sábado, 31 de dezembro de 2011



31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
MARTHA MEDEIROS


2012, me surpreenda

As melhores coisas do ano sempre foram aquelas que eu não previ

Ano-Novo é uma convenção. Os dias correm em sequência. De 31 de dezembro para 1º de janeiro ocorrerá apenas mais uma sucessão de 24 horas em que nada mudará, tudo seguirá do mesmo jeito.

Pois é, sei disso, mas é um ponto de vista sem nenhuma alegria. Sou das que compram o pacote de Ano-Novo com tudo que ele traz em seu imaginário: balanço de vida, reafirmação de votos, desejos manifestos e esperança de uma etapa promissora pela frente.

Faço lista de projetos e tudo mais. Só que, quando chega o fim do ano e avalio o que consegui cumprir, descubro que o inesperado superou de longe o esperado. As melhores coisas do ano sempre foram aquelas que eu não previ. Então tomei uma decisão: nessa virada, não vou planejar coisa alguma e aguardar as resoluções que 2012 tomará para mim, à minha revelia.

Mas poderia dar algumas sugestões?

2012, anote aí: que as coisas mudem, mas não alterem meu estado de espírito. Não deixe que eu me torne uma pessoa ranzinza, mal-humorada, desconfiada, sem tolerância para as diferenças. Aconteça o que acontecer, que eu me mantenha aberta, leve e consciente de que tudo é provisório.

Não quero mais. Quero menos. Menos preocupações, menos culpa, menos racionalismo. Pode cortar os extras. Mantenha apenas o estritamente necessário para me manter atenta.

Está anotando?

Espero que você esteja com ótimos planos para sua amiga aqui. Lançarei livro novo? Permita que eu seja abusada: dois. Sendo que nenhuma coletânea de crônicas, nem romance. Me ajude a variar.

Que lugares conhecerei que ainda não conheço? Que pessoas entrarão na minha vida que, quando cruzo com elas na rua, ainda não as identifico? Que boas notícias ouvirei das minhas filhas? Quantos shows terei o prazer de assistir? Estou curiosa para saber o que você está aprontando para incrementar os meses que virão.

Prometo que estarei preparada para receber o abraço afetuoso de quem antes me esnobava, para a frustração por tudo o que for cancelado, para voltar atrás nas minhas teimosias, para me dedicar a algo que nunca fiz antes.

Estarei disposta a tirar de letra os espíritos de porco e assumir a responsabilidade pelas asneiras que eu mesma cometer. E estarei pronta também para uma grande surpresa, ou até duas. Três, meu coração não aguenta.

Se a dor me alcançar, que me encontre com energia e sabedoria para enfrentá-la. Que eu não me torne dura diante dos horrores, nem sentimentaloide diante das emoções. 2012, os acontecimentos são da sua alçada. Da minha, cabe recepcioná-los com categoria.

Quais são seus planos para mim, afinal? Talvez nem todos sejam do meu agrado, portanto, que eu não tenha constrangimento em dizer “não, obrigada”, caso seja preciso. Mas que eu me sinta mais predisposta para o sim.

Se estamos de acordo, pode vir.


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
VERISSIMO


Retrô 2011

Foi o ano das quedas e das substituições

Começando com a de Lula por Dilma, foi um ano de substituições. A do Palocci pela Gleisi Hoffman. A do Mubarak por uma junta militar. A da Fátima Bernardes pela Patrícia Poeta.

Também foi um ano de quedas: a do Kadaffi, a do Berlusconi, a do programa espacial da NASA, a do Paul McCartney.

Foi o ano em que um casal atraiu a atenção do mundo inteiro, que quis saber tudo sobre sua união, nos menores detalhes. Strauss-Kahn e a camareira do hotel ocuparam a imaginação de todos durante semanas. A união do príncipe William com a plebeia Kate Middleton também foi bastante comentada.

O maior desastre do ano foi o tsunami que arrasou a cidade de Fukushima, no norte do Japão, e atingiu sua usina nuclear. Coisa parecida aconteceu no centro do Japão, em Yokohama, com o time do Santos, felizmente sem vítimas fatais.

O primeiro ministro grego inventou de anunciar um plebiscito para saber se o povo grego apoiava as medidas de austeridade pedidas pela comunidade europeia para resolver sua crise. A comunidade europeia reagiu com horror: “Democracia numa horas destas?!”. O primeiro ministro grego não só teve que desistir do plebiscito como perdeu o cargo, para aprender.

Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama mudou seu slogan de “Sim, nós podemos” para “Sim, me ferraram” referindo-se à maioria republicana no Congresso que não o deixa governar como queria. No Brasil, o Fernando Henrique bolou uma versão tucana do “Yes, we can”, “Yes, we care”, sim, nos importamos, para dizer que o PSDB também pensa no “social” e não é apenas o Serra e o Aécio se chutando por baixo da mesa.

O PT logo adotou sua versão, “Sim, nós pensávamos que podíamos”, o PMDB a sua, “Sim... ou não, depende” e o DEM a sua “Yes, we ...quem?”.

Supondo-se que exista uma espécie de entreposto no Além, onde se faz a triagem das almas, pode-se também imaginar que esteja havendo um atraso na identificação dos mortos do ano, para saber quem sobe e quem desce. A chamada pelas senhas estaria demorada e já estariam havendo reclamações, lideradas pela Amy Winehouse, que ameaça quebrar tudo se o processo não for apressado.

– Pô! Não dá pra pra ver pela cara quem vai pra cima e quem vai pra baixo? – grita Amy.

Só na ala de mortos VIPs lá estão Steve Jobs, Osama Bin Laden, Itamar Franco, José Alencar, Lucien Freud, Ernesto Sabato, John Herbert, Sócrates...

Cristopher Hitchens, um dos últimos a chegar, também protesta. Está ansioso para se encontrar com Deus e convencê-lo de que Ele não existe.

Finalmente, alguém vem explicar a demora nas entrevistas. É que a chegada da Elizabeth Taylor alvoroçou todo o mundo. Os entrevistadores abandonaram seus guichês. Estão todos cercando a Elizabeth, pedindo seu autógrafo...

– Hiiiiiii – diz Amy. – Já vi que vamos ficar aqui até o ano que vem.


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
NILSON SOUZA


Simpatias infalíveis

Se você quer ganhar um Ano-Novo cor de arco-íris, como sugeriu Drummond na sua receita poética, não caia na lorota de chupar sementes de romã – nem de bergamota.

Apenas pinte o seu ano com o pincel da imaginação e as tintas do coração.

Se você quer ganhar um Ano-Novo próspero, exitoso e feliz, como consta nas mensagens de cartões, não coma lentilha nem dê pulinhos nas ondas – pois é tudo onda.

Em vez disso, semeie suas próprias sementes de uma planta frutífera chamada gentileza.

Se você quer ganhar um Ano-Novo envolto em cifrões, como preveem os magos da economia, não coloque folha de louro na carteira – ainda que louro rime com ouro.

Seja mais pragmático, acorde cedo e mergulhe de cabeça, corpo e alma na praia do trabalho.

Se você quer ganhar um Ano-Novo repleto de esperanças, como prometem os manuais de autoajuda, não precisa servir maçãs sobre toalha branca – para reis que não virão.

Caia na realidade: é possível saber quantas sementes tem numa maçã, mas não quantas maçãs tem numa semente.

Se você quer ganhar um Ano-Novo pleno de venturas, como desejam amigos e parentes, não desfile pela casa com malas vazias – até para não se tornar mala também.

Faça, isto sim, um plano de voo para conhecer o seu próprio paraíso, que talvez nem esteja tão distante.

Se você quer ganhar um Ano-Novo marcado por uma grande paixão, como prediz a cartomante da esquina, não vista roupas íntimas de cores berrantes – pois o Carnaval está longe.

Seja mais elegante, invista na sua autoestima e terá mais chance de encontrar alguém especial.

Se você quer ganhar um Ano-Novo enfeitado de elogios, como sonham os cronistas de amenidades, não dê conselhos nem faça trocadilhos – pois certamente irão acusá-lo de plágio ou repetição.

Preferível, então, deixar de lado a poesia e lembrar aos leitores que a verdade é a mais poderosa das simpatias.

Está bem, não sejamos tão racionais. Vem aí um ano que ninguém usou ainda e que pode ser seu, meu, de quem vier. Se você quiser pular ondas, pule e não dê bola para os descrentes. Coma lentilha, milho verde, o que melhor lhe aprouver. O importante é que você se divirta e receba 2012 com alegria, humor e tolerância.

Saúde e feliz Ano-Novo!


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
PAULO SANT’ANA


Feliz Ano-Novo!

Se aprendi a escrever lendo, como é então que, ouvindo música às pamparras, nunca consegui aprender a tocar qualquer instrumento?

Não sei como será hoje, mas no dia 24, véspera desse último Natal, aconteceu um fenômeno que flagrei umas 10 vezes no trânsito da Capital.

Acontece que faltaram táxis na cidade na véspera de Natal. E muitos taxistas, evidentemente que não foram todos, apressados pela fartura de corridas que havia em todos os cantos, saíram a cometer tropelias no trânsito.

Havia taxistas que cortavam abruptamente os outros motoristas, outros que se utilizavam de excesso de velocidade, outros que buzinavam aloprados e até alguns que passavam sinais vermelhos.

Eu sei que isso acontece com motoristas comuns. Mas, quando taxistas, que manejam carros que são permissionários do transporte público, entram em transe tal de infrações, convém que a EPTC tome providências enérgicas contra os faltosos.

Eu sou amigo dos taxistas. Fui autor, como vereador, de diversas leis que os beneficiaram, mas não posso me acumpliciar com essas desordens.

Foram alguns apenas, mas foram bastantes. Fora os que não assisti.

Eu só quero desejar aos meus leitores e leitoras que 2012 seja um período de intensa felicidade, um êxtase como vivi somente durante uma semana de 2011, mas que para vocês seja pelo ano inteiro.

Fui muito feliz nessa semana que refiro. Pois que vocês tenham 52 semanas do ano iguais àquela que tive.

Eu queria desejar sorte a todos os meus leitores e leitoras, se possível algum dinheirinho extra, conseguido honestamente, que possa lhes proporcionar ventura, mas de forma primacial eu queria desejar que todos tenham excelente saúde.

Só eu sei e tenho sabido quanto é valiosa a saúde para a vida normal e promissora de uma pessoa.

Eu, então, posso ser piegas, mas o que desejo para os meus fiéis leitores, inseparáveis leitores meus, enquanto me restar ainda esse último fiapo de existência, é que esbanjem saúde durante todo este ano de 2012 que nos será oferecido.

Muita saúde, gente!

Que o resto é o seguinte: se o Braz é tesoureiro, como diz o samba, a gente a ajeita no final.

E a minha última mensagem deste final de ano é para todos os médicos, enfermeiros, atendentes de hospital e clínicas que me suportaram nas centenas de vezes que deles precisei em 2011, sendo a última vez na semana passada, quando fui internado às pressas, durante dois dias, no Hospital Moinhos de Vento.

Meu sincero agradecimento a esses heróis, pois é muito espinhoso me atender. Mas eles foram notáveis em paciência e competência.

Que Deus lhes retribua toda essa atenção, todo esse dedicado zelo que tiveram comigo, os médicos, as enfermeiras, as secretárias de médicos de clínicas e hospitais, todos os que se relacionaram com a saúde e que me encheram de favores.

Muito obrigado, do fundo do coração.

Vocês são a seiva divina que nutre os terráqueos.

Vocês são o sal da terra.

Eu amo vocês.


