28
de março de 2015 | N° 18115
O
PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno
Azulejo
ACABEI CONFIRMANDO QUE não há nada que ligue azulejo
a azul, embora pareçam da mesma família
O
assunto foi levantado por uma professora da rede pública estadual de Santa
Catarina, do município de Lajes, cujo nome, a pedido seu, não será mencionado:
“Professor, sou uma grande fã sua e tenho certeza de que vai me ajudar. Um
aluno me perguntou por que, ao lado do azulejo, que obviamente vem de azul, nós
não temos também verdejo, branquejo ou vermelhejo. Acho que é brincadeira, não?
Que resposta posso dar a ele?”.
Cara
professora, a pergunta veio sacudir a árvore da memória e despertou-me a vaga
lembrança de já ter tratado deste assunto. Embora conserve hábitos um tanto
fora de moda – escrevo preferencialmente a mão, com caneta tinteiro e tinta
preta –, aderi à informática desde o tempo do Windows 3.1, fazendo do
computador um companheiro que só vou abandonar quando deixar este mundo.
Usando de feitiço poderoso (na verdade, o
Google Desktop), vasculhei os meus arquivos e encontrei, no início de 2000
(credo! já faz 15 anos!), um e-mail de nosso Luiz Achutti, enviado de Paris,
comentando uma coluna em que eu afirmava, oblíqua mas claramente, que azulejo
viria de azul. Dizia ele: “Escrevo apenas para dizer-te que vi ontem na TV uma
matéria sobre o Museu dos Azulejos em Portugal.
O
cara lá pelas tantas falou que a palavra azulejo não veio de azul (como está
implícito no teu artigo), mas sim de uma palavra árabe, de som parecido, que
teria algo a ver com revestimento. Não lembro qual era a palavra do Árabe, mas
espero que mesmo assim faças bom proveito da minha dica”.
A
dica foi realmente valiosa; com a pulga atrás da orelha e um dicionário na mão,
acabei confirmando que não há nada que ligue azulejo a azul, embora pareçam ser
gente da mesma família. Corominas (conquanto seja um dicionário etimológico do
Espanhol, sempre é útil quando estudamos formas compartilhadas entre os dois
idiomas) diz que azulejo vem de al-zuleig ou al-zuleij (o al é apenas o
artigo), que significa, aproximadamente, “pedrinha polida”, uma referência à
arte dos mosaicos romanos, que os árabes conheciam tão bem. Por outro lado,
azul, a cor, é uma forma reduzida de al-lzaward, vocábulo que os árabes foram
buscar na Pérsia e que você conhece como o segundo elemento de lápis-lazúli (do
Latim lapis, “pedra” + lzaward, “azul”).
Embora
haja um marcante predomínio do azul nos ladrilhos portugueses, todas as outras
cores sempre estiveram presentes. Numa descrição da China, em 1520, o viajante
informa que “As casas são ladrilhadas de azulejos de muitas cores”. Em 1603,
Fernão Mendes Pinto (1603) descreve “um coruchéu [campanário] de azulejos de
porcelana muito fina brancos e pretos”. Já no séc. 18, contudo, o bom Bluteau
se encarregava de espalhar a falsa etimologia em seu dicionário: “azulejo -
“espécie de ladrilho envernizado, com figuras ou sem elas; há brancos e verdes,
mas pela maior parte são azuis, e desta cor tomou esta obra o nome”. Sendo ele
o grande nome que foi em nossa lexicografia, desconfio que tenha contribuído –
e muito! – para espalhar esta lenda.
Cláudio
Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente aos sábados
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