corporativo.

Pode ser aquele seu sobrinho de 18 anos que não larga o celular ou um grande especialista em qualquer assunto relevante que não tenha medo de mudar de opinião quando fatos novos insistem em alterar a realidade como a conhecíamos até aqui. O importante é incluir a dúvida e a disposição para reexaminar as próprias convicções, à luz de novas circunstâncias ou de uma mudança já perceptível do espírito da época, como exercício intelectual e ético permanente. 

Admitir que o anacronismo está mordendo nossos calcanhares o tempo todo – em casa, no trabalho, na sala de aula, na forma de fazer política ou negócios – não significa que você tem que mudar de ideia como quem troca de celular. Acostumar-se com uma certa dose de descompasso geracional, em uma época de mudanças de comportamento aceleradas pela tecnologia, talvez seja inevitável. Mas estacionar em território conhecido quando fatos novos impõem novas reações e reflexões é assinar atestado de óbito intelectual – ou de má-fé.

Não adianta, por exemplo, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, insistir em defender a candidatura do secretário que batia na ex-mulher como se gritar na beira da praia fosse salvar o afogado. Talvez até fosse possível, em outros tempos, encolher um episódio de violência doméstica até o tamanho de uma nota de rodapé biográfica. 

Mas, em 2015, vamos ser realistas, o homem está liquidado politicamente. Pode-se lamentar por reputações instantânea e injustamente destruídas, o que não parece ser o caso em questão, mas se você está preparando uma campanha política não adianta fazer de conta que a força de mobilização da internet não existe ou que a tolerância com a violência de gênero é a mesma de 10 anos atrás. Perdeu, playboy.

Tampouco adianta cerrar fileiras contra a economia compartilhada como se fosse possível remendar com durepox uma barragem prestes a estourar. O Uber vai prevalecer, com este nome ou com outro, porque representa um modelo de negócio que já venceu a batalha por corações e mentes no resto do mundo. Uma coisa é propor regulações, negociar, administrar conflitos de interesse. Outra bem diferente é tentar impedir a conversa.

Nem todas as manifestações de anacronismo e dificuldade de aceitar mudanças são tão indignas quanto espancar uma pessoa que está tentando trabalhar, mas nada como um gesto estúpido e primitivo para deixar bem claro de que lado o futuro não está.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015


Jaime cimenti
Restos da voragem do tempo


Se os meus queridos seis leitores fazem questão de ler um texto levezinho, bem arrumadinho, engravatadinho, com sujeito, verbo, predicado e tudo em perfeita beleza, delicadeza e ordem formal, como num soneto parnasiano, bem, hoje, aí, peço que me desculpem e leiam outra coluna, ou, se quiserem, me sigam. Quem gosta de palavras, sonhos e pensamentos livres, me siga.

Essa conversa aí de cima me foi inspirada pelo livro mais recente do psicanalista e escritor Luiz-Olyntho Telles da Silva, Iluminura turca e outras crônicas (EDA, 176 páginas, lots@uol.com.br). Iluminuras compunham as páginas de livros, comumente as dos manuscritos medievais, para orná-los com flores, pássaros, ramos e traços delicados.

Em Meu nome é vermelho, do Nobel de Literatura Orham Pamuk, ele fala que o trabalho de iluminuras não deveria deixar vestígios de identidade do autor, ao contrário daquele que é denunciado pelo estilo, um defeito que permite, em cada objeto, distinguir quem o pintou.
Nos seus textos, Luiz-Olyntho, com burilada técnica, trabalhando alma, conteúdo, forma, palavras e arabescos, mundividências, significado e significante, forma, estilo e visão do mundo, nos leva para vislumbres sobre a história, ou, como ele diz, crônicas que recuperam restos da voragem do tempo. Restos do qual a perplexidade não se apodera.

O autor reflete que falamos de futebol, mulheres, guerras, política e outros temas, ou mesmo do modo como antigamente socávamos fumo num cigarrinho de palha, mas sempre nos deparamos com algum ponto da ordem do inefável. Escrevemos para salvar ao menos um resto da voragem do tempo. Ou, quem sabe, para tentar colocar ordem no caos, digo eu.