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
DAVID COIMBRA


Como fazer escolhas em 2012

Acriatividade, necessariamente, está associada a certa dose de irresponsabilidade. É quase impossível ser criativo e cordato, porque o criativo tem de romper padrões, ou ele não é criativo.

A criatividade é agressiva, é um subproduto da agressividade. O homem criativo é um inadaptado à sociedade. Um rebelde em potencial. Ele sublima sua inadaptação criando.

Obviamente, nem todos os inadaptados, rebeldes e agressivos são criativos. Às vezes, muitas vezes, eles são apenas inadaptados, rebeldes e agressivos, sem nenhum talento que os possa redimir. Mas a premissa contrária é verdadeira: o criativo em geral, ao criar, está pondo para fora sua inadaptação, sua rebeldia e sua agressividade.

Por isso, um atacante quase sempre será agressivo, será um irresponsável, será um rebelde. Se conseguir converter sua agressividade, rebeldia e irresponsabilidade em gols sem comprometer o clube, ótimo. Mas dificilmente se conseguirá um atacante comportado e criativo ao mesmo tempo. É aquela história do Chico Buarque: quando ele ia se despedir da mãe, ela recomendava:

– Meu filho: divirta-se e comporte-se.

O Chico respondia:

– Mãe, uma coisa ou outra: ou eu me divirto, ou eu me comporto.

Portanto, não contrate atacante certinho demais. Ele até pode parecer um comportado como o Chico parece. Mas o Chico não é. A mãe dele sabia disso.

O sério

O zagueiro é o contrário. O zagueiro não pode ser irresponsável e rebelde. O zagueiro tem de ser um homem sério. Para ele, pouco importa ser criativo, ousar, inovar, fazer o diferente. Não. O zagueiro tem de ser um tipo vigilante, controlador e sisudo. O zagueiro é o administrador de empresas que prega a economia e o corte de despesas. O zagueiro não sonha, ele tem os pés no chão. O zagueiro é tão correto que é quase uma mulher.

Assim, não contrate zagueiro com cabelo moicano ou que participe de dancinhas de comemoração de gol. De preferência, contrate um zagueiro que não ria. Melhor um que nem sorrir, sorria.

O cerebral

O meio-campista tem de ser, em todos os sentidos, o cérebro do time. Não pode ser irresponsável como o atacante, nem por demais sisudo como o zagueiro. Está, de forma muito apropriada, entre um e outro – não por acaso, no meio do campo. Pode ser um tanto rebelde, para que converta a rebeldia em criatividade, e algo sério, para que possa se compenetrar e compreender o jogo. Mas nunca pode ser uma coisa ou outra em excesso.

Então, contrate um meio-campo que leve o jogo a sério, mas que não se leve a sério.

O louco

O goleiro, é evidente, tem de ser meio louco. Manga, Danrlei, Leão, todos meio loucos. Taffarel parecia certinho, até o dia em que explodiu, saiu correndo atrás de um atacante, rojou-o ao chão e tapou-o de pontapés. Lembram do Gainete brigando com o Alcindo? Do Higuita? Do Chillavert? Do Jorge Campos? Loucos.

Goleiro não pode ser depressivo. Não pode ser um normal, e depressão é mal de gente normal demais, vinculada demais ao mundo. Porque a profissão do goleiro não é normal. Num jogo que tem por objetivo fazer o gol, ele quer impedir o gol. Coisa de louco. Só louco aceita isso.

Logo, nada de contratar goleiro normalzinho. Pegue um maluco. Ele pode incomodar, mas vai pegar tudo.

É isso. Não erre. Faça uma avaliação psicológica antes de contratar. E tenha um 2012 repleto de vitórias.

A coluna do David é publicada às terças e sábados


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
CLÁUDIA LAITANO


Por que parou? Parou por quê?

Analise uma foto sua tirada em 1992. Abstraia o corte de cabelo (ou a mera existência deles), os quilos a menos, a consistência das bochechas. Concentre-se no figurino. Se não estava usando fraldas ou uma fantasia do Batman, é provável que suas roupas fossem bem parecidas com as de hoje.

Agora volte outros 20 anos no tempo, para o comecinho de 1972. Se ainda era criança, garimpe uma foto dos seus pais e compare com o estilo de gente da mesma idade em 1992. Alguma chance de confundir o verão hippie com o verão grunge? Nenhuma.

A brincadeira vale para a maioria dos modelos de carros, a decoração das casas e mesmo para o que foi considerado o melhor da literatura, do cinema ou da música dos anos 90 para cá.

Nesses 20 anos em que a economia virou de cabeça para baixo (China mandando no campinho, Brasil sexta economia do mundo) e a tecnologia mudou radicalmente a forma como nos comunicamos e como consumimos bens culturais, a aparência do mundo parece ter estacionado como nunca antes em períodos de tempo semelhantes. Por que parou? Parou por quê?

A tese de que temos vivido nos últimos 20 anos uma espécie de “era glacial” na cultura ocidental é desenvolvida pelo jornalista Kurt Andersen em uma reportagem publicada na revista Vanity Fair (você encontra o artigo “You Say You Want a Devolution?” no site do jornalista, no endereço www.kurtandersen.com). O autor admite que algumas coisas mudaram no layout geral da paisagem humana, mas tão poucas, que praticamente confirmam a regra.

Hoje, por exemplo, as pessoas se tatuam e usam piercing muito mais do que há 20 anos, a preocupação com a ecologia entrou na rotina doméstica, e os corpos sofreram um processo de “padronização estética”, com a globalização do peitão e da magreza extrema como padrão de beleza.

Em compensação, tênis, camiseta e camisa xadrez permanecem como uniforme dos jovens há mais de 20 anos, e Lady Gaga ainda não fez nada que Madonna não tenha feito (melhor) antes.

Ao contrário de décadas anteriores, em que a única constante era a permanente mudança de estilo, não apenas encalhamos em uma espécie de presente contínuo, mas transformamos a nostalgia em uma das tendências dominantes da nossa época.

Kurt Andersen arrisca alguns palpites para tentar entender esse quadro. Talvez a maneira de as pessoas se relacionarem umas com as outras e com a informação esteja mudando tanto e tão rapidamente em função da tecnologia, que essa desaceleração que o artigo aponta seja apenas uma espécie de reação natural para mantermos um certo equilíbrio em meio ao bombardeio de novidades a que somos submetidos todos os dias.

Ou, quem sabe, ali na esquina, já nos aguarda o próximo movimento do pêndulo da História. Algo que vai tornar tudo o que a gente veste e escuta hoje completamente anacrônico em 2032. Vai saber. Por enquanto, o que nos cabe é aproveitar 2012 da melhor forma possível – antes que este futuro que começa hoje também comece a virar nostalgia.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011


Carlos Heitor Cony

O vermelho e o negro

Admito ter cometido um erro condenado em todos os manuais de redação existentes no mundo

Creio ter violentado uma das regras fundamentais do ofício que exerço por equívoco há mais de 60 anos. Equívoco meu e dos outros. Por vontade própria, jamais seria jornalista ou escritor. A soma de circunstâncias desfavoráveis é que me levou a ser o que sou.

Não se trata de uma desculpa, mas de um fato ou de fatos. Queria ser padre, não deu. Depois, qualquer coisa me serviria.

Só recusei mesmo foi uma oferta para ser bandeirinha de futebol. O resto seria lucro.

Esse introito é para pedir perdão ao leitor que reclamou do título que dei a uma crônica que, na semana retrasada, escrevi na página 2 da Folha. Mandou-me um e-mail e insistiu, dizendo que o título da mesma ("Ficha suja") nada tinha a ver com o texto.

Pequei porque fui na onda das tais fichas limpas, que supõem, por exclusão, a existência de fichas sujas.

Meu assunto era o Rio de Janeiro, muito louvado por suas belezas naturais, Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara, Cidade Maravilhosa, mulheres também maravilhosas, jeito folgazão de seus habitantes, pedra que virou Pão de Açúcar -modéstia à parte, meus senhores, somos todos da Vila.

Essa seria a ficha limpíssima da cidade onde nasci, moro e tenho até o mausoléu da ABL para o caso de uma necessidade que sei inevitável.

Essa seria a ficha limpa que me recusei a fazer por ociosa. Arrolei então o que seria uma ficha suja que contrastasse com os encantos mil do nosso hino oficial.

Falei da sujeira, da imundície que Luiz Edmundo, Aluísio Azevedo, Gastão Cruls e alguns viajantes estrangeiros aqui encontraram, sem falar no pessoal da corte de Dom João 6º, que reclamava dos ratos e mosquitos que criavam epidemias, obrigando os navios que chegavam a quarentenas humilhantes.

Até um presidente da República morreu numa dessas pestes de que Osvaldo Cruz e Pereira Passos nos livraram. Em termos de ficha suja, não haveria tribunal, Supremo ou não, que nos indicasse para qualquer função oficial ou política.

Confesso que, antes de dar o título àquela crônica, pensei em recorrer a Stendhal, apelando para o vermelho e negro ("Le Rouge et Le Noir") de um de seus romances, um dos maiores de todos os tempos. Acontece que Stendhal lia todos os dias o Código Civil para melhorar o estilo e evitar redundâncias.

Se usasse o vermelho e o negro para acentuar as diferenças entre as fichas limpas e sujas, acredito que complicaria mais ainda o meu texto, pois, tal como no romance famoso, não há qualquer alusão ou metáfora sobre as cores rubro-negras que desgraçaram a vida de Julien Sorel.

De qualquer forma, admito ter cometido um erro condenado em todos os manuais de redação existentes no mundo. Quando se escreve para os jornais, a clareza vem acima de tudo. O pão é o pão, o queijo é o queijo. Se o leitor não entende um texto (ou um título), a culpa não é dele, é do autor.

Por isso mesmo, ao iniciar esta crônica, confessei que a minha escolha profissional foi um equívoco. No curso de humanidades que fiz no seminário, aprendi um lema que não deveria adotar no jornalismo. "Intelligentibus pauca": aos inteligentes, bastam poucas palavras.

O João Saldanha, que foi um excelente cronista, dizia que texto com mais de duas laudas era embromação, enchimento de linguiça.

Moisés deu-nos um decálogo de mandamentos. Mesmo assim, foi prolixo, proibindo o desejo pela mulher alheia em um mandamento (o nono) que é uma decorrência de outro (o sexto).

Entre Stendhal, João Saldanha e Moisés, fico mesmo com o leitor que não entendeu o meu texto. Lembro um aviso que havia nos bondes da Light and Power: "É proibido fumar nos três primeiros bancos".

Hoje é proibido fumar em qualquer tipo de banco. E, antes que algum leitor estranhe o "Light and Power", lembro que o carioca chamava a companhia dos bondes de "polvo canadense".

Eu pretendia escrever sobre a ficha do ministro Fernando Pimentel que está na berlinda.

Devemos respeitar sua vida pessoal. Se ele estuprasse freiras e degolasse criancinhas antes de ter cargo no governo, seria para dona Dilma portador de uma ficha limpa. Mais uma vez, temos o vermelho e o negro de Stendhal.


Banco estatal

Dilma espera resultado de apuração para decidir mudanças na Caixa

DE BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff determinou que, ao fim de suas férias, esteja pronto relatório apontando o que aconteceu nas negociações de títulos por preços acima dos de mercado quando um sistema da Caixa Econômica Federal estava fora do ar.

Conforme a Folha revelou, as vendas desses papéis podem gerar dano de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Até agora, PT e PMDB, que controlam as diretorias do banco, vêm se acusando pelo problema.

