20 de março de 2015 | N°
18107
ARTIGOS - ANDRÉ LUÍS
CALLEGARI*
A FALÁCIA DO PACOTE ANTICORRUPÇÃO
Escrevi, há exatamente um ano, um
artigo acerca da tentativa do governo de tornar hediondo o crime de corrupção
após as manifestações de 2013. Eis que, após 15/03, o governo surge com mais
propostas anticorrupção em resposta à crise de legitimidade. No Brasil, toda
vez que há uma forte insatisfação com o governo, apela-se para o Direito Penal
e, com um viés absolutamente populista, criam-se novas leis criminalizando
condutas e/ou agravando penas já existentes.
A onda da vez é o pacote
anticorrupção, com o qual se pretende criar a figura penal de enriquecimento
ilícito de servidor público (PL 5.586/2005), como se o enriquecimento, e não a
corrupção, fosse o problema. Ao ressuscitar o projeto de lei, o governo propõe
a punição com pena de reclusão de até oito anos aos casos de enriquecimento
injustificado do servidor público.
Mas e o que seria injustificado?
Frente à ausência de definição, todos os funcionários públicos terão que ir às
delegacias para comprovar seus rendimentos e os de sua família?
Em vez de reforçar a investigação
do crime de corrupção passiva ou peculato, a proposta induz a erro a população,
criando mais um crime, quando o real problema não é a falta de figuras penais,
mas, sim, de efetiva punição nos casos em que for devida. É tendência nacional
o apelo à criminalização de uma conduta quando os aparelhos administrativos são
incompetentes. Esta lógica distorcida é responsável pela sobrecarga do
Judiciário, pelo atual estado de penitenciárias e presídios e,
consequentemente, pela impunidade das condutas que realmente deveriam ser criminalizadas.
Diante do atual quadro político
brasileiro, é certo que o Projeto de Lei 5.586/2005, recuperado agora pelo
governo, mostra-se, mais uma vez, como uma proposta de ocasião.
Na prática, esta nova lei não
inibirá a sensação da impunidade ou reduzirá a delinquência nesta espécie,
contudo, o objetivo principal não é e nunca foi outro senão a arrecadação de
votos por meio da falsa impressão de ação do governo, uma resposta aos recentes
protestos, e são grande as chances de cairmos nesta armadilha. O Estado já
sabe, mas a população deve compreender que não é a previsão de uma pena que
dissuade a prática da conduta, mas sim a certeza dessa punição.
*Advogado criminalista e
professor na Unisinos
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