Sem ligar para cronologias, regras ou formalismos, as crônicas de Luiz-Olyntho mesclam vida real com filmes, livros, sensações, emoções, pensamentos, almas, viagens, pessoas, pai e mãe, filhos, amigos, rodoviária, memórias, transitoriedade permanente , Charlie Chaplin, tablao flamenco, vizinhos, Ano-Novo, Natal, leituras e mil coisas mais, tudo bem relacionado e não relacionado, igual nossas vidinhas pós-modernas indefiníveis, sem contornos, estilhaçadas, imersas em eterno presente, mas, ao mesmo tempo, nos lembrando do passado e sempre de olho no futuro que já chegou faz tempo.

Lendo Iluminura turca e outras crônicas quem sabe, como está na página 154, poderemos refletir que se tudo é transitório, temos de deduzir da transitoriedade sua permanência e ver a arte transcender os tempos, manter a esperança de ver o sonho freudiano realizado: passados os efeitos devastadores das doloridas perdas da humanidade, cumprindo um luto, talvez ainda por 200 anos, mesmo já não sendo os mesmos, mais maduros, valorizando a educação primária, poderemos voltar a uma relação estável com os objetos e, inspirados em Thiago de Mello, conseguiremos confiar no homem, como um menino confia em outro menino.

A propósito...

Diz Dulcinea Santos na orelha: "Quando o escritor põe o estilo a serviço de uma mundividência, seja na crônica, no conto, no romance, no poema, já não mais está aí o homem, o artista, o autor! Pelo trabalho da mímese, transforma-se em narrador fictício. Como Luiz-Olyntho diz do Saturno, de Goya: a história pode sempre ser reescrita com uma reflexão pessoal. 

Ao mencionar essa genial obra da pintura, o que ele nos diz claramente é que o aspecto estético da obra artística é meio, e não fim desta. Uma visão moderna do conceito de estilo. A crônica é um vislumbre sobre a história. Fascinado pelo horror e pelo inusitado, o cronista relata o resto do qual a perplexidade não se apodera". 

Sensibilidades de Antônio Carlos Côrtes 
e Luiz Armando Vaz
Jaime Cimenti

Cronistas, quase sempre, adoram falar em primeira pessoa, contemplar o próprio umbigo, dar opiniões pessoais e apresentar visões pessoais sobre tudo e todos. Hoje, a crônica se tornou, na maior parte do tempo, pequeno artigo de opinião. Felizmente, esse não é o caso do advogado, radialista, escritor e homem de cultura Antônio Carlos Côrtes, que acaba de lançar sua segunda coletânea de crônicas, chamada Rua da Praia 40º (Palmarinca, 136 páginas, accortes@ig.com.br), acompanhada de dezenas de fotos de Luiz Armando Vaz.

Côrtes, que já foi presidente do Conselho Estadual de Cultura e, atualmente, integra a instituição, lançou em 2014 a coletânea de crônicas Bailarina do sinal fechado (Palmarinca, 102 páginas) falando de samba, Carnaval, Porto Alegre, Copa do Mundo, holocausto, vuvuzela, Ospa, advocacia, busca do texto perfeito e outros temas, mostrando como gosta de mesclar sua sensibilidade e suas experiências de vida vivida com o saber acadêmico e a cultura popular.

Em Rua da Praia 40º, que tem bela arte da capa do arquiteto e artista plástico Vinícius Vieira, Côrtes novamente trata de temas que tocam altamente sua sensibilidade, como a Rua da Praia, o Centro de Porto Alegre, o Guaíba, o samba, o Carnaval, a música e os músicos (inclusive, e principalmente, o irmão baterista, Elias), o deputado Carlos Santos, as questões da cultura e da cidadania negras, o Parque da Redenção e muitos temas mais que os rio-grandenses tanto prezam.

Os textos de Côrtes são generosos, afetuosos e solidários, como ele é. O autor não está preocupado com vaidades e gloríolas passageiras. Na página 18, escreve que ninguém é mestre de nada, que somos todos alunos mais antigos. Na página 77, está declarado que, desde criança, educado por dona Isolina e seu Egydio, ele segue o caminho do amor ao próximo.

Está escrito na orelha do livro: "Antônio Carlos Côrtes e Luiz Armando Vaz palmilham, desde os anos 70, alegrias da cultura do Carnaval. Côrtes pelo microfone de rádio e televisão. Vaz pela lente mágica da fotografia, buscando, não só o melhor ângulo, mas arte pura. Ambos por este trabalho conjunto procuram desfilar na avenida da vida, desde a concentração, sem atravessar o ritmo, chegando à dispersão com muita história em forma de crônicas para contar. Até porque a fotografia nos revela, discretamente, variedade de tons sem perder a emoção e a sensibilidade. Texto e fotografia se complementam em parceria que não desafina".