A partir desse relatório, que deve identificar qual setor da Caixa foi responsável pela irregularidade, Dilma decidirá se inclui os cargos de diretores do banco nas trocas de auxiliares que pretende fazer no início do ano em sua reforma ministerial.

A ordem foi repassada ao presidente da Caixa, o petista Jorge Hereda, antes de a presidente tirar um período de descanso. Ela deve retornar ao trabalho no dia 9 de janeiro.

A fraude está sendo usada em disputa entre PT e PMDB pelo comando de diretorias do banco e é alvo de investigação da PF e de auditoria da Caixa.

E a gente pensa que a mega da virada é muito dinheiro não é mesmo..? FELIZ ANO NOVO leitoras e leitores deste Blog


Alberto Goldman

O primeiro ano de Dilma: governo medíocre

Não existe austeridade nem eficiência possíveis quando nacos do Estado são entregues a partidos para serem usados como agências arrecadadoras

O primeiro ano de governo de Dilma Rousseff -o nono de Lula, seu antecessor e mentor- caracterizou-se pelo desperdício do capital político obtido por ela com a vitória eleitoral de 2010: foi amorfo e insípido.

Dilma foi eleita presidente mas se contenta com o papel de atriz coadjuvante -escalada para refletir o brilho do ator principal e diretor do enredo- e de síndica do condomínio político constituído por Lula.

Os condôminos, começando pelas múltiplas facções do Partido dos Trabalhadores, não admitem abrir mão dos cargos e verbas federais, cujo rateio é a razão de ser da sua participação no governo. Nas suas disputas pelos nacos do poder não existem quaisquer preocupações sobre o futuro do país.

A presidente pode, parcimoniosamente, restabelecer uma civilidade básica no trato com as lideranças e com os partidos de oposição. Passar disso, porém, e mexer nos fundamentos do sistema de poder lulista-petista, nem sinal.

É o sistema de poder criado que deve ser avaliado, mais do que o desempenho da presidente. Mas o balanço é negativo para ambos, e preocupante para o país -principalmente para os que precisam e querem ganhar a vida honestamente.

Nenhum presidente, no passado, recorreu ao loteamento político da máquina estatal na extensão e com a desfaçatez de Lula. O efeito mais visível do clientelismo turbinado por ele foi a sucessão de escândalos no primeiro ano de Dilma.

O espetáculo da corrupção impune enoja a opinião pública, desmoraliza as instituições, paralisa a administração pública, desvia recursos necessários para atender demandas da sociedade e desafia as pretensas intenções moralizadoras da própria presidente, que troca os ministros que se demitem quando já não aguentam mais a pressão da opinião pública, mas não muda a regra de rateio dos ministérios.

Não há austeridade nem eficiência possíveis quando pedaços do Estado são entregues a partidos e facções políticas para serem usados como agências arrecadadoras.

As contas e indicadores de desempenho da máquina federal, da Funasa à Petrobras, registram o avanço dessa forma perversa de privatização do patrimônio público nestes nove anos. Ninguém entregou mais o Estado brasileiro ao apetite desmedido de sua base política do que Lula e Dilma Rousseff.

A perversão não se limita à máquina estatal. Escândalos recentes puseram em evidência o aparelhamento de entidades da sociedade civil como comitês eleitorais e canais de desvio de dinheiro público por grupos políticos instalados nos ministérios. A tal ponto que não se consegue mais distinguir quais as entidades sérias, quais as simples picaretagens.

Refém de uma base na qual políticos, sindicalistas, donos de ONGs e amigos empresários se acotovelam diante dos guichês pagadores da União, o governo custa a desacelerar a disparada insustentável dos seus gastos, adia investimentos essenciais e infla a dívida pública.

Além disso, não consegue eliminar os gargalos de infraestrutura que freiam o investimento produtivo e deixa passar a janela de oportunidade aberta pela emergência da Ásia, sem avançar com as reformas estruturais que qualificariam o Brasil como mais do que um mero exportador de produtos primários.

Sobre esse pano de fundo, o balanço do primeiro ano de governo da presidente Dilma, o nono de Lula, registra uma constrangedora sucessão de fracassos. Ao mesmo tempo, o quadro econômico internacional e o quadro nacional se mostram extremamente preocupantes.

Pode ser diferente. Basta que a presidente tome em suas mãos, imediatamente, as rédeas do poder, como lhe cabe por decisão popular, constituindo um governo que se submeta somente aos interesses do nosso país.

ALBERTO GOLDMAN, 74, engenheiro civil, é vice-presidente da Executiva nacional do PSDB. Foi governador do Estado de São Paulo (2010), deputado federal, ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).


30 de dezembro de 2011 | N° 16932
ARTIGOS - Rodrigo Grassi de Oliveira*


As pessoas estão precisando de férias?

Alguns dias atrás, fui a uma famosa confeitaria, ingenuamente tentar comprar uma torta para as festas de final de ano. Chegando ao local, vi nobres senhoras, com seus cabelos, unhas e roupas impecáveis àquela hora da manhã. Confesso que até me questionei se eu mesmo estaria apropriadamente vestido para adentrar naquele recinto, já que quando me dirigi ao balcão de atendimento pressenti uma certa hostilidade entre tão distintas senhoras.

“Tem que pegar a ficha”, “não sobrou mais nada, nem adianta ficar aqui”, “essa torta de chocolate é minha, só para te avisar”, foram algumas das frases de boas-vindas que recebi. Solicitei uma ficha e aguardei, várias outras senhoras com as mesmas características chegavam e iam se acumulando, e também recebidas com aquele carinho todo. Definitivamente, não era só comigo o incômodo.

Subitamente, uma atendente anunciou que uma torta de chocolate estava chegando. No mesmo instante, todas aquelas senhoras transformaram-se em vorazes predadoras.

Não existiam mais fichas, não existia mais ordem, não existia mais educação, todas gritavam, se acotovelavam, e nesse instante os cabelos eram jubas, as unhas eram garras, e as roupas, pelagens dignas de savanas africanas. Resolvi sair correndo, fugir dessas leoas, eis que o segurança me olhou placidamente e disse: “Nesta época do ano, o pessoal fica bem estressado”.

As pessoas estão precisando de férias? Foi então que me lembrei do livro Por que as Zebras não Têm Úlceras?, escrito por um importante neurocientista, professor da Universidade de Stanford, chamado Robert Sapolsky. Muitos já devem ter escutado a história das zebras de Sapolsky, mas creio que cabe resgatar algumas ideias para responder a essa pergunta.

Em seu livro, ele conta que as zebras precisam enfrentar situações muito estressoras, como ter um grupo de leoas tentando caçá-las, ou mesmo terem sido atacadas por uma dessas leoas. As zebras ou morrem, ou escapam.

O interessante é que, se escaparem, logo a seguir a vida volta ao normal e elas continuarão pastando tranquilamente. As zebras conseguem se adaptar a essas situações de estresse agudo e não permitem que elas se acumulem. O estresse não é ruim, ele é o mecanismo de defesa às adversidades da vida.

O problema é o estresse crônico, de que os humanos parecem gostar tanto. Passamos o ano acumulando preocupações e criamos a expectativa de que, assim que mudar o ano, voltaremos a “pastar” tranquilamente. Isso não irá ocorrer se a nossa mente estiver acostumada a perceber apenas sofrimento e os aspectos negativos das nossas experiências. Precisamos de férias para isso. Precisamos reprogramar nossa mente para que a mesma não se torne um filtro mental de coisas negativas.

Assim, as férias não serão efetivas se ficarmos alcoolizados o dia inteiro para não pensar, se chegarmos com a torta de chocolate mais concorrida na ceia de final de ano e fingir que tudo vai “zerar” naquela noite, se não aprendermos que, assim como as zebras de Sapolsky, o segredo é a rápida adaptação. De outra forma, aconselho evitar a compra de tortas de chocolate no final de 2012.

*Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da PUCRS


30 de dezembro de 2011 | N° 16932
PAULO SANT’ANA


Nos longes do Partenon

Meu Deus, como, afinal, aprendi a nadar? De repente, me veio essa pergunta. Se nunca frequentei aula de natação, se quando eu era criança nunca morei perto de qualquer curso de água, sequer córrego, como, afinal, aprendi a nadar?

Vasculhando meus arquivos da memória, achei a solução para a minha dúvida.

É que, quando eu tinha lá pelos 10 ou 12 anos de idade, vivia na encosta e no cume do Morro da Polícia.

E havia acima da encosta do morro, embora ainda muito longe do cimo, um antigo reservatório de água que foi desativado. Cortaram-se tanto a irrigação quanto a drenagem dele. E ele só enchia com a chuva ou esvaziava com a seca. Se é que sempre não foi assim estanque.

Nós, centenas de meninos do Partenon, descobrimos o reservatório e o apelidamos de “piscina”. As pessoas que têm a minha idade certamente se lembrarão da nossa “piscina”.

Era um quadrado de cimento de 8 x 8 metros. Quando enchia com a chuva, ficava tomado por água límpida.

Cessada a chuva, corríamos, centenas de meninos, para a nossa piscina. Era o nosso Grêmio Náutico União silvestre.

Em três dias de banho, a água da piscina ficava turva da sujeira dos corpos dos guris.

A piscina tinha dois metros de fundura, portanto, para atravessá-la de um para os outros três lados dela, era necessário saber nadar.

Quem não sabia nadar, como eu, dava um impulso com o pé numa parede da piscina e atingia uma parte do outro lado, quase junto ao vértice.

E, de tanto exercitar esse método, nossa travessia ia crescendo, crescendo, até que, dias depois, já atravessávamos toda a piscina a nado.

Foi assim que eu e milhares de meninos do Partenon, da Glória, da Intendente Azevedo, e até alguns que vinham da Azenha e de Teresópolis, aprendemos a nadar.

Essa piscina era em meio à mata virgem. Quase todos nós tomávamos banhos nus.

Mas havia um inconveniente. A piscina ficava exatamente na direção dos balázios das linhas de tiro da Brigada Militar e do Exército, que, ao que parece, ainda até hoje funcionam no mesmo lugar, na Chácara das Bananeiras.

Então, nós tomávamos banho, naquela algazarra infernal, ouvindo os zunidos das balas de fuzil das linhas de tiro.

Às vezes, isso é incrível, só de me lembrar me arrepio, ouvíamos o zunido da bala e logo em seguida tombava um galho de árvore que encobria a piscina. Ou caía uma folha, levada pela bala.

Muitos meninos saíam da piscina e se atiravam no chão da mata, fugindo aos balaços.

Nunca ouvi falar que algum menino tenha se ferido à bala, mas isso pode ter acontecido, apesar de que tanto o Exército quanto a Brigada Militar distribuíam avisos de que era proibido passear na direção das linhas de tiro, por ser perigoso à vida, nos dias de exercícios. Se não me falha a memória, uma sirena soava estridentemente para avisar a todos nas cercanias de que iriam começar os exercícios de tiro ao alvo.

Tenho a sensação de que estou contando uma parte da história de Porto Alegre e do tradicional bairro Partenon.

Foi assim que aprendi a nadar. Com risco de vida. E não era risco por afogamento. Era risco de balaços mesmo.


30 de dezembro de 2011 | N° 16932
NILSON SOUZA - INTERINO


Valor de craque

Rafael Toloi certamente seria um companheiro adequado para Rodrigo Moledo, e o Internacional teria uma zaga forte por muito tempo. O zagueirão do rebaixado Goiás tem apenas 21 anos e já foi campeão sul-americano com a seleção sub-20. Vários clubes brasileiros já se interessaram por ele, inclusive o Grêmio, que chegou a propor uma troca por quatro jogadores quando Renato Gaúcho ainda era o treinador.

