17
de março de 2015 | N° 18104
LUIZ
PAULO VASCONCELLOS
ONTEM HOJE AMANHÃ
O
racionalismo predominou nas últimas décadas do século 19, tanto na filosofia
quanto na arte, priorizando a razão como caminho para se alcançar a verdade. Assim,
a experiência do mundo sensível, cultivada pelo romantismo, foi sendo substituída
aos poucos pelo raciocínio lógico, a dedução como método de investigação do
conhecimento. E tudo isso deu em quê? Em duas guerras mundiais, a primeira de 1914 a 1918, a segunda de 1939 a 1945.
Na
arte do teatro, foi Samuel Beckett o dramaturgo que melhor e mais veementemente
retratou as consequências desse absurdo ao dar forma à angústia metafísica que
tomou conta do mundo. E a peça que melhor retrata a devastação e a falta de
sentido em que o mundo se transformou talvez seja Oh, os Belos Dias, em cartaz
de quinta a domingo no Teatro Renascença até o próximo dia 22.
Na
peça, Winnie está enterrada no primeiro ato até a cintura, e, no segundo, até o
pescoço. E, apesar dessa situação insólita, ela não para de sorrir e de falar
como o dia está agradável e como a vida é maravilhosa. Ao seu lado, ao alcance
da mão, uma sacola guarda alguns objetos que a mantêm ocupada – os óculos, o
espelho, o chapéu, a sombrinha, a escova de dente, o batom, a lixa de unhas e
um revólver. Num buraco perto dali, seu marido, Willie, se esconde do sol e da
tagarelice de Winnie.
E a
cada manhã, quando uma campainha estridente toca até ela acordar e abrir os
olhos, ela começa o dia dizendo: “Vai ser mais um belo dia”. Ao anoitecer, ela
canta e reza, não necessariamente nesta ordem, e a vida continua sendo
maravilhosa.
A
metáfora da esperança numa terra devastada e sem qualquer perspectiva de
liberdade e movimento retrata, sem dúvida alguma, o mundo em que vivemos. Seja
acossado pelo extremismo islamita, seja insultado pela corrupção que toma conta
do cenário político brasileiro, seja ameaçado pela falta de água, seja incrédulo
com as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, seja ridicularizado
pelos 7 x 1 que levamos da Alemanha, sempre continuamos achando que a vida
permanece maravilhosa.
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