
07 de Julho de 2025
CARPINEJAR - Carpinejar
Era para a gente estar lá
Imagine você desprezar o amor da sua vida - e, de repente, vê-lo se casar com o seu grande desafeto, no auge da felicidade. A cada triunfo do Fluminense na Copa do Mundo de Clubes, mais me sinto corneado pelo destino.
Eu aceitaria o Botafogo, o Palmeiras, o Flamengo na semifinal, mas logo o Fluminense, o azarão? Não dá para suportar. É repisar meu trauma colorado.
Porque o Inter tinha condições de estar lá, no lugar do Tricolor das Laranjeiras, se não tivesse cedido bisonhamente a virada na semifinal da Libertadores, em casa, com Beira-Rio lotado, no fatídico 4 de outubro de 2023.
Para agravar o chifre, o time é comandado pelo ídolo gremista Renato Gaúcho, que tem demonstrado ser o melhor técnico em atividade no país, capaz de motivar seu grupo a ser insanamente competitivo. Ele morde a sua corrente de santinha na beira do campo, e regurgita milagres.
Para infeccionar a ferida, o plantel conta com ex-jogadores do Inter, os refugados Nonato e Renê - sendo que o lateral foi um dos pivôs da falha na decisão contra o próprio Fluminense.
Quanta ironia. Quanto sarcasmo. A classificação para o embate com o Chelsea, na terça-feira, rendeu US$ 21 milhões (R$ 113,8 milhões) em premiação para o Fluminense, totalizando R$ 329,44 milhões só neste torneio. Terá grana de sobra para reforçar o elenco. Aumentando o meu estresse emocional, ainda é o nosso rival sorteado para as oitavas de final da Copa do Brasil.
Jamais recebo alta espiritual, e a secação não funciona. Aquela derrota bombástica na Copa do Mundo é lembrada a todo instante: quando o Flu empatou com o alemão Borussia, quando ganhou do sul-coreano Ulsan, quando arrancou o empate com o sul-africano Sundowns, quando atropelou a Inter de Milão, quando fez pouco caso do milionário árabe Al-Hilal.
Eu vejo Hércules entrando no estertor e fazendo os gols messiânicos - e me recordo do curinga Kennedy aniquilando as nossas esperanças. Não encontro nenhum conforto da realidade para superar a frustração. Seu registro permanecerá definitivamente no meu DNA, até os meus tataranetos. Repassarei essa incurável e amarga melancolia como informação genética pelo meu sangue.
Ouso dizer que foi o pior revés da memória do Inter, pelo seu ingrediente trágico e sorrateiro. Se sucumbíssemos nas penalidades, seguiríamos adiante com a cabeça erguida. Nada justifica a entregada nos seis minutos que restavam quando vencíamos com segurança.
Vivo voltando mentalmente ao dia 4: poderia ser a gente nos Estados Unidos! Salvaríamos as nossas finanças! Seríamos novamente gigantes! Experimento um looping infinito, em que Renê tira a bola no segundo derradeiro, Vitão não se precipita na marcação em Marcelo, Enner endireita a cabeça e os pés nos arremates fáceis para a meta.
O tempo não retorna. O tempo é cruel. O que atenua a minha nostalgia do futuro é a saudade que os gremistas andam remoendo de Portaluppi na sua casamata. E o que me consola - mas não me cura - é a redenção do goleiro Fábio. Ele destruiu o conceito de aposentadoria. Ampliou a durabilidade esportiva numa posição que exige flexibilidade e reflexos. Com atuações soberbas, testemunhamos uma gloriosa vingança contra o preconceito.
Aos 44 anos, ele é o novo Manga. É o maior recordista de partidas sem levar gol da história do futebol, com mais de 500 apresentações. Neste ano, vai superar o britânico Peter Shilton (1.387 jogos) como o atleta mais longevo que já existiu.
Não torço para o Fluminense - não consigo, mesmo sendo o único brasileiro na disputa. Perdoe-me. Mas torço por Fábio. O mais injustiçado arqueiro do nosso passado. Quem deveria ter sido chamado para pelo menos três Copas do Mundo pela seleção brasileira. Quem sequer foi convocado.
Esse pegador de pênaltis sempiterno. Esse monstro atemporal. Essa vontade de vencer concentrada numa muralha.