Outra curiosidade é que Toloi, natural de Glória D’Oeste, no Mato Grosso, foi lançado no time principal do Goiás por Caio Júnior. Seu empresário é Juan Figer, que também vem tentando colocá-lo em clubes europeus. O único probleminha, ou problemão, é a multa rescisória cobrada pelo Goiás: cerca de R$ 39 milhões. Valor de craque consagrado. Diante deste quadro, fica mais fácil para o Inter repatriar algum brasileiro que queira voltar para casa ou mesmo contratar outro estrangeiro.

Intermediação

O futebol profissional está definitivamente transformado num negócio em torno do qual gravitam os mais diversos interesses. Qualquer jogador em início de carreira já tem procurador, assessor de imprensa, agente de publicidade e outras coisas mais. Treinador só se mantém na crista da onda se tiver um bom empresário. E os intermediários alcançam mais sucesso quando contam com a ajuda de pessoas influentes nos clubes, em alguns casos mediante comissões. Aí talvez esteja a explicação para os valores astronômicos dos contratos.

Lista

O jornal Gazzetta Dello Sport fez uma lista de 10 jogadores sul-americanos que estão na mira de clubes italianos na virada do ano. Seis são brasileiros: Leandro Damião, do Inter; Dedé, do Vasco; Ganso, do Santos; Paulinho, do Corinthians; Lucas e Casemiro, do São Paulo.

Vitalidade

Gosto tanto de futebol que sou capaz de parar num campinho de beira de estrada para ver moleques disputando a mais indigente das peladas, com dois ou três jogadores para cada lado. Por isso, acompanhei com prazer na televisão o jogo festivo que Zico costuma organizar a cada final de ano, e que desta vez foi realizado no Morumbi, em São Paulo, com 35 mil espectadores pagando para ver atletas e ex-atletas prestando uma homenagem bonita ao falecido doutor Sócrates.

Todos se divertiram, principalmente Neymar e Lucas, que não apenas puderam atuar ao lado dos “avôs” Zico e Raí, mas também porque tiveram a oportunidade de mostrar o quanto a juventude e a vitalidade são determinantes neste esporte. Era uma brincadeira, óbvio, mas os garotos passavam voando pelos ex e exibiam talento e habilidade com gosto. Como diz o Eclesiastes, tudo tem o seu tempo certo.

Vaia

Jogo no Morumbi, com presença de torcedores de vários rivais do Santos, era previsível que Neymar recebesse marcação especial de corintianos, são-paulinos e palmeirenses. Cada vez que ele pegava a bola, alguns grupos gritavam “Messi” ou “firuleiro”. Mas ele mostrou maturidade: fez o seu jogo com desenvoltura e, no final, confessou sua decepção com as vaias, mas lembrou que a rivalidade também é uma coisa gostosa.

O colunista Wianey Carlet está em férias


30 de dezembro de 2011 | N° 16932
DAVID COIMBRA


O que o povo quer

O Diogo Mainardi diz que prefere ter um filho drogado a ter um filho tuiteiro. Eu não chegaria a tanto, mesmo sabendo que o tuíter é aplastante. Apenas pretendo insistir com o meu guri:

– Faça um esforço: tente ler mais de 140 caracteres de uma vez. Tente!

Mas, reconheço, não sei se terei sucesso. E reconheço também a nossa culpa, nós, jornalistas. Nós é que começamos com isso, publicando primeiro notas avulsas, depois páginas inteiras de notas e agora reportagens completas em “infográficos”. Faz anos que nos esforçamos em formar não leitores. Conseguimos.

A internet torna a questão mais aguda. A internet é um polvo, ela abraça a tudo e a todos, e faz com que tudo e todos pareçam iguais. Não que seja culpa da internet. A internet não passa de um instrumento, mas, como é um instrumento eficiente, torna fácil e rápida a tendência natural do ser humano ao apatetamento.

O curioso desse fenômeno é notar que, quanto mais patetas as pessoas, mais agressivas elas se tornam ao serem confrontadas com o diferente ou o contraditório. Qualquer opinião que desborda do senso comum vale insulto. Eu, particularmente, não me abalo com insulto. O que me incomoda é quando eles simulam risada. Eles escrevem: “ushushaushausha”. Ou: “kkkkkkkkkk”. Degradante.

Na verdade, a agressividade dos patetas não deveria surpreender. A História mostra que é assim que funciona. As reações coletivas mais violentas não ocorreram em períodos de luzes, mas nos tempos em que o povo vivia submerso na ignorância. Pegue dois exemplos notórios.

Antes da deflagração das duas maiores revoluções de todos os tempos, as populações da França e da Rússia eram, em sua ampla maioria, constituídas por analfabetos famintos, miseráveis que viviam oprimidos pela Justiça, pela polícia e pelo governo.

Dois trios de intelectuais (Marat, Danton e Robespierre; Lênin, Trotsky e Stalin), compreenderam a angústia das massas, tomaram a liderança à força e mudaram tudo até o osso, inclusive com pouco inteligentes abolições da religião e do calendário. Passado o período de conflito, a plebe voltou a ser submetida alegremente por ditaduras, seja a napoleônica, seja a stalinista.

Ou seja: as mais profundas revoluções da História pareciam indicar que o povo oprimido queria liberdade. Era o que gritavam nas ruas: “Liberdade! Liberdade!” .Mas não. Entre liberdade e igualdade, o povo prefere igualdade. Mais até: ele suporta a desigualdade sem queixas, desde que as suas condições de inferioridade sejam minimamente dignas.

Agora, no século 21, as massas ululam que a internet é o novo e poderoso instrumento da liberdade. Apregoam que a chamada Primavera Árabe foi urdida pelo tuíter. Bobagem. O tuíter é uma ferramenta, tanto quanto eram os panfletos que Marat escrevia em sua banheira na Paris do fim do século 18. Serviu só como um veículo que canalizou a fúria da massa ignara com sua condição de vida.

Como os russos e franceses do passado, os árabes do presente não se revoltaram por liberdade, mas por causa das coisas que realmente importam: casa e comida. Tudo é casa, comida e sexo, dizia Freud. E é. É isso que almejam os patetas do mundo inteiro. E os que não são patetas também.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011


Pasquale Cipro Neto

'Mentir para ele é mau negócio'

Questões que tratam de ambiguidade quase sempre são formuladas sobre frases descontextualizadas, livres

O jogador Adriano, do Corinthians, é novamente personagem de uma história complicada. É claro que não vou me ocupar do fato em si, que não me diz respeito e não me interessa nem um pouco. Vou me ocupar do que disse o delegado que cuida do caso.

Em entrevista a uma emissora de TV, o policial disse mais ou menos isto, antes do depoimento que Adriano daria horas mais tarde: "Mentir para ele é mau negócio". O delegado disse a frase numa tacada só, sem pausas antes e depois de "para ele".

A situação em si tornava um tanto descabido entender que o delegado queria dizer que o mau negócio seria mentir para Adriano, mas o que ele disse foi exatamente isso.

O que deveria ter dito então o delegado ou como deveria ter se expressado para que a sua afirmação se encaixasse no contexto, ou seja, para transmitir a ideia de que, se mentisse, Adriano faria mau negócio? As possibilidades são muitas, a começar pela que indiretamente já mencionei: fazer pausa antes e depois de "para ele".

Mas essa talvez não seja a melhor solução, tanto na fala quanto na escrita (convém dizer que na escrita isso seria representado por duas vírgulas: "Mentir, para ele, é mau negócio"). A melhor solução seria pôr para correr a expressão "para ele": "Para ele, mentir é mau negócio"; "Mentir é mau negócio para ele"; "É mau negócio para ele mentir"; "Mentir é, para ele, mau negócio".

O fato é que, nas frases que transmitem o sentido efetivamente desejado pelo delegado, a expressão "para ele" não se prende sintaticamente ao verbo "mentir", mas à expressão "mau negócio", por isso, quando se põe a expressão "para ele" imediatamente depois do verbo "mentir" (sem as pausas), o sentido se altera.

Agora esqueçamos o contexto e pensemos numa daquelas questões de vestibular que pedem ao candidato que identifique a frase em que há ou em que não há ambiguidade. Se uma das frases que efetivamente traduzem o que o delegado queria dizer estivesse numa das alternativas dessa suposta questão, como se deveria agir?

Vamos pegar, por exemplo, a construção "Para ele, mentir é mau negócio". Pois bem, sempre levando em conta que a frase viria solta, descontextualizada, você diria que ela é ambígua, ou seja, diria que ela tem mais de um sentido?

E então, caro leitor? Já pensou? É ambígua ou não é? É. Um dos sentidos é o que já foi discutido. E o outro? O outro é simples: na opinião dele (seja lá quem for esse "ele"), mentir é mau negócio.

Não se trata de afirmar que Fulano faria mau negócio se mentisse ou fará mau negócio se mentir, mas de afirmar que na opinião de Fulano mentir é mau negócio (é mau negócio para quem quer que seja ou para determinada pessoa ou situação de que se esteja falando).

Mais ou menos frequentes, essas questões que tratam de ambiguidade quase sempre são formuladas sobre frases descontextualizadas, livres, postas em alternativas de questões de múltipla escolha ou mesmo em questões discursivas, como fez a Fuvest há um bom tempo a respeito da seguinte frase: "Vi uma foto sua no metrô".

A banca pediu aos candidatos que dessem ao menos dois dos significados da frase.

E então? Já sabe? Os dois significados que me parecem mais evidentes são estes: a) vi uma foto em que você estava no metrô; b) vi, exposta no metrô, uma foto de sua autoria, ou seja, tirada por você. Existem outras possibilidades, que deixo por sua conta, caro leitor. É isso.

inculta@uol.com.br

Clóvis Rossi

Um nome sem peça de reposição

Teorias conspiratórias são ridículas, mas o risco de um vazio de governabilidade sem Cristina Kirchner é real

Quando cobria a agonia do presidente Tancredo Neves no Incor, em 1985, fui procurado por um cidadão que exibia dezenas de credenciais e cartões de visita, disposto a provar que o presidente havia sido alvejado com uma arma chamada Uirapuru, que disparava vírus e conseguia driblar eventuais obstáculos entre ela e o alvo.

Foi apenas uma entre mil teorias conspiratórias que apareceram à época. Doenças de governantes são território livre para o surgimento desse tipo de teses.

Não me espanta, pois, que a sucessão de tumores malignos que afetaram presidentes e um ex-presidente nos últimos meses tenha dado margem a um cúmulo de rumores nas redes sociais, ainda mais que todos os atingidos são personalidades de esquerda ou do que se pode chamar de esquerda no mundo contemporâneo.

Era também de esperar que Hugo Chávez surgisse com a teoria de que a CIA anda disparando cânceres contra os "anti-imperialistas" da região. Seria no mínimo ineficaz porque governantes de esquerda se tratam nos melhores hospitais que a burguesia construiu e equipou, exceto o próprio Chávez, que preferiu entregar-se aos cubanos.

Como sou o inimigo número 1 das teorias conspiratórias, abandono esses devaneios, sem dúvida mais populares, digamos assim, para cuidar da realidade. Ou seja, das previsíveis consequências do câncer da presidente Cristina Fernández de Kirchner.

É óbvio que tudo dependerá da evolução da doença e do tratamento. Se for positiva, aumentará ainda mais o já elevado cacife político e popular da presidente.

Basta lembrar que ela recuperou o prestígio, até então em queda, a partir do momento em que houve disseminada percepção de que seu marido Néstor morrera porque se descuidara da saúde em nome da causa.