É isso mesmo. Os textos de Côrtes e as fotos de Vaz desfilam com a elegância, o sincronismo e as fantasias de bom gosto e belo acabamento, como as de competentes porta-bandeira e mestre-sala.


27 de novembro de 2015 | N° 18368 
CARLOS GERBASE

QUER CASAR COMIGO?


Quando assisti a Que Horas Ela Volta? – um filme que é, no seu todo, extremamente bem-sucedido –, uma cena me encantou tanto que imediatamente pensei: vai pra antologia das melhores cenas da história do cinema brasileiro. Às vezes, a gente pensa uma coisa durante um filme e depois esquece. Não é o caso. O momento em que Carlos, interpretado por Lourenço Mutarelli, senta-se ao lado de Jéssica, vivida por Camila Márdila, e a pede em casamento é mesmo antológico, e já falei com muitas pessoas que pensam como eu.

Tive o grande prazer de, durante a última Feira do Livro, conversar com Mutarelli e é claro que o bombardeei com perguntas sobre a cena: “Ela estava no roteiro?”, “Vocês ensaiaram muito?”, “Fizeram várias tomadas?”. Ele riu e me contou tudo, ou pelo menos o que lembra. Eu, de minha parte, também vou contar pra vocês o que lembro do que ele lembra. Afinal das contas, estávamos os dois na mesa de um bar, acompanhados de uísque de boa qualidade (gelo para Mutarelli, nada de gelo para mim), o que é ótimo para lembrar, mas não tão bom assim para relembrar.

“No final de uma diária”, disse Mutarelli, “tarde da noite, a Ana (Muylaert, diretora do filme) chegou pra mim e disse ‘Amanhã quero que você sente ao lado da Jéssica e peça ela em casamento. Sei que isso não está no roteiro, mas você é um escritor. Então, pode escrever os diálogos hoje de noite’. Eu disse que sim, que escrevia. E até pretendia escrever. Mas acontece que comecei a beber – um bom uísque, como estamos fazendo agora – e bebi tanto que não escrevi coisa alguma. Fui dormir preocupado, sem saber o que fazer no dia seguinte”.

“Quando cheguei no set, a Ana me perguntou: ‘E aí, escreveu?’, eu disse: ‘Claro’, e sacudi um papel todo amassado, com uns garranchos que podiam ser tudo, menos uma cena de cinema. A Ana disse: ‘Não conta nada pra Camila; quero pegar ela de surpresa’. Pouco depois, tava tudo pronto pra filmar, e eu não tinha a menor ideia do que ia dizer. Mas continuava fazendo de conta que tinha escrito. No ‘Ação!’, sentei na mesa, olhei pra garota e comecei a falar o que surgia na minha cabeça, sem pensar, só deixando fluir. A Camila reagiu, eu reagi à reação dela, e a Ana continuou filmando. É isso!”.

Rimos e, pra comemorar o grande feito, pedimos mais duas doses.



27 de novembro de 2015 | N° 18368 
DAVID COIMBRA

A nossa sorte


Uma montanha pode muito bem explodir. Já aconteceu. Há exatamente 200 anos, um vulcão que até então não era vulcão, apenas um monte inativo de nome Tambora, entrou em violenta erupção, perto da Indonésia. Foi, talvez, o maior evento da história do mundo nos últimos 10 mil anos, e não estou exagerando.

A explosão reuniu o poder de 60 mil bombas atômicas, incinerou quase que de imediato 90 mil pessoas e foi ouvida a mais de 2 mil quilômetros de distância. É como se tivesse ocorrido na Bahia e fosse ouvida em Porto Alegre. Uma nuvem de cinzas se ergueu a mais de 30 quilômetros de altura e se espalhou pelo mundo, encobrindo o sol. Aqui, na Nova Inglaterra, o ano seguinte ao da erupção, o de 1816, é chamado ainda hoje de “o ano sem verão”.

De fato, não houve verão no Hemisfério Norte. As safras goraram, as plantas definharam. Nem o gado nem as pessoas tinham o que comer, e o gado e as pessoas morreram aos milhares.

