07
de março de 2015 | N° 18094
CLÁUDIA
LAITANO
Lei sobre lei
Acho
que caiu em desuso um pouco antes de eu começar a brincar fora de casa. Conheci
a expressão “às ganhas” e “às brinca” de segunda mão, como relato nostálgico de
amigos um pouco mais velhos. Tratava-se de uma espécie de contrato informal
averbado entre as partes nos instantes que antecediam confrontos de modalidades
não olímpicas como jogo de botão ou bolinha de gude. “Às ganhas” era quando o
jogo era de vida ou morte, valendo levar para casa todas as bolitas do
adversário ou o jogador mais valioso do time de botão.
“Às
brinca” era um amistoso, um jogo-treino sem maiores consequências para o
derrotado do que um joelho ralado na autoestima.
Muitas
vezes, no Brasil, temos a impressão de que as leis também são divididas, por
algum tribunal imaterial e plenipotenciário, em “às ganhas” e “às brinca”.
Algumas são menos desrespeitadas porque as consequências parecem mais
prováveis. Para outras, a punição é tão rara, que é quase como se as leis não
existissem. As duas categorias, porém, não são universais. Diferentes classes
terão diferentes percepções do que pode dar rolo sério ou não. Alguns cometerão
crimes porque acreditam que não têm nada a perder, outros porque sabem que, no
final, não há “às ganhas” que não possa ser transformado em “às brinca” pelo
advogado certo.
Porque
às vezes as leis são “às ganhas” e outras “às brinca”, criamos o hábito de
fazer leis para lembrar que uma lei que já existe deve mesmo ser respeitada. Em
geral, essas “sobreleis” aumentam a punição que já existe ou sapecam uma
nomenclatura mais forte como “crime hediondo”.
Duas
“sobreleis” foram aprovadas nos últimos dias na esperança de que aquilo que já
é crime seja, enfim, tratado como tal. Na semana passada, a Câmara aprovou uma
mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente que torna crime a venda de
álcool para menores. Na última terça, a mesma Casa aprovou projeto que inclui
no Código Penal o “feminicídio”, pelo qual matar uma mulher por questões de
gênero, como no caso de violência doméstica, passa a ser agravante do
homicídio. Outro projeto, já aprovado no Senado, inclui a corrupção no rol dos
crimes hediondos.
É
bom que esses assuntos voltem à discussão – melhor isso do que se acomodar no
“às brinca” geral. Mas não adianta aumentar as penas quando não se constrói uma
percepção coletiva de que vender álcool para menores, bater na mulher ou passar
a mão no dinheiro público é intolerável. As “sobreleis” existem porque, além
das vítimas e dos criminosos, há uma imensa maioria de pessoas que, sem cometer
crime algum, baixa a cabeça e faz que não viu.
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