O que é até verdade, goste-se ou não da causa. É natural, portanto, que uma Cristina vencedora do câncer ganhe pontos com o público pelo mesmo motivo, como já o indica a carta de apoio à "morocha" (a morena presidente) de Hebe de Bonafini, das Madres de Plaza de Mayo.

Essa é a parte fácil de prever. Assustadora é a hipótese inversa, a de problemas que afetem a capacidade de governar de Cristina.

O sociólogo Ricardo Sidicaro, pesquisador do Conicet (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas), definiu o governo dos Kirchner, em artigo para a revista "Nueva Sociedad", como "governo de líder sem partido". Logo, se o governo que já não tem partido ficar também sem líder, a Argentina estará com um sério problema de governabilidade.

Já o também sociólogo Julio Burdman, em texto para o site "Infolatam", lembra que, no modelo presidencialista latino-americano, "o presidente é o verdadeiro receptor dos votos e, como tal, é quem encarna as demandas, os planos de governo e o espírito das épocas políticas". O "kirchnerismo", com Néstor ou com Cristina, é isso e não tem peça de reposição.

Por fim, cabe lembrar que o casal foi o responsável por tirar a Argentina do poço (político, econômico e social) em que mergulhara até o ano 2001. Não é pouco, o que só aumenta o tamanho do problema no caso de doença séria.

crossi@uol.com.br


Caixa amplia em R$ 1 bi uso de FGTS para Copa

Recursos serão destinados para obras de transporte urbano, que são as mais atrasadas
DE BRASÍLIA

A Caixa ampliou em R$ 1 bilhão a previsão de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para obras de transporte urbano da Copa do Mundo de 2014.

Ao definir o orçamento do fundo para 2012, o banco destinou R$ 4 bilhões para esse tipo de projeto nas cidades sedes do evento.

No ano passado, eram R$ 3 bilhões do FGTS para essas obras, que incluem novos sistemas de ônibus rápidos, corredores expressos e veículos leves sobre trilhos.

Os recursos serão liberados na forma de empréstimos para entes públicos, como prefeituras e Estados. Para tanto, é necessária a apresentação de projetos.

Segundo a Caixa, o pedido de aumento de verba veio do Ministério das Cidades, responsável por aprovar os projetos de transporte para o Mundial de 2014.

O ministério informou que o aumento se deve à previsão de que haverá mais liberações este ano.

As obras de mobilidade para o Mundial são as que estão mais atrasadas.

O último levantamento da Caixa, de novembro, mostra que de 54 obras previstas nas 12 cidades, apenas duas já receberam recursos.

De um total de R$ 6,5 bilhões de empréstimos previstos, apenas R$ 65 milhões tinham sido liberados para dois projetos em Belo Horizonte (MG).

A decisão tomada ontem pela Caixa não alterou o veto da presidente Dilma Rousseff à utilização do FGTS para todos os tipos de obra da Copa do Mundo.

Isso porque, na prática, permanece vetado o uso do fundo para qualquer construção que não seja de transporte urbano.

E o uso do dinheiro do FGTS para as obras de transporte urbano já estava definido desde de 2008.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011


Antonio Prata

Ressaca

Se o porre é uma falsa euforia, o dia seguinte é uma depressão induzida, um passeio pela melancolia

Hoje é dia 28 de dezembro e, portanto, há grandes chances de que você esteja de ressaca. Talvez, deitado na cama, olhe agora para o teto e tente recordar, em meio às nuvens negras da memória e ao ensurdecedor tique-taque do relógio, qual é exatamente a parte da noite passada que o faz sentir-se tão miseravelmente envergonhado.

Terá ligado para alguma ex-namorada às duas da manhã? Comprado um aparelho de ginástica e um grill elétrico na Polishop? Ou será que cantou "Maria, Maria" à capela na festa da firma?

Há quem diga que a ressaca é a prova fisiológica da existência de Deus: ao gozo sucede-se a culpa, e aquele que dançou YMCA em cima da mesa, com a gravata amarrada na testa -ah, sim, é por isso que você se sente tão miseravelmente envergonhado-, está condenado a acordar com a boca mais seca que o pó do qual veio e ao qual voltará.

Discordo dessa abordagem masoquista. É possível encarar os desconfortos pós-etílicos de forma menos católica e mais, digamos, budista.

Veja: há monges que vivem anos e anos em cima de uma montanha, sob o sol e a chuva, comendo arroz sem sal, em busca do Nada; e aí está você, com a mente absolutamente vazia -e, para atingir o Nirvana, precisou apenas de algumas horas e dez latinhas de cerveja! (Ou foram mais? Você não sabe, perdeu a conta lá pela sexta, principalmente depois que o Pedrão começou a pedir aquelas doses de... O que tinha mesmo naqueles copinhos?)

Este estranho estado da matéria, entre o sólido e o gasoso, certamente não é um dos mais aprazíveis que você já experimentou, mas quem disse que a vida é feita só de prazeres? Os espíritos aventureiros, os que sabem que para passar além do Bojador há que passar além da dor, aprendem a enxergar, entre as latejadas da cabeça e os espasmos estomacais, uma chance de aprimoramento pessoal.

Pois, se o porre é uma falsa euforia, o dia seguinte é uma depressão induzida, um passeio pela melancolia, um breve outono da alma: por que não admirar as folhas amareladas que você vê agora, através destes olhos inchados? Como já dizia o poeta, "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza". Voilà!

Claro, é recomendável tomar cuidado para não afundar no "bocado de tristeza". Se você der ouvidos a todos os resmungos da ressaca, pode terminar acreditando que sua vida é uma sequência de maus passos sem nenhum sentido, que todas as pessoas são medíocres e mesquinhas, que o tique-taque do relógio é mais alto que o bate-estaca na construção de um arranha-céu. Calma.

Tempere os excessos de negativismo com humor. O humor está para a alma ressaquenta como a limonada está para o corpo derrubado. Agarre o copo de suco com uma mão, a ironia com a outra e atravesse esse dia que ergue-se à sua frente como um tsunami.

Eu falei em budismo: acho que exagerei. Você não verá a luz no meio da ressaca -mesmo porque olhar para a luz não é das experiências mais recomendadas nesse estado-, mas, se souber encarar o lusco-fusco existencial de maneira pró-ativa, ou melhor, pró-passiva, pode sair dele trazendo, além das olheiras, alguns insights, um par de risadas, e, quem sabe, até um "samba com beleza". Coragem. Limonada. Humor. E boa sorte.

antonioprata.folha@uol.com.br

GUSTAVO HENNEMANN ENVIADO ESPECIAL A BRASILEIA

Minha história Anita Antonio, 28

Nas garras dos coiotes

RESUMO

A haitiana Anita Antonio chegou na véspera de Natal a Brasileia, fronteira de Acre e Bolívia. Entrou ile galmente no Brasil após viajar por por dez dias com o filho Wilson, de dez meses. No caminho, foi roubada por "coiotes" (atravessadores) bolivianos. Agora tenta regularizar sua situação para ir ao encontro do marido, que vive em Manaus.

Haitiana conta o medo que passou nas mãos de atravessadores bolivianos até conseguir entrar ilegalmente no Brasil, pelo Acre

Embarquei rumo ao Brasil com o meu filho Wilson, de dez meses, apenas com anotações do roteiro que meu marido passou. Ele fez essa viagem antes de mim e agora está em Manaus me esperando, mas não sabe o que eu passei para chegar até aqui.

Sou de Jacmel, na costa sul do Haiti, e já morava havia oito anos na República Dominicana. Embarquei num avião em 14 de dezembro.

Fui até o Panamá e depois peguei outro voo até o Peru. De Lima, tomei um ônibus até Cusco, outro até Puerto Maldonado e mais um até Iñapari, na fronteira com a Bolívia e com o Brasil.

Lá fiquei num hotel onde estavam hospedados outros 21 haitianos com o mesmo objetivo: tentar a vida no Brasil.

O dono me apresentou a um boliviano coxo que se chama Thomaz. É o chefe de um grupo de coiotes que cobrou US$ 150 para supostamente me deixar no Brasil.

No mesmo dia, dois homens do Thomaz vieram buscar a todos nós e nos levaram para uma casa grande e velha em Iberia, logo antes da fronteira com a Bolívia. Ficamos lá uns dois dias. Assustavam a gente dizendo que a fronteira era perigosa e que tínhamos de esperar o momento certo para cruzar.

Antes de sairmos, pediram nossos celulares, laptops e câmeras. Disseram que iriam nos devolver na entrada do Brasil, para que policiais não nos tomassem no caminho.

Embarcamos à noite na carroceria de um caminhão, que se meteu numa estradinha de terra.

Três horas depois, oito homens encapuzados, armados de pistola, nos pararam. Obrigaram a gente a descer, colocaram os homens deitados com as mãos amarradas para trás e nos revistaram. Um de nós perdeu US$ 1.200. Eu entreguei o que tinha, não passava de US$ 300.

Depois, ainda cortaram nossas malas com uma faca e ficaram com as roupas novas que trazíamos. Um dos haitianos levantou a cabeça e tomou uma coronhada.

Antes de sumirem, esvaziaram os pneus do caminhão. Ouvimos um assobio e dois minutos depois apareceu um grupo de bolivianos.

Tivemos a impressão de que eram os mesmos que haviam nos assaltado. Tiraram as máscaras e voltaram. Não falei nada, tive muito medo.

Disseram ser amigos do Thomaz e deram ajuda para nos guiar até a fronteira. Sem saída, fomos com eles.

Trouxeram carros pequenos e fomos em grupos de cinco até Cobija. Quando me deixaram, estava sem dinheiro, sem minhas roupas boas e máquina de fotos. Desesperada, caminhei sem rumo e parei uma senhora boliviana na rua. Essa mulher nos deixou ficar e deu de comer para mim e para meu filho.

De manhã, entrei no Brasil cruzando a ponte caminhando. Agora só quero tirar os documentos para conseguir sair daqui e ir para Manaus.

Janio de Freitas

Emoções que embalam

Grande parte do debate sobre o CNJ é menos impulsionada pelas razões técnicas do que por sentimentos

A discussão pública em torno dos poderes fiscalizatórios do Conselho Nacional de Justiça está muito animada, mas passa ao largo de um perigo que os debatedores não têm como examinar jurídica ou regimentalmente. E não parece haver maneira de impedi-lo.

O manifesto, de rápido sucesso, em apoio à corregedora do CNJ comprova, à margem de sua finalidade declarada, que grande parte do debate é menos impulsionada pelas razões técnicas do que por sentimentos, contrários ou favoráveis, em relação à ministra Eliana Calmon.

Nenhuma das correções ao noticiário ou a afirmações suas, expostas em série por Eliana Calmon, nem sequer atenuou a visão, inclusive de juízes, que lhe atribui voluntarismo autoritário e ilegalidade.

Tal se deu com as explicações, que, mesmo retirando da ministra intenções extremadas, não enfraqueceram a identificação que provocou na classe média.

O provável é que a divergência chegue assim, embalada por emoções, ao julgamento no Supremo, para a decisão: vale o direito da corregedoria do CNJ de investigações diretas nos tribunais regionais; ou, como quer a liminar do ministro Marco Aurélio, cabe aos próprios tribunais a prioridade das investigações?

Então surge o perigo. A questão é muito importante, em qualquer dos sentidos. Mas emoções não vicejam só fora do Supremo, ou dos tribunais em geral. As aposentadorias de Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Nelson Jobim -que uma brincadeira antiga dizia ser "cada qual mais elegante: cobra, jacaré e elefante"- reduziu os índices de exaltação e de grosseria no plenário do Supremo. Mas, como sabe quem já viu os ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso em divergência, a Casa pode ser tanto ou mais entregue à força de emoções que à força da lei.