Um professor americano, Gillen Wood, escreveu um livro a respeito. Para ele, os mais famosos monstros da História, Drácula e Frankenstein, nasceram da explosão do Tambora. Porque, precisamente naquele verão sombrio, Mary Shelley, seu marido Percy Shelley, Lord Byron e outros de seus amigos ingleses se reuniram numa casa nas montanhas suíças para passar o fim de semana. Como os dias estavam horrivelmente frios e escuros, eles ficaram o tempo todo bebendo láudano e contando histórias de fantasmas. Byron escreveu poemas tétricos e os primeiros contos de vampiro, que, anos depois, inspirariam Bram Stoker em seu imortal (mesmo) Drácula.

Mary tinha apenas 18 anos, mas já alguma história de vida. Era filha de William Godwin, um escritor anarquista, e de Mary Wollstonecraft, uma das primeiras feministas da História, autora da declaração dos direitos da mulher.

Mary, a mãe, morreu devido a complicações do parto, e Mary, a filha, ficou sob a tutela do pai. Aos 16 anos, a menina se apaixonou por Shelley e fugiu de casa para ficar com ele. Shelley já era casado, mas essa formalidade não intimidou Mary, que se manteve alegremente como amante por alguns anos. Depois que a mulher de Shelley convenientemente morreu, eles se casaram e viveram felizes para sempre, até que o próprio Shelley também morreu, por afogamento.

Naquele fim de semana gelado, Byron desafiou Mary a escrever a história mais aterrorizante que conseguisse, e ela concebeu o Frankenstein. Tudo isso graças ao clima soturno propiciado pelas cinzas do vulcão que explodira meses antes, na Ásia distante.

Os cientistas até hoje estudam o Tambora, que ficou reduzido pela metade, após a erupção. Não sabem se ele poderá explodir de novo. Na verdade, não sabem se qualquer vulcão, dos 1,5 mil conhecidos em todo o mundo, poderá entrar em erupção agora mesmo. O Monte Fuji, no Japão, por exemplo, está adormecido há três séculos, mas, no ano passado, começou a roncar de forma ameaçadora. Os japoneses ficaram preocupadíssimos, porque haverá um dia em que o Fuji explodirá e partirá Tóquio ao meio. Quando? É um mistério.

A Terra pode vomitar fogo e lava a qualquer momento, e outro tempo de trevas envolveria o planeta. Um meteoro como o K-T, que afundou a província de Iucatán e extinguiu os dinossauros, pode ser arremessado do espaço até o fim do ano, matando, só no choque, 1 bilhão de pessoas. Nós, Homo sapiens, podemos simplesmente sumir da face do planeta, como sumiram 99,99% de todas as espécies em 4 bilhões de anos. Drácula e Frankenstein podem se erguer de suas tumbas.

Por que essas coisas não têm acontecido? Porque temos tido sorte. Pense nisso, da próxima vez que for reclamar do governo do Brasil: apesar de tudo, temos tido muita sorte.


27 de novembro de 2015 | N° 18368 
MARCOS PIANGERS

Gringo burro


Estrangeiros não entendem o Brasil. Vejam só, tenho um amigo alemão que trabalhou muito tempo em uma empresa alemã que atendia a Petrobras. Isso ele me contou em 2010, antes de descobrirem esse mais novo escândalo. Ele dizia que todo contrato fechado com a Petrobras tinha que ter um percentual de propina. Como a empresa alemã não pagava propina de jeito nenhum, meu amigo era obrigado a fechar negócio sempre com uma terceira empresa, uma empresa brasileira que pagava propina, e funcionava como intermediária pra que o petrolão pudesse rolar solto.

Esse meu amigo dizia algumas coisas engraçadas sobre nós. “Não posso confiar em brasileiros. Se 200 pessoas confirmam presença no meu evento, apenas cem aparecem. Por que confirmam presença, então?!”, me perguntava, sem entender.

Um inglês, no Brasil há anos, me disse uma vez: “Me parece que leis, no Brasil, são só sugestões. São apenas uma sugestão que você pode atender ou não, se quiser”. Mas fez uma ressalva: “Tirando futebol. Futebol, pra vocês, é coisa séria”.

Um outro amigo, esse italiano, tentou explicar nossa pátria da seguinte forma: “Na Alemanha, as leis valem para todos. Todos respeitam todas as leis. Na Itália, as leis não valem pra ninguém. Estamos sempre vivendo como se não houvesse lei. Se eu vejo um carro qualquer na calçada e um guarda o está multando, vou argumentar com o guarda que isso é injusto, que talvez o cara precisasse estacionar ali. Somos contra leis pra todo mundo”, disse o ragazzo.

