13
de março de 2015 | N° 18100
DAVID
COIMBRA
O presidente que faz
piu
O
presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conversa com passarinhos. Foi ele quem
contou. Volta e meia, uma dessas delicadas criaturas do céu desce à terra,
voeja em círculos sobre sua cabeça, pousa em algum lugar e, em seguida,
conta-lhe sobre a vida que está levando no Além o seu antecessor Hugo Chávez.
Já ocorreu até de Chávez apresentar-se a Maduro em pessoa, ou em ave, porque
também ele surge na forma de um fagueiro penoso, e assobia para Maduro, e
Maduro lhe assobia em resposta, e assim eles vão falando. Ou chilreando.
Nunca
tivemos um presidente que falasse com passarinhos. Não podemos dizer: “Os
presidentes que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”. Nossos presidentes,
tristemente, não gorjeiam, não trinam, não pipilam e nem piar piam. Pior: ao
que se sabe, nenhum deles jamais virou ave depois do passamento.
Nosso
presidente mais parecido com um passarinho foi Itamar Franco, com aquele seu
vistoso topete de cardeal. Ah, você dirá que Fernando Henrique é um tucano, mas
se trata de tucano figurado. Não vale.
Nenhum
dos nossos presidentes já falecidos tampouco deu-se o zelo de interromper o
descanso eterno para voltar ao Brasil e ajudar na administração do presidente
vivo, o que talvez denote certa falta de patriotismo.
Dizem
que os fantasmas dos generais Figueiredo e Castelo Branco rondam à noite pelo
Palácio da Alvorada, mas é de se duvidar que queiram aconselhar os presidentes
em exercício, que têm sido, todos, civis. Além do mais, almas penadas, em
geral, são desagradáveis. Melhor ficar longe delas.
Na
Inglaterra, ilha de invernos penumbrosos, cheia de histórias de espíritos
inconformados com o fim da existência terrena, pois na Inglaterra não foram
poucos os que viram o espectro da rainha Ana Bolena caminhando em torno da
Torre de Londres, levando sua própria cabeça debaixo do braço. Essa cabeça,
quando Ana soube que ia perdê-la, mandou importar da França um exímio carrasco,
que exercia seu ofício usando da espada, não do machado bruto. Ao subir no
cadafalso, linda e digna, ela descobriu o pescoço, alisou-o e comentou com o
verdugo:
– É
fino, não é?
O
francês, então, pediu que ela se ajoelhasse, pôs-se às suas costas e comentou:
–
Onde deixei minha espada?
Ana
se distraiu com a observação, olhou para o lado e ele aproveitou para decepá-la
com um único golpe. Grande profissional.
Mas
note: nem Ana Bolena virou passarinho. Nem ela, que era tão bela a ponto de
obcecar um rei, fazendo-o mudar a religião de todo o país.
Gosto
muito de passarinhos. Tive vários. Caturritas, periquitos, pintassilgos,
canarinhos. Hoje, não teria, porque concordo com os defensores dos animais: é
maldade mantê-los presos. Agora, se descobrisse que algum presidente brasileiro
virou passarinho, faria o que fazia quando menino, na zona norte de Porto
Alegre: montaria uma arapuca – uma caixa de sapato apoiada numa vareta, com
alpiste embaixo. Quando ele viesse comer o alpiste sob a caixa, puxaria o
barbante amarrado à vareta e, zás!, o capturaria. Então, o acomodaria dentro de
uma bela gaiola dourada e, quando ele reclamasse do cativeiro piando para mim,
como pia Chávez para Maduro, eu olharia por entre as barras de metal, sorriria
e lhe diria o seguinte:
–
Ah, não, presidente, não adianta reclamar, você vai ficar aí. A gaiola,
presidente, a gaiola é o seu lugar.
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