A ministra Eliana Calmon, por sua vez, tem um defeito que a fina educação brasileira rejeita: costuma ser sincera. É uma divisora de sentimentos. Inclusive no Supremo.

Daí que, mesmo sem se mostrarem em suas formas mais ostensivas, e revestidos pelos arabescos da erudição jurídica, os sentimentos em relação a Eliana Calmon vão estar presentes em parte do Supremo. E podem ser decisivos.

Esta é uma convicção vigente entre experimentados em Supremo Tribunal Federal. E não há discussão que impeça o perigo.

VAI BEM

A enrolação da polícia no caso do jogador Adriano já ultrapassou todos os limites. Há quatro dias anuncia-se o exame de pólvora nas mãos do jogador e da mulher atingida pelo tiro, para estabelecer qual deles mente sobre a autoria do disparo. A simples acareação de ambos só está prevista para hoje. E por aí vai.

O contrato de Corinthians e Adriano prevê a dissolução automática em caso de incidente extracampo com o jogador. Como nenhum dos dois deseja a dissolução, é preciso que Adriano seja o bom rapaz inocente de sempre.


28 de dezembro de 2011 | N° 16930
MARTHA MEDEIROS


Chegadas e partidas

Quem se queixa de que não há mais afeto no mundo precisa dar uma espiada no programa Chegadas e Partidas, que vai ao ar às quartas (hoje!), pelo canal GNT. Mais que merecido o prêmio que levou de Melhor Programa de Televisão em 2011, dado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

A apresentadora Astrid Fontenelle grava o programa dentro de um aeroporto, onde colhe depoimentos de pessoas que estão esperando alguém ou se despedindo de alguém. As histórias são simples e comoventes, provando que nossos dramas e alegrias particulares ainda são o que há de mais rico e raro por aí (sem falar que a trilha sonora é de primeira).

Na quarta passada, Astrid mostrou duas irmãs se despedindo de uma senhora de 80 anos que estava embarcando para Rondônia, sua terra natal. As duas irmãs conheciam essa senhora havia apenas três meses, quando se ofereceram em uma instituição de idosos para cuidar dela por um dia, como voluntárias.

Porém, se apegaram à senhora e a levaram para casa até que ficasse curada. A hóspede tinha um aneurisma e sofrera um AVC, apenas isso. Essas garotas são filhas de um motorista de ônibus, que também estava no aeroporto para acompanhar pessoalmente o retorno da senhora ao lar. Seria o primeiro voo de ambos – passagem paga através de uma cotização de vizinhos.

Esse pai e suas duas filhas se mobilizaram por uma senhora que não conheciam e choraram sua partida como se fosse alguém com quem tivessem convivido desde a infância. Como disse Astrid, tem gente que não cuida de uma mãe ou de um irmão doente, e no entanto essa família humilde assumiu a responsabilidade de cuidar de uma estranha, dando-lhe remédios e algo ainda mais terapêutico: amor.

Credo, escrever essa palavra – amor – me fez sentir um Tiranossauro rex. Constranger-se em falar de amor é um mau sintoma.

Chegadas e partidas. Um filho que nasce, um filho que morre. Uma paixão que brota na quinta-feira, uma paixão que termina no domingo. Desconhecidos que viram amigos de uma hora para outra, e amigos que somem no mundo sem dar mais notícias. Nossa vida é uma espécie de rodoviária – ou aeroporto, hoje dá no mesmo.

Todos esperando alguém que virá matar a saudade, que irá preencher um vazio, ou então se despedindo de alguém que buscará a felicidade em outro lugar, que irá trabalhar longe de casa.

Pouco temos nos comovido no dia a dia, atucanados em ganhar tempo e em cumprir metas, então nosso afeto só tem transbordado, pra valer, no momento crucial de uma separação ou de um reencontro.

Um ano está partindo, outro ano está chegando. Eu, dentro da minha “rodoviária”, fico com os olhos marejados tanto pelo que deixo para trás quanto pelo que aguardo. Ou virei um merengue, ou estou ficando velha. Que seja. A boa notícia é que ainda me emociono.


28 de dezembro de 2011 | N° 16930
NILSON SOUZA


O ciclo dos técnicos

Merece reflexão a justificativa do presidente do Atlético Paranaense, Mário Petraglia, para a contratação de um treinador uruguaio, que terá a missão de devolver o clube à Série A. Em nota, ele diz que seu objetivo é sair do “ciclo vicioso” do mercado nacional, caracterizado por profissionais que supervalorizam seus honorários sem querer assumir riscos ou responsabilidades sobre os resultados em campo.

Não sei até que ponto a justificativa merece crédito, pois Petraglia parece ter considerado muito mais o aspecto econômico do que qualquer outra coisa para chegar ao nome de Juan Ramon Carrasco, ex-meio-campo que jogou no São Paulo e treinou a seleção uruguaia antes da Copa da Alemanha. O câmbio atual favorece os brasileiros na contratação de profissionais dos países vizinhos.

Mas ele toca num ponto intrigante do nosso futebol, que é quase uma reserva de mercado mantida por um grupo restrito de treinadores e, principalmente, por empresários e procuradores. É bem difícil a renovação nesta atividade.

Irracionalidade

O mais paradoxal do nosso sistema é que os treinadores dos grandes clubes são pagos para fazer milagres – e todos, inclusive eles, sabem que não fazem. Por isso existe esta rotatividade irracional: duas derrotas seguidas, cabeça a prêmio; três derrotas, demissão certa. E logo aparece outro clube para contratar o demitido a peso de ouro. Em alguns casos, o mesmo que já o demitira no passado. Dá para entender isso?

Longevidade

O sonho de todo treinador sério e estudioso do futebol é ser um Alex Ferguson, o escocês que dirige o Manchester United há mais de 25 anos. Dificilmente um outro profissional alcançará tal marca, mas um pouquinho mais de longevidade já permitiria que alguns treinadores pudessem realmente aplicar suas ideias táticas e seu modo de pensar o futebol.

O problema todo é a tal de paixão, que leva dirigentes a agir como torcedores, torcedores como linchadores e, de acordo com os próprios técnicos, jornalistas esportivos como julgadores impiedosos.

Salários

Renato Gaúcho (momentaneamente fora do ciclo) disse outro dia que treinador tem que ganhar muito bem – e enfatizou o muuuuito – porque trabalha na insegurança, recebe críticas de todos os lados e pode acordar sem emprego mesmo quando está ganhando. Ou seja: os salários já levam embutidas as parcelas do aviso prévio e da indenização.

Negócios

Kleber tem qualidade, o Inter ganharia em mantê-lo para a Libertadores, mas está naquele momento da carreira que seria injusto privá-lo de uma transferência vantajosa. Douglas visivelmente quer sair do Grêmio, provavelmente pelo mesmo motivo. Acho que seria bom para ele e para o clube, que está formando um time mais veloz e combativo, mas a maioria dos torcedores ouvidos pela Gaúcha prefere que ele fique. Vá entender...


28 de dezembro de 2011 | N° 16930
PAULO SANT’ANA


Caminhos da felicidade

Vamos direto ao assunto: retorno ao tema que mais me fascina, a felicidade.

Em primeiro lugar, acho que felicidade é tudo de bom que não for ilusão.

Digo isto porque o sonho e a esperança constituem a ilusão. Então, quando se sonha não se está exatamente usufruindo de felicidade. O mesmo quando se está dominado pela esperança, isto é, há nesses casos a perspectiva de ser feliz, mas é só perspectiva ainda.

A felicidade é a meta mais objetiva da esperança. E a ilusão é apenas o simulacro da felicidade.

Enquanto a felicidade é aquele êxtase existencial supremo, aquela delícia em viver, uma realização em que o ser conquista todos os deleites da vida e nada tem a reclamar do seu destino.

Eu diria até que a ilusão e a esperança, quando se consumam, levam à felicidade.

O iludido acredita firmemente que será feliz. O esperançado carrega muito de fé, pouco de fé, mas se apoia na crença, robusta ou frágil, de que será feliz.

Tanto a ilusão não consiste na felicidade, que o célebre fox de Mário Lago tem como verso principal a sentença: “Nada além, nada além de uma ilusão/ chega bem e é demais para o meu coração/ acreditando em tudo o que o amor, mentindo, sempre diz/ eu vou vivendo assim feliz/ na ilusão de ser feliz”.

Notem que o poeta valoriza tanto a ilusão, que a põe acima do amor, mais tarde, nessa mesma música ele diz que “pior é o amor/ nada melhor do que a ilusão do amor”.

De alguma forma, Mário Lago, obcecado pela ilusão, atreve-se a afirmar que ela é muito melhor que o amor, isto é, o autor chega ao ponto de confundir a ilusão com a felicidade.

Mas não é bem assim. Eu vejo muitas pessoas dizerem: “Eu vivia na ilusão de que poderia ser feliz”.

Assim como vejo pessoas dizerem: “Não passou para mim de uma tola esperança”.

São provas irrefutáveis de que a ilusão e a esperança são caminhos, falsos ou verdadeiros, que conduzem ou pretendem conduzir à felicidade.

É bem verdade, em última análise, que a esperança e a ilusão são estados característicos da condição humana. O homem ingressa na loucura justamente quando deixa de possuir qualquer esperança ou ilusão, nada mais há o que fazer, está consumada a transição da esperança e da ilusão para a loucura.

Você, leitor ou leitora, fique certo de uma coisa: se nutre ou nutriu alguma esperança ou ilusão, nada há de errado nisso: tanto a esperança quanto a ilusão são combustíveis indispensáveis para o motor humano funcionar.

Mas esse motor só se sublima e atinge o máximo de seu rendimento quando o homem atinge a felicidade.

É o ápice, esta é a pedra 90!


28 de dezembro de 2011 | N° 16930
JOSÉ PEDRO GOULART


Ciscando para trás

Dou uma olhada na agenda de compromissos que fiz no final do ano passado e, considerando o que faltou cumprir, acho que esse ano não precisaria fazer uma nova. De qualquer maneira, com o mundo prestes a acabar, velhas decisões não se encaixam na rotina que se avizinha. Portanto, se não dá para olhar pra frente, melhor olhar pra trás.

Biutiful, do Iñárritu; A Pele que Habito, do Almodóvar; A Árvore da Vida, do Malick; a edição número 7 da Serrote; Atado de Ervas, da Ana Mariano; A Vida Segundo Peanuts, by Schulz (L&PM), Nova Antologia do Conto Russo, da 34; Nó na Orelha, do Criolo; Daytripper, de Fábio Moon e Gabriel Bá.

Lana Del Rey, uma estrela sobe; outra se apaga, Amy Winehouse. O médico de Michael Jackson é condenado por homicídio culposo. Os 104 do Niemeyer. Kim Jong-il morre incensado, aparentemente, pelo povo na Coreia do Norte; Kadafi é morto e empalado por rebeldes na Líbia. A repulsa ao sexo: assédio de Dominique Strauss-Kahn lhe tira do FMI e da cena política.

Crise na zona do euro estremece a economia do planeta. William e Kate, um conto de fadas do novo século. Liberado o casamento gay no Brasil. O Brasil ultrapassa o Reino Unido e já é a sexta economia global.

Tsunami no Japão; cinzas do vulcão chileno; Galvão Bueno oficializa o UFC. Santos toma um vareio histórico do Barcelona. Sócrates declara no Fantástico que tem cirrose por conta do alcoolismo; Sócrates morre. Chávez revela que tem câncer; Lula revela que tem câncer; caem sete ministros de Dilma por conta de denúncias na imprensa.