“E no Brasil?”, perguntei.

“No Brasil, as leis valem pra todo mundo, menos pra você. O brasileiro está sempre indignado com a impunidade, mas quando é pego fazendo algo errado se revolta. As leis só valem pros outros, no Brasil.”

Meu amigo alemão voltou a morar na Alemanha. Liguei pra ele esses dias. “O que você está fazendo aí ainda?”, me perguntou. “Você está ganhando alguma vantagem?” Respondi que, tirando o pôr do sol e as caipiras, pouquíssimas. “Pra quem faz as coisas erradas, o Brasil é perfeito. Entendo quem é corrupto e mora no Brasil, é um paraíso. Agora, uma pessoa de bem morar aí? Por quê? Qual a razão?”

Vejam só, como estrangeiros não entendem nada mesmo de Brasil. “Porque somos burros, alemão! Burros!”, respondi. Ô, dificuldade desses gringos entenderem o brasileiro. Deus me livre.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015




vinicius torres freire
Está na Folha desde 1991. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de terça a sexta e aos domingos.
Só falta mandar matar

A gangue do senador Delcídio Amaral, do PT, e do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, pretendia fraudar o Supremo Tribunal Federal e o processo da Lava Jato, dar fuga a um condenado e corromper quem fosse empecilho a tais planos. Além do mais, desviava documentos sigilosos da investigação (os comprava?) e traficava influência. Tudo para acobertar roubanças no mundo do petróleo estatal e paraestatal.

Esse ramo da máfia do petrolão planejava ou cometia mais crimes neste novembro, 20 meses depois do começo da Lava Jato, depois de prisões e condenações em penca. Em suma, não estavam nem aí.

Assim, é razoável considerar que há grande risco de outra gangue ou figura graúda e talvez psicopática do mundo da Lava Jato estar em ação para enterrar crimes. Talvez literalmente. Agora, dado o grau de sordidez a que já se desceu, falta apenas alguém mandar matar testemunha, policial, procurador ou juiz.

ECONOMIA DO CRIME

Está mais do que claro agora como um programa de intervenção econômica criou as condições para a nossa precoce maldição do petróleo, antes mesmo de haver petróleo bastante. Trata-se aqui, claro, do plano iniciado no governo Lula e levado a cabo sob Dilma Rousseff de reinventar a roda podre, uma paródia grotesca, ainda que reduzida, do "desenvolvimentismo" da ditadura de Ernesto Geisel.

Antes que viciados em debates binários de redes sociais protestem, não se trata de condenar em geral políticas industriais; que o grande setor privado, vide bancões do mundo, cometem crimes puramente privados. Isto posto, note-se que as várias intervenções, modelos e leis petrolíferas de inspiração dilmiana fazem parte do cardápio já histórico de fracassos, ineficiências e criação de ambientes propícios à corrupção.

Políticas que criam quase-monopólios ou oligopólios, com reservas de mercado, protecionismos e exigências irrealistas de produzir com conteúdo nacional, degringolam em caixas-pretas. Em ambientes obscuros, sem concorrência, propícios ao mofo da corrupção, da propina, do tráfico de influência. Esquemas que favorecem, no que têm de menos nocivo, mas ainda assim grave, o desperdício de recursos escassos e de energia produtivas em negociações de favores com o poder público.

Um desses polos de descalabro e exemplo concentrado dos erros listados acima foi a Sete Brasil, empresa da qual é sócia o BTG Pactual, banco de André Esteves, além do Bradesco, do Santander, da própria Petrobras e fundos de pensão. Diga-se de passagem que o negócio do qual Esteves é acusado por ora nada tem a ver com Sete.

Em resumo, a Sete foi criada para contratar a construção e a operação de plataformas de exploração perfuração de petróleo para a Petrobras, 28, no valor de US$ 30 bilhões; dependia de resto de crédito do BNDES para ficar de pé. Estaleiros pagavam propinas a gente da Sete e a políticos para conseguir contratos, um dos canais grossos de dinheiro da Lava Jato, mas nem de longe o único.

Esse sistema tem de ser desmontado. Colonizou o Estado, espalhou corruptos por toda a parte da elite política até o centro; se encastelou para se defender e, para tanto, transformou os cidadãos em reféns da roubança e paralisaram a economia e o governo do Brasil.