A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr., esgota em menos de uma semana nas livrarias sob o silêncio de grande parte da mídia. Dez anos do 11 de Setembro. Tropas americanas retiram-se do Iraque sem qualquer armamento nuclear descoberto. A Nasa anuncia a última missão tripulada.

As redes sociais revelam luto em cada canto do mundo pela morte de Steve Jobs. Osama bin Laden é capturado e morto; em seu cativeiro são encontradas garrafas de Coca-Cola e filmes pornográficos; seu corpo desaparece. A primavera árabe derruba ditadores.

Pela maconha e por protestos contra violência da polícia, estudantes ocupam a reitoria da USP. Occupy Wall Street, o movimento se alastra. A personalidade do ano, segundo a revista Time, é “O Manifestante” (“The Protester”). Facebook bate recordes de usuários. Sandy revela para a revista Playboy que “É possível ter prazer anal”. Físicos próximos de descobrir a “partícula de Deus”. Rafinha Bastos é eleito a personalidade mais influente do mundo no Twitter.

Enquanto os restos do cadáver daquilo que um dia foi um peru de Natal ainda jazem na geladeira, começam os preparos da carne de porco para Ano-Novo. A tradição manda que não se coma bichos que cisquem para trás na virada, mais uma na contabilidade da existência. Quem sabe a última. Aproveitemos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011


Julieta Cervantes

O show não pode parar

Diretor-executivo da Merce Cunninghan Dance Company fala sobre o legado do coreógrafo e o fim do grupo

FRANCISCO QUINTEIRO PIRES - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NY

Antes de morrer em 26 de julho de 2009, o coreógrafo e bailarino Merce Cunningham planejou a preservação da sua obra. Mesmo definindo a dança como "água que escorre pelos dedos, uma substância que logo desaparece", ele desejou eternizar movimentos criados em mais de 65 anos de carreira.

O primeiro passo soa contraditório: o fim da Merce Cunningham Dance Company em 31 de dezembro, quando apresenta a coreografia de "Events" no Park Avenue Armory, em Manhattan.

Fundada em 1953, a companhia faz a última performance após quase dois anos na estrada com a série The Legacy Tour. Desde fevereiro de 2010, mais de 150 apresentações de 18 coreografias -algumas fora do palco há décadas- foram realizadas em 50 cidades da América do Norte, Ásia e Europa.

"Cunningham decidiu fechar a companhia porque não queria dançarinos que não fossem treinados por ele", diz Trevor Carlson, diretor-executivo da Merce Cunningham Dance Company. "Ele imaginou uma companhia-museu."

Vladimir Safatle

A década do desencanto

Cada época tem um afeto que lhe caracteriza.

Nos anos noventa, ele foi a euforia: marca de um mundo supostamente sem fronteiras, pós-ideológico e animado pelas promessas da globalização capitalista. Na primeira década do século 21 os ataques terroristas aos EUA conseguiram transformar o medo em afeto central da vida social. O discurso político reduziu-se a pregações, cada vez mais paranoicas, sobre segurança, perda de identidade e fim necessário da solidariedade social.

No entanto, 2011 começou com uma mudança fundamental na dimensão afetiva. Pois novos laços sociais paulatinamente apareceram levando em conta a força produtiva do desencanto. Este é um dado novo.

Desde o final dos anos 70, as sociedades capitalistas não tinham mais o direito de acreditar na produtividade do desencanto. Fomos ensinados a ver, no desencanto, um afeto exclusivamente ligado aos fracassados, depressivos e ressentidos; nunca aos produtores de novas formas.

Em "Suave é a Noite", Scott Fitzgerald apresenta um de seus personagens dizendo que sua segurança intacta era a marca de sua incompletude. Tal personagem nunca sentira a quebra de suas certezas, a desarticulação de seus valores, por isto ele continuava incompleto.

Ele não tinha o desencanto necessário para explorar, sem medo, a plasticidade do novo.

Os novos personagens que entraram em cena na política mundial a partir deste ano não têm esse problema. Aqueles que transformaram 2011 no ano das revoltas sabem que todo verdadeiro movimento sempre começa com a mesma frase: "Não acreditamos mais".

Não acreditamos mais em suas promessas de desenvolvimento social, de resolução de conflitos dentro dos limites da democracia parlamentar, de consumo para todos. Sempre demora para que tal frase se transforme em um: "Agora sabemos o que queremos". Tal demora é o tempo que o desencanto exige para maturar sua produtividade. Como sempre, essa maturação chegará quando menos esperarmos.

Mas todo acontecimento vem sempre acompanhado de um contra-acontecimento. Se o grande acontecimento de 2011 foi essa nova economia afetiva no campo político, o grande contra-acontecimento ocorreu na Grécia e na Itália: a expulsão dos políticos do centro de decisão em prol de meros estafetas do sistema financeiro.

Como se, de um lado, tivéssemos em marcha a dinâmica de reconstrução do político. De outro, sua anulação completa através da falácia gerencial de empregados do Goldman Sachs travestidos de primeiros-ministros. Estas são as duas vias às quais a década que agora nasce será confrontada.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.
Quinzé se arrepende de transar com Teodora
Aguinaldo Silva

O autor de "Fina Estampa", Aguinaldo Silva, escreveu em seu Twitter que o episódio desta terça promete mais barracos.

"Quinzé (Malvino Salvador) se arrepende da transa e sai correndo. Teodora (Carolina Dieckmann) vai atrás dele pelo Quebramar de calcinha e sutiã!"



Ele também comentou que uma nova personagem chegará para atrapalhar o romance de Letícia e Juan Guilherme (Carlos Casagrande).

"E a coitada da Letícia (Tania Khallil), que até já comprou vestido de noiva, quando chega Chiara, ex-mulher de Juan Guilherme, pra atrapalhar o casamento? Chiara diz que veio pra morrer com a família - ex-marido e filho - porque tem uma doença incurável. Juan Guilherme acredita. Mas será mesmo?"

Aguinaldo revelou ainda que o papel será vivido por Helena Ranaldi.

"Chiara, uma ex-modelo que vive na Itália, será Helena Ranaldi, uma das atrizes que sabe como descer uma escadaria com classe."

O autor também sugeriu que pode haver um novo par romântico, entre Dagmar e Wallace.

"Lembram de Dudu Azevedo e Chris Vianna em "Duas Caras"? Pois é... acho que eles vão se cruzar de novo."
Campeão mundial pelo São Paulo, Catê morre em acidente de carro

DE PORTO ALEGRE -VINÍCIUS BACELAR - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM SÃO PAULO

Morreu em um acidente de trânsito no Rio Grande do Sul, nesta terça-feira (27), o ex-atacante Marcos Antônio Cate Lemos Tozze, conhecido como Catê, campeão mundial pelo São Paulo em 1992. Ele se envolveu em uma batida com um caminhão Scania na rodovia ERS-122, em Ipê (a 184 km de Porto Alegre). O acidente aconteceu por volta das 10h40.

De acordo com policiais rodoviários, o Fiat Uno que o ex-jogador dirigia invadiu a pista contrária e bateu de frente com o caminhão. O motorista do outro veículo não se feriu. Chovia no momento do acidente.

Segundo os policiais, Catê, 38, viajava sozinho e provavelmente perdeu o controle do veículo em uma curva, o que fez com que seu Uno fosse parar no sentido oposto. O ex-atacante morreu no local. O corpo foi levado para o Instituto Médico Legal de Caxias do Sul. Não há informações sobre o velório e o enterro.

O ex-jogador integrou o elenco do São Paulo que venceu o Barcelona no Mundial Interclubes de 1992. Além do clube do Morumbi, Catê defendeu o Cruzeiro (1994), Universidad Católica (1996-1997), Sampdoria (1998-1999 e 2000), Flamengo (2000), Esportivo-RS (2006) e Brusque (2008).

Na equipe paulista, ele atuou em 136 oportunidades (entre 1991 e 1997) e fez 23 gols. Com as cores do São Paulo, Catê conquistou um Paulista (1992), Mundial (1992), duas Libertadores (1992/93), Recopa (1993) e a Copa Conmebol (1994).

COPA SÃO PAULO DE FUTEBOL JÚNIOR



Apesar de já ser campeão mundial, Catê disputou a Copa São de Juniores de 1993. A dupla formada por ele e Jamelli foi fundamental para a primeira conquista são-paulina no torneio. Na decisão, o time tricolor enfrentou o arquirrival Corinthians e superou o adversário por 4 a 3, no Pacaembu.

Jamelli abriu o placar para o São Paulo. O próprio Catê ampliou a vantagem. Marques, que seria vice-campeão brasileiro no ano seguinte pela equipe de Parque São Jorge, marcou duas vezes e empatou o confronto por 2 a 2. De pênalti, Jamelli fez o terceiro tento do clube do Morumbi.

Caio César ainda igualou novamente, mas em uma boa jogada individual de Catê, Jamelli definiu a vitória são-paulina.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Noites antigas

Os tempos não eram definitivamente ecológicos. Tanto que uma carroça verde depositava na calçada de nossa casa, na Rua Sete de Setembro, em Cachoeira, um enorme pinheiro que alcançava o teto.

Vi a chegada, mas não vi os mistérios de depois. A porta da sala de estar foi cuidadosamente fechada para a minha curiosidade de menino de três anos, e só aberta já noite fechada.

Nesse instante, ocorreu todo um deslumbramento. O pinheiro era tão alto que, como disse, alcançava o teto. Mas isso era nada. O que maravilhava era aquela imensa torrente de tímbalos e enfeites que se despenhava até o chão – uma caprichosa obra de arte de minha mãe.

– Esta é nossa Árvore de Natal – explicou meu pai.

Eu já adivinhava e contemplei, siderado, aquela torrente de cintilações, brilhos, sinos, anjos, arcanjos que descia até o humilde presépio onde um pai e uma mãe velavam pelo Menino. A noite era fria e bois, vacas e ovelhas zelavam com sua respiração para que não sofresse com a temperatura.

À direita, minha irmã Miriam, que era muito pequena, descansava, adormecida em um berço.

Os presentes foram distribuídos, eu ganhei uma bola, um elefante e um caminhão com caçamba. E então aconteceu um pequeno milagre.

De repente surgiram vozes que cantavam, menos eu, que não conhecia a música, Noite Feliz. Miriam dormia em paz.

Depois vieram muitos Natais.

Nunca esqueço um, passado em Montevidéu, em plena ditadura. Aquela cidade vocacionada para a liberdade estava sufocada por um regime obscurantista que aprisionava o Estado de Direito e calava os cidadãos.

Precisamente na Noite de Natal, essa cidade calada pela violência reagiu. Rua a rua, quadra a quadra, bairro a bairro ecoaram os protestos de um estrondoso panelaço clamando pelo retorno da democracia.

Foi um dos mais belos espetáculos de civismo a que assisti.

Comecei falando em Cachoeira, terminei em Montevidéu. É que, no Natal, paz rima com liberdade.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
CLÁUDIO MORENO


Assim somos nós

Na Itália, no Renascimento, a ligação comercial com terras mais longínquas despertou também a curiosidade pelos animais que viviam nos outros cantos do globo. As famílias de renome, que já mantinham em sua corte um séquito de pintores, artistas e saltimbancos, passaram também a demonstrar seu poder e prestígio com grandes coleções de espécimes raros e valiosos.

Além de apurados plantéis de cavalos, cães e falcões de caça, formaram-se zoológicos particulares que incluíam o leão, a zebra e a girafa, até então raríssimos na Europa. Um desses senhores, por exemplo, orgulhava-se de sua rica coleção de leopardos, provindos dos mais variados pontos do Oriente...

Não faltaram, é claro, os que se dedicaram a formar verdadeiros zoológicos humanos. O famoso cardeal Hipólito Medici, por exemplo, exibia uma coleção de bárbaros que falavam mais de vinte idiomas diferentes, todos eles escolhidos entre os melhores representantes de seu povo: além de incomparáveis ginetes mouros, do norte da África, havia arqueiros tártaros, lutadores etíopes, mergulhadores indianos e turcos caçadores, que sempre acompanhavam o cardeal em suas expedições.

Quando faleceu prematuramente, em 1535 – é Jacob Burckhardt quem conta, em A Cultura do Renascimento na Itália –, seu caixão foi levado nos ombros por este bando esquisito, que misturava a algaravia de suas vozes às lamentações do cortejo fúnebre.

Essa exaltação da diferença entre os tipos humanos – que sempre serviu, em todas as épocas, para argumentos racistas – veio perdendo força desde o séc. 18, quando se proclamou que a Humanidade, embora múltipla, é sempre uma só. A não ser por fanatismo delirante, hoje ninguém ousaria negar que os homens – afegãos ou japoneses, esquimós ou argentinos – sejam iguais uns aos outros.

Por outro lado – e talvez por consequência – começamos a compreender que aquilo que torna infinita a variedade do zoológico humano é a possibilidade de cada um ser múltiplo em si mesmo.

Isaac Singer, um dos autores preferidos de nosso Moacyr Scliar, contava a história de um homem que, ao voltar de uma viagem a Vilna, comentou com um amigo que os judeus deviam ser um povo notável, pois tinha visto um judeu que, da manhã à noitinha, dedicava-se aos ensinamentos do Talmude;

um judeu que, durante o dia inteiro, só pensava em como poderia enriquecer; um judeu que agitava o tempo todo a bandeira da revolução, clamando contra a injustiça; um judeu que corria atrás de qualquer rabo de saia que passasse – ao que o amigo replicou: “Por que a surpresa? Afinal, Vilna é uma cidade grande, onde vivem judeus de todos os tipos”.

“Mas não”, disse o primeiro, “estou falando do mesmo judeu”. Pois é: assim somos todos; assim é cada um de nós.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
PAULO SANT’ANA


De novo, a felicidade

Mais uma vez, emprego o pensamento do leitor, só que agora não mais o transcrevendo ipsis litteris, mas interpretando o texto enviado.

O leitor Júlio Freitas (jrfreitas59@gmail.com) manda me dizer que é a favor das minhas chefias, que, segundo eu próprio esclareci, não gostam que eu transcreva cartas de leitores. Ele declara que também não gosta.

Ele diz que aprecia, nas minhas colunas, os meus textos, as minhas dicas, as minhas histórias. Quem quiser pedir alguma coisa ou relatar alguma esperança, diz ele, deve mandar sua mensagem para o Diário Gaúcho, coluna do Zambiasi.

Esse leitor diz também que gosta muito quando escrevo sobre futebol (tem muita gente que não gosta), adora quando conto histórias sobre minha infância no Partenon, também aprecia quando escrevo sobre meu tempo de delegado e sobre as memórias de meus amigos e de pessoas que eram ou são conhecidas.

Lembra com delícia daquela coluna em que esqueci a bolsa no elevador e daquela outra em que o garçom me serviu na barbearia.

E finaliza dizendo que estes são os tipos de colunas adoráveis. Ao contrário de cartas de leitores que eu reproduza.

Está bem. Mas agora eu tenho uma pergunta: será que as centenas de milhares de leitores gostarão dessa forma que usei agora, de traduzir o pensamento desse leitor?

Aí é que está a coisa...

Já o leitor Paulo Carneiro (carneiropaulo1@hotmail.com), seguindo o ritmo dos que analisam minha coluna em face da restrição que meus chefes fizeram a que eu publique cartas de leitores, lembra que, certa vez, há 20 anos, quando era gerente de uma das Lojas Colombo, usou de uma coluna minha, sobre o tema felicidade, para motivar seus funcionários, pois era grande a rotatividade de pessoal na empresa.

Ele diz que encaixou o assunto da minha coluna assim, no discurso que fez para seus comandados: é que a gente sempre transfere a nossa felicidade para outro lugar, outra hora, outra empresa, outro casamento...

Acrescenta que sua pregação com seus funcionários obteve sucesso e que desde então segue o meu jeito de escrever. Pombas, há 20 anos, meu querido irmão, 20 anos me acompanhando, metade da minha carreira, estimado amigo!

Sobre essa transferência da felicidade a que se refere o leitor, embora faça muitos anos, lembro agora da coluna que ele recordou, em que citei um soneto de Vicente de Carvalho que dizia assim:

Esta felicidade que supomos,

Árvore adorada que sonhamos

Toda arriada de mimosos pomos,

Existe sim, mas nós não a encontramos,

Pois está sempre apenas onde a pomos

Mas é que nunca a pomos onde estamos.

Aconselho àqueles leitores que gostam de gravar o que se escreve que anotem este sexteto de versos poéticos que reproduzi acima: é um dos mais altos momentos da literatura da língua portuguesa, são fantásticos.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
DAVID COIMBRA


Moscas, tigres e dinossauros

Para que existem moscas? Francamente.

Uma amiga minha, depois de três anos vivendo entre Escócia e Inglaterra, teve de voltar ao Brasil. Quando pisou em solo pátrio, o primeiro ser vivo que a tocou foi uma mosca. Desatou a chorar. A mosca, para ela, era um símbolo do nosso atraso tropical e católico.

Moscas. Os ecologistas dizem que tudo na Natureza tem a sua lógica e a sua função, que tudo está encadeado. Assim, as aranhas serviriam para comer as moscas. Não fossem as aranhas, haveria superpopulações de moscas, as moscas tomariam conta da Terra.

Mas e se não existissem moscas? Se elas simplesmente desaparecessem, como desapareceram as mulheres que sabem fazer nhoque? Neste caso, não precisaríamos de aranhas, que amiúde são peçonhentas. Estaríamos livres de dois inconvenientes ao mesmo tempo: as chatíssimas moscas e as ameaçadoras aranhas. Perfeito.

Esse negócio de que a Natureza é sábia e deve ser preservada eternamente como está é uma balela. Milhares, milhões de espécies foram extintas e não fazem a menor falta. A minha curiosidade em conhecer um pássaro dodô é a mesma de conhecer um chester: nenhuma. Agora, se há 65 milhões de anos existissem ecologistas, eles estariam tentando preservar os dinossauros e os pterodátilos.

Imagine os gastos de uma reserva para dinossauros. Rondônia já é quase toda dos índios, teríamos de deixar uns dois Matos Grossos para os dinossauros. E vez em quando eles escapariam para as cidades e fariam estragos de um Godzilla em Tóquio, amassando carros, derrubando prédios, mastigando pessoas. Não. Muito melhor os dinossauros estarem bem extintos.

Além do mais, quem garante que não foi melhor para os dinossauros aquele fim nobre, um meteoro caindo sobre o México, fazendo o eixo do planeta se deslocar e abatendo-os todos rapidamente num grande cataclismo? Talvez tenha sido mais digno do que a decrepitude inevitável por que passam os seres longevos.

Schopenhauer defendia a extinção da espécie humana como a única forma de escapar ao sofrimento existencial. A extinção como salvamento. O ideal, para ele, era que cessássemos com nossa ilógica ânsia reprodutiva. Parássemos de ter filhos.

Em pouco tempo, a Humanidade atingiria um fim suave e, com o fim da Humanidade, findaria a dor. Um ótimo plano. Mas, enquanto não é levado a cabo, por que continuar a conviver com moscas? Vamos acabar com elas! Danem-se os ecologistas.

Que herdem o planeta apenas os que o merecem, aqueles que são elegantes, como os felinos em geral, e em especial os tigres, com sua independência feroz e altaneira; os tipos alegres, que não se levam a sério, como os macacos de quaisquer tamanhos, sobretudo os chimpanzés; os emotivos cachorros, principalmente os de grande porte; os cavalos e sua fidalguia orgulhosa; os passarinhos chilreantes; os peixes silenciosos, com destaque para o saboroso bacalhau; e até uma ou outra baleia, desde que não se aproxime muito da costa.

Quanto aos insetos, míseros bichos de seis pernas, livremo-nos deles.

“Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”, proclamava Saint-Hilaire no século retrasado. Hoje seria vilipendiado pelas redes sociais. Sabia, Saint-Hilaire, que alguns não merecem sobreviver. A saúva. A mosca. E os técnicos mal-educados.

Não servem para nada, os técnicos de futebol grosseiros, que mal sabem se expressar na última flor do Lácio inculta e bela, que estão sempre emburrados e que ganham centenas de milhares de reais por mês. Que sejam extintos todos, junto com as moscas, até que enfim realizemos o plano de Schopenhauer.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
FABRÍCIO CARPINEJAR


Tenho uma filha de 18 anos

Mariana completou 18 anos ontem. Ela diz pai pai... sempre duas vezes, acho engraçado, não é apenas pai!, mas pai pai..., um chamado reticente, com eco de montanha, a me procurar pela casa. Talvez dobre a paternidade para recuperar os dias e os anos que não esteve comigo. Moramos juntos desde 2010. Já sofremos a distância, o medo de ser esquecido. Agora dividimos o mesmo telhado de estrelas para comemorar sua maioridade.

Tenho uma filha adulta. Uma filha crescida. Sinto-me importante, não me vejo envelhecido.

Mariana é altamente vaidosa de suas palavras. Exatamente como eu.

Lê devagar para não perder nenhuma frase. Não suporta uma palavra sem significado. Carrega minidicionário na bolsa. Nunca ri disso, acha que o escritor é um turista da própria língua, não tem vergonha de perguntar o óbvio e colecionar sons.

Mariana é uma tímida esbaforida. Exatamente como eu.

Aquela figura atrapalhada que tenta não chamar atenção e acaba atraindo o dobro do apelo. Entrará de fininho em sala de aula, atrasada, e derrubará metade dos livros. A turma inteira vai girar o rosto em sua direção.

Mariana é ansiosa. Exatamente como eu.

Para esperar um torpedo de namoro, inventa o inferno. Para esperar uma reconciliação, come uma caixa de bombons. Para ganhar um abraço, briga e grita como um bicho. O que mais desagrada na história do mundo é a paciência. Tem uma pressa para ser feliz. O amor é para ontem, hoje é tarde.

Mariana é distraída. Exatamente como eu.

Não que tenha problema de atenção, é o contrário, um excesso de escuta, acompanha duas ou três conversas simultaneamente e pretende participar de todas.

Mariana é debochada. Exatamente como eu.

Cria conflitos para sair do tédio. Faz piadas solitárias, provoca as pessoas a tomar partido, polemiza por prazer e testa os limites dos outros. Poucos entendem sua rápida mudança de posicionamento: desagrada com fúria e logo avisa que era brincadeira.

Mariana tem meus olhos tristes e caídos, minha paixão por dormir tarde, meu receio dos armários abertos, minha curiosidade pelas geladeiras dos amigos, minha superstição com escadas, minha inclinação por roupas coloridas e extravagantes.

Mas sou mais pai quando minha filha não se parece comigo. Quando ela não me repete. Quando ela é ela e mais ninguém.

Mariana, por exemplo, perdoa com facilidade a vida, bem diferente de mim, que não desculpei o tempo que não fiquei